Ademir Marques de Menezes foi um dos mais extraordinários artilheiros de todos os tempos. Seu estilo de jogo deu origem a uma nova posição: PONTA-DE-LANÇA. Sua versatilidade em atuar em qualquer posição do ataque e sua habilidade nas arrancadas a caminho do gol obrigaram técnicos a adotarem novos sistemas para tentar contê-lo.
Grandes Ídolos: Ademir
Compilado de duas edições extras da revista Placar sobre o Vasco (abril de 1979 e 1983)
"Nao há no mundo nenhum jogo igual a este"
Compilado de um artigo de Augusto César Stefani, publicado no Jornal dos Sports de 12 de junho de 1976
Biografia de Ademir no Site Não-Oficial do Vasco
Documentário "Um Artilheiro no Meu Coração"
No início de sua carreira, Ademir jogou em todas as posições do ataque do Vasco. Nesta linha do time campeão invicto de 1945, ele ocupa a ponta-direita, ao lado de Lelé, Isaias, Jair e Chico. (21k)
Nesta tarde de lembranças, quero rever, sobretudo, certos gols que ele fazia contra o meu time e que eu, doido de paixão, jurava que eram feitos pessoalmente contra mim. Quantas vezes amaldiçoei os "rushes" de Ademir! Ele arrancava do meio campo, temível, e, como um raio, entrava pela grande área, fulminante. O desfecho da jogada era sempre o mesmo: uma bola no fundo da rede, um goleiro desvalido e o meu coração magoado.
Era assim que terminavam os meus domingos em tarde de Ademir.
Até então, eu nao tinha vivido bastante para perceber que Ademir era um belo artista e que o gol, longe de ser um infortúnio, é apenas uma graça que o futebol oferece para fazer festa no coração dos homens.
Hoje - coisas do tempo - que o futebol na minha vida é mais saudade que esperança, mestre Ademir costuma aparecer no telão das minhas insônias mais artilheiro do que nunca. É com que alegria revejo, agora, aqueles gols arrebatadores que ele fazia com a veemência de um predestinado! Gols que ontem sangravam e que hoje só enternecem o meu coração.
Ademir guardava em campo o rigor de um espartano e a retidão de um cavalheiro. Nunca perdeu a esportiva. Se alguém lhe dava um pontapé, ele dava, de volta, a outra face: jogava como um cristão. O futebol era a sua religião. Ademir era alto, fino de corpo, tinha as pernas alinhadas e do rosto, que parecia feito a mão, sobrava-lhe um pedaço de queixo. Daí vem o apelido de "Queixada", como ternamente o tratam até hoje os seus amigos.
Fecho os meus olhos saudosos para reencontrar Ademir Marques de Menezes, herói dos estádios nos anos românticos do nosso futebol.
É dia de clássico. O estadio está em pé de guerra. Ademir recebe a bola no meio do campo e dispara. Na crista do corpo que corre, em aceleração vertiginosa, a lâmina do queixo vai cortando, certeira, o campo minado, o caminho do gol: É gol! Ele não pára de correr e atravessa a linha de fundo, épico, com os braços abertos ao delírio da multidão.
Se eu soubesse que um dia o futebol dele ia se acabar, eu teria pedido a Deus que me emprestasse um par de olhos cruz-de-malta só para que eu pudesse ver, à luz do amor, todos os gols que Ademir fazia contra mim.
Vida que começou nas peladas com bola de meia na praia do Pina, no Recife, onde nasceu a 8 de novembro de 1922, na Vila de Bico do Mocotolombó, filho do casal pernambucano Antônio Rodrigues Menezes e D. Otília Menezes. O pai era vendedor de automóveis e diretor de remo do Sport Clube Recife, onde Ademir iniciou a carreira no infanto-juvenil. Em 1941, Ademir tornava-se tricampeão pernambucano pelo Sport. No ano seguinte, quando a Seleção Pernambucana estava no Rio de Janeiro - e com ela nove dos onze titulares do Sport -, o presidente do clube resolveu mandar mais alguns jogadores do Recife e dar início a uma excursão. Essa excursão do Sport ficou na história do futebol pernambucano. O Sport, jogando no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Sao Paulo, Curitiba, Porto Alegre e novamente Rio, perdeu quatro jogos, empatou dois e, pasmem, ganhou dez. Marcou 46 gols, sofreu 29.
O namoro entre o Vasco e Ademir comecou no dia primeiro de março de 1942, quando o Sport, de volta do Sul, jogava outra vez no Rio de Janeiro, contra o Vasco. O Vasco tinha começado bem, vencia por 3 a 0, gols de Villadoniga(2) e Nino. Mas nao contava com os "rushes" de um rapaz magro, cabelo repartido do lado e puxado para trás.
