O Jogo da Vingança
Vasco 3x0 Peñarol (Amistoso 1951)
Compilado de um artigo publicado na edição extra de Placar de abril de 1979 e de um artigo de Albino Castro Filho, publicado numa outra Placar.
O Peñarol era a base da Seleção Uruguaia de 1950, e aquele jogo tinha o sabor de desforra. Pelo menos era assim que pensava o baiano Maneca. Vencer o Peñarol, diante dos uruguaios que, quase um ano depois, ainda comemoravam a conquista da Copa do Mundo, era questão de brio, de raça, de honra.
Maneca jogara na Copa do Mundo de 1950, mas um estiramento o afastou dos dois últimos jogos, contra Espanha e Uruguai. Justamente por não ter enfrentado o Uruguai na final fatídica de 16 de julho que Maneca cismou de vencer o Peñarol - vencer e massacrar - no ano de 1951.
O Peñarol era para a Seleção Uruguaia mais ainda do que o Vasco era para a Seleção Brasileira. Nove dos onze campeões do mundo pertenciam ao campeão uruguaio. Do oito convocados do Vasco, cinco disputaram a final da Copa: Barbosa, Augusto, Danilo, Ademir e Chico. Destes, apenas Chico não estaria em campo em Montevidéu sob o comando do técnico Oto Glória. Em compensação, também participaria do confronto contra o Peñarol o atacante Friaça, autor do gol do Brasil na final da Copa, que havia voltado para o Vasco, seu clube de origem. Na época da Copa, Friaça estava no São Paulo. (N. do E.: O citado artigo da Placar de 1979 incorretamente afirma que somente Ademir participou da partida. No fim deste texto são fornecidas as escalações das equipes.)
Os companheiros ficaram espantados, quando Maneca, minutos antes de começar o jogo no Estádio Centenário, confidenciou:
-- Se, na primeira bola que pegar, eu conseguir driblar o Obdúlio Varela, ninguém mais me segura. E ganhamos esse jogo.
Maneca era isso - um homem de extremos. Realmente, ele iria jogar o destino da partida em um único lance.
E o baiano foi grande, naquele Peñarol x Vasco de 8 de abril de 1951 que entrou para a história como o Jogo da Vingança. Foi o maior jogador do mundo por 90 minutos. Sua atuação chegou a tal altura que a torcida do Peñarol aceitou com resignação o 3 a 0. E, no dia seguinte, jornais brasileiros e uruguaios só falavam no seu nome.
Tudo porque, no primeiro lance em que se viu frente a frente com El Gran Capitán, com El Negro Varela, balançou o corpo, fez que ia pela direita e cortou o uruguaio pela esquerda. Quando Obdúlio girou, tentando parar a jogada, Maneca puxou a bola com as traves da chuteira, e não resistiu a tentação de tocar por baixo daquelas enormes pernas escancaradas. A partir daí, Vasco e Maneca estiveram irresistíveis.
No começo, o Peñarol deu as cartas. Mas, a partir do drible de Maneca em Obdúlio, o Vasco impôs o seu jogo. Friaça fez o primeiro gol aos 25 minutos. No segundo tempo, aos 9 minutos, Ademir, depois de um drible quebra-cadeira em Obdúlio Varela, penetrou na área com um outro uruguaio nos seus calcanhares e fuzilou a Máspoli da altura da marca do pênalti. A bola entrou, rasante, no canto direito (JPEG, 25k).
A torcida - 65 mil pagantes no Estádio Centenário - não queria acreditar. Seus heróis não pareciam os mesmos do ano anterior. O Vasco deu um banho de bola. O terceiro e último gol, aos 38 minutos, foi uma obra prima - de Ipojucan, um dos maiores estilistas que apareceu em nosso futebol. Final, Vasco 3 a 0.
Foi também grande destaque o goleiro Barbosa, que fechou o gol nos momentos em que o Peñarol tentava a reação. Segundo Luiz Mendes, que narrou a partida pela rádio Globo, esta talvez tenha sido a maior atuação de um arqueiro por ele presenciada. Sua maior defesa foi numa bomba de Ghiggia, o carrasco do Brasil na Copa de 1950, desferida do bico da pequena área, no ângulo. Barbosa saltou para trás e, com as duas mãos levantadas, espalmou a escanteio, mostrando um reflexo e elasticidade impressionantes.
O Vasco formou com Barbosa; Augusto e Clarel; Eli, Danilo e Alfredo (Jorge); Tesourinha, Ademir (Ipojucan), Friaça (Jansen), Maneca e Dejair. O Peñarol, com Máspoli; Matias González e Romero; J. C. González, Obdúlio Varela e Ortuño; Ghiggia, Hohberg, Míguez (Abadie), Schiaffino e Vidal (Pérez). O árbitro foi o uruguaio Cataldi, auxiliado por Latorre e Otonelli.
Na volta ao Rio o time foi recebido pela torcida em festa - a cidade toda era Vasco.
Duas semanas depois, no dia 22 de abril, o Peñarol teve a oportunidade de revanche, no Rio (o jogo, primeiro confronto internacional interclubes realizado no Maracanã, era para ter acontecido no domingo anterior, dia 15, mas um temporal que começou na noite de sábado causou o adiamento). Porém o Vasco não se fez de rogado e venceu de novo, desta vez por 2 a 0 (gols de Friaça e Ademir), deixando as mais de 93 mil pessoas presentes e o torcedor brasileiro, em geral, de alma lavada. E o placar de Montevidéu só não foi repetido porque o bandeirinha uruguaio Esteban Marino assinalou um impedimento inexistente no que seria um golaço de Ademir, a três minutos do fim da partida.
E para completar, em 8 de julho de 1951 o Vasco enfrentou a outra grande equipe uruguaia, o Nacional, pela I Copa Rio. Com nova vitória por 2 a 0 (gols de Dejair e Ipojucan), o Vasco manteve uma invencibilidade de 20 partidas internacionais consecutivas.