Conheça a história da criação da estátua do Bellini, que tem várias versões

Domingo, 02/06/2013 - 17:27

Como diz o eterno samba-enredo da União da Ilha de 1977 - sem título conquistado, mas com marca registrada -, o domingo no Rio de Janeiro colorido pelo sol tem sempre morenas que gingam na praia e no bom futebol. E falou de futebol, falou de Maracanã. Desde os idos de 1960, quando o estádio ainda era o maior do mundo, um hábito carioca transformou um monumento num dos maiores pontos de encontro da cidade. "Nos vemos na estátua do Bellini?" é a velha pergunta dos torcedores que sobrevive ao longo dos anos, seja para encontrar as morenas, louras, mulatas, negras, índias, orientais ou simplesmente os melhores amigos. E por mais que passem as gerações, continua inconclusiva a história sobre a homenagem ao capitão do primeiro mundial da Seleção, conquistado em 1958, na Suécia.

A dúvida dá ainda mais charme ao tributo, cercado de versões. Afinal, a estátua foi feita mesmo para o zagueiro que atuava pelo Vasco? Quem teve a ideia da sua criação? E de quem é o rosto que está no monumento? O GLOBOESPORTE.COM foi atrás das respostas para essas perguntas, mas o tempo apagou a maioria das explicações. Uma coisa, no entanto, é certa: sendo ou não homenagem direta a Bellini, os torcedores que forem ao Maracanã neste domingo para a reabertura do estádio, quando o Brasil enfrentará a Inglaterra, às 16h, certamente voltarão a se ver no velho ponto de encontro, e a referência será sempre o zagueiro campeão do mundo.

"Monumento dos Campeões Mundiais de Football": quem é o pai da criança?

A primeira versão, até então mais forte, é que a estátua, inaugurada em 13 de novembro de 1960, na verdade se trataria do "Monumento dos Campeões Mundiais de Football". Esse, inclusive, seria o nome oficial, segundo matéria de 11 de novembro de 1960 publicada pelo "Jornal dos Sports", grande incentivador da homenagem. Mas aí começam algumas dúvidas. Na coluna "Bola Society", publicada sempre na página 2 do JS da época, o jornalista Haroldo Damásio se intitula o autor da ideia de erguer uma estátua aos heróis de 1958.

A história foi contada pelo diário carioca desde 26 de abril daquele ano, quando saiu a primeira nota na coluna de Damásio: "Campeões do mundo terão o seu monumento", diz o título. Havia ainda uma foto da miniatura da estátua, e o texto afirmava que Matheus Fernandes, professor de escultura do Museu Nacional de Belas-Artes, faria o monumento (e realmente o fez). O detalhe é que no modelo menor o rosto não era parecido com o definitivo.

Essa versão da origem de tudo já bate de frente com outra, do saudoso jornalista Luiz Mendes - orador oficial da cerimônia de inauguração. Em seu livro de memórias intitulado "7 mil horas de futebol", da Freitas Bastos Editora, de 1998, ele contou que teve a ideia quando era locutor dos editoriais escritos por outro conhecido jornalista esportivo, Armando Nogueira, no programa "Noite de Gala", da TV Rio, dirigido pelo apresentador Flavio Cavalcanti e pelo ator Cecil Thiré e patrocinado pela loja de eletrodomésticos Rei da Voz, do empresário Abraham Medina.

- Medina, com aquele grande dinamismo que lhe era característico, por ter gostado da ideia, mandou logo esculpir a estátua. E o Rei da Voz comandou a iniciativa de “Noite de Gala”, homenageando os campeões do mundo com a estátua de Bellini - escreveu Luiz Mendes em seu livro.

Em pesquisa nos arquivos da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, é possível acompanhar a evolução da ideia na coluna de Haroldo Damásio no JS. Menos de um mês depois da primeira nota, o jornalista voltou ao tema em 15 de maio de 1960 e revelou que Abraham Medina havia se interessado pela homenagem: "Monumento aos Campeões: realidade", dizia o título, acrescentando que a estátua deixaria de ser apenas um projeto. No dia 24 de maio, Damásio anunciava o patrocínio oficial da Rei da Voz, com direito a uma foto do aperto de mãos entre o colunista e Medina (na legenda, Damásio afirmava que o empresário o parabenizava pela ideia de homenagear o time de 1958).