Foi assim, lançado em alta velocidade, que Ademir, aos 30 minutos do primeiro tempo, marcou o gol do Sport. Mal começava o segundo tempo, com 2 minutos, Valfredo diminuía. Aí se desenhou aquela avassaladora vocação para o gol. Em pouco mais de um minuto - aos 6 e aos 7 - Ademir, em duas jogadas sensacionais, conseguiu virar o jogo. Aos 18, Nino voltou a empatar. Mas, em outra jogada de Ademir, Pirombá, aos 27, marcou o gol da espetacular vitória do Sport por 5 a 4.
Depois do jogo, diretores do Vasco procuraram o velho "coronel" Menezes, pai de Ademir. Iniciavam-se as negociações para a compra do seu passe. Ademir foi o primeiro profissional a exigir luvas - 40 contos. Mas seu passe custou apenas 800 mil-réis.
O Vasco já havia comprado os passes dos Três Patetas - o trio atacante do Madureira, formado por Lelé, Isaías e Jair Rosa Pinto, o Jajá de Barra Mansa. Com a compra de Ademir e Djalma, também do Sport, o Vasco ia superar mais uma de suas muitas crises. E montava, ao mesmo tempo, o supertime que passou a história como o "Expresso da Vitória".
Em 1945, ano que marca a partida do fabuloso Expresso, Ademir era o titular do Vasco e de todas as seleções cariocas ou brasileiras que se formaram a partir daí. A linha do Vasco em 1945 era algo de espantar: Djalma, Lelé, Ademir, Jair e Chico.
Em 1946, numa de suas mais célebres tiradas, Gentil Cardoso, técnico contratado do Fluminense, disse:
-- Me dêem o Ademir, e eu lhes darei o campeonato.
Graças a Ademir, o Queixada, Gentil cumpriu a palavra.
Ademir recorda o seu primeiro jogo, contra o Vasco. Além de uma vaia arrasadora, a social vascaína comecou a gritar: "Papai, papai". Era a alusão ao velho coronel Menezes, encarregado de supervisionar os contratos do filho.
Logo no início do jogo, Ademir recebeu o lançamento de outro pernambucano, Orlando Pingo-de-Ouro, e iniciou o rush, para bater inteiramente a defesa do Vasco. Cara a cara com Barbosa, em vez de chutar como era seu costume, driblou o goleiro e entrou no gol com bola e tudo. Com esta (1 a 0) e outras vitórias, o Fluminense acabou sendo o campeão de 1946. Ademir tembém marcou o gol único da decisão contra o Botafogo.
Mas essa passagem pelo tricolor - nada mais que momentâneo abandono do reduto de Sao Januário - não deu para marcar. O que marcou, inclusive no retorno glorioso, foi a carreira no Vasco. Somavam-se os títulos. Em 1945, fora campeão invicto e vencedor dos torneios Início e Municipal. Em 1948, campeão dos campeões sul-americanos, vencedor do Início e do Municipal. Em 1949, campeão carioca invicto, campeão sul-americano, artilheiro do Brasil. Em 1950, vice-campeão do mundo, artilheiro da Copa, campeão(bi) carioca. Foi o artilheiro dos campeonatos cariocas de 49 e 50, com 30 e 25 gols, respectivamente. Em 1952, campeão carioca e campeão pan-americano. Ademir marcou mais de 400 gols em 552 jogos.
A popularidade de Ademir era tão grande que, no Brasil inteiro, crianças começaram a receber seu nome.
Uma historinha conta isso melhor. Em 1950, quando a Seleção Brasileira ainda estava concentrada na Casa das Pedras, no Alto da Boa Vista, um pai aflito pediu a Flávio Costa que liberasse Ademir. Seu filho - explicou - tinha que sofrer uma operação delicada, e cismava de só entrar na sala de cirurgia acompanhado de Ademir. Flávio concordou, lá foi Ademir. Na saída o médico informava a Ademir que o garoto estava salvo. Anos depois, Ademir convertido no comentarista de rádio famoso, um rapaz de seus 30 anos o segura pelo braço. Apresenta-se: era o menino que o Queixada ajudou a salvar.
No final de 1955, Ademir sentiu que devia parar. Queria retirar-se ainda como ídolo - mas os diretores do Vasco não concordaram. Foi então para o Sport, onde iniciara a carreira. E reverteu ao amadorismo, jogando algumas partidas em 1956. Seu último jogo foi contra o Bahia - o Sport perdeu de 2 a 0.
Penduradas as chuteiras, tentou ser técnico de futebol no Vasco. Não deu certo. O clube pensava mais em política do que em bola.
Passou então a escrever crônicas na imprensa carioca, a comentar jogos pelo rádio. Hoje, além de jornalista-radialista, Ademir Marques Menezes é funcionário do Instituto Brasileiro do Café. E aguarda mais uma aposentadoria.
Ademir já viveu várias vezes as emoções que antecedem ao Clássico dos Milhões. Para ele, este jogo é mais importante que o próprio Fla x Flu, pois Vasco e Flamengo são as equipes que constituem as duas maiores forças populares do futebol carioca. Neste jogo, um jogador pode se consagrar ou ser condenado ao ostracismo. Tudo