A primeira referência sobre o local onde a estátua ficaria foi publicada na "Bola Society" em 28 de junho, quando Damásio afirmou que Matheus Fernandes havia feito o "primeiro barro" do monumento e que ele ficaria "na parte fronteira do estádio do Maracanã, e por certo dignificará mais a maior praça de esportes do mundo".

Bellini, Chico Alves ou Hamilton Sbarra: de quem é o rosto?

Quem olha uma foto de Bellini e a compara com a estátua no Maracanã pode achar que são duas pessoas diferentes. E boa parte dos envolvidos na história do monumento acredita nisso. Uma das evidências é que nenhuma edição do "Jornal dos Sports" da época da inauguração cita o capitão da Copa de 1958 como modelo do escultor Matheus Fernandes.

Em entrevista ao SporTV em 2010, a esposa de Bellini, Giselda, afirmou que o marido chegou a posar duas vezes para Matheus "por causa do porte atlético e da posição da mão". Porém, após a inauguração, os fãs perceberam que o rosto retratado na homenagem não era do capitão. E o primeiro "suspeito" de ter servido de inspiração foi Francisco Alves (um dos maiores ídolos do Brasil na época).

O programa "Noite de Gala" tinha como grande patrocinadora a loja de eletrodomésticos Rei da Voz, exatamente o apelido de Chico Alves. Luiz Mendes disse que sugeriu ao amigo Medina que fosse erguida uma estátua para Bellini em frente ao portão principal do Maracanã, justamente com o gesto do capitão do título de 1958:

- A cabeça da estátua não tem nada a ver com Bellini. É a cabeça de Francisco Alves, o “Rei da Voz”, o homem que havia inspirado o nome da loja de Medina. Claro que ninguém notou. Afinal, uma estátua nem sempre parece com a pessoa homenageada. O físico estava igual, era aquele corpo de atleta perfeito do capitão da seleção do Brasil. Tenho encontrado muita gente do futebol que estranha o fato de o homem da estátua não ter a menor semelhança fisionômica com o capitão Bellini. E nunca houve uma explicação para o fato – completou no livro Luiz Mendes, morto em 2011

A história contada pelo comentarista, no entanto, é contestada em parte pelo filho de Abraão Medina, o também empresário Roberto Medina, criador do Rock in Rio. Roberto dá a Luiz Mendes o crédito de autor da ideia da estátua, mas diz que não existe a possibilidade de a cabeça ser de Francisco Alves.

- Não lembro de muita coisa, porque era pequeno na época. Mas de uma coisa eu tenho certeza: a estátua era do Bellini. Meu pai sempre falou que era dele, não faz o menor sentido essa história do Luiz Mendes, que, pelo que eu me lembro, foi realmente o autor da ideia. O Francisco Alves era meu tio, mas meu pai jamais faria isso. A cabeça do Francisco Alves na estátua do Bellini? De jeito nenhum.

Outra versão foi revelada pelo SporTV em 2010: o rosto seria do jornalista Hamilton Sbarra. A semelhança entre a foto de Sbarra e a estátua impressiona. Em entrevista publicada pela revista "Itália Nossa", guardada por Dilma Sbarra, irmã dele, o jornalista conta como teria sido o escolhido para servir de modelo:

- Certa vez, ele, Matheus Fernandes, pediu uma foto minha, dizendo que precisava de um rosto com perfil greco-romano, como julgava ser o meu. Fiquei desconfiado, mas atendi ao pedido - afirmou Sbarra.

O rosto da estátua pode não parecer o de Bellini. Mas ficou bem marcado na memória o gesto do capitão de erguer a Taça Jules Rimet com apenas uma das mãos - e também com as duas, até mais conhecido e imitado depois por Mauro, Carlos Alberto, Dunga e, por último, Cafu. Inclusive porque, até aquele ano, capitães de seleções apenas recebiam o troféu das mãos do presidente da Fifa mas eram tímidos na comemoração. E o monumento ressalta bem isso.

Homenageado ou não, Bellini compareceu à inauguração

Não há como negar que o Jornal dos Sports (por meio do seu diretor Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues que depois daria nome ao Maracanã) foi o grande incentivador da homenagem aos campeões de 1958. Desde a primeira nota na coluna de Damásio, o diário passou a cobrir cada passo da construção do monumento. Mas, em nenhum momento, o "Cor de Rosa" citou que Bellini era a figura representada na estátua.

- Não sei explicar por que os jornais não diziam que a estátua era do Bellini. Mas meu pai dizia que era do Bellini. Desde o começo. O nome não foi dado por causa do povo, não - afirmou Roberto Medina.

No dia 7 de novembro de 1960, o JS publicou a primeira imagem de Bellini ao lado da miniatura da estátua: o capitão, com os também campeões Castilho e Orlando, segurava a réplica. Na legenda, nenhuma referência a uma homenagem ao zagueiro: "Vendo-se ao fundo, ainda em barro, parte do atleta que simbolizará o footballer indígeno."

A reportagem anunciava que o monumento seria colocado naquela data em frente ao Maracanã. Porém, na edição de 8 de novembro, o JS noticiava: "Guindaste foi pequeno para erguer o Monumento aos Campeões", com uma foto da estátua de 9 metros e três toneladas no chão. No dia seguinte, Haroldo Damásio publicou na página 2 do diário a primeira imagem do "Bellini" em frente ao estádio e comemorava a "ideia lançanda há menos de sete meses na coluna".

A cobertura do JS sobre a inauguração passou a ser diária. Em 12 de novembro, o "Cor de Rosa" anunciava que os "cracks de 50 abraçarão os campeões de 58 na festa que inaugurará o monumento". Um dia depois, a reportagem com a manchete "Monumento será inaugurado hoje, com os campeões mundiais" dizia que todos os jogadores da Copa da Suécia estariam no Maracanã para "perpetuar o maior feito do esporte bretão em todos os tempos".

Finalmente, em 14 de novembro, o "Jornal dos Sports" dava destaque à festa do dia anterior, que marcou o lançamento da estátua. Bellini e Orlando foram os únicos campeões do mundo que compareceram à festa. Mas não há citações sobre qualquer homenagem direta ao capitão. O zagueiro do Vasco chegou a fazer um pronunciamento e foi bastante aplaudido pelos fãs presentes. O JS reproduziu o seguinte discurso:

- Não há palavras que traduzam o nosso contentamento de que me vejo possuído e que deve emocionar todos aqueles que formaram a seleção nacional de 58. A emoção é forte demais para que um momento como aqui vivemos possa encontrar as palavras adequadas e resta-nos apenas dizer as que nos vêm espontaneamente, com sinceridade. De qualquer maneira, nisto que denomino mais um desabafo pessoal, posso dizer que a iniciativa de particulares calou profundamente entre tantas que nos foram endereçadas quando visou erguer esse monumento. Ele ficará para sempre diante de milhares de olhos e ao mesmo tempo que lembrará o feito da Suécia servirá de incentivo para que feitos idênticos sejam alcançados pelos jogadores football da nossa terra. Repito: calou profundamente na alma dos scretchmen a inauguração desta obra que o "Jornal dos Sports", o Rei da Voz e a Standard Electric em tão boa hora doaram à nossa cidade. Eu, de coração, somente posso acrescentar o meu muito obrigado e pedir a Deus para que muito possa fazer pelo Brasil - disse Bellini, que atualmente tem 82 anos e vive em São Paulo.

Uma homenagem, várias versões. Mas é o nome de Bellini que entrou para a memória popular, responsável por eternizar o homem que tornou o gesto de levantar a taça imortal. Neste domingo, torcedores de várias idades, que conhecem ou não o capitão de 58, certamente vão voltar aos seus pés para admirá-lo e seguir rumo às arquibancadas. Como disse o ex-zagueiro no discurso de inauguração da estátua, para sempre ela estará naquele local. Independentemente das mudanças do interior do Maracanã, seu vizinho gigante.

CERIMONIAL DA INAUGURAÇÃO, SEGUNDO O JS DE 13/11/1960

1 - Abertura pelo locutor Luiz Mendes, da TV Rio

2 - Palavras de Abraham Medina, oferecendo o monumento à cidade do Rio de Janeiro

3 - Palavras do jornalista Mário Filho, diretor do "Jornal dos Sports"

4 - Breve retrospecto do honroso feito dos jogadores de football pelo presidente da CBF, João Havelange

5 - Inauguração do monumento pelos senhores Abraham Medina e Mário Filho

6 - Agradecimento dos homenageados

7 - Parada dos campeões, sob comando do cel. Pereira Lira e asssitência técnica dos oficiais e alunos da Escola de Educação Física e Esporte (Eefe)

Nota: haverá uma revoada de pombos instantes após a inauguração do Monumento dos Campeões Mundiais de Football




Fonte: GloboEsporte.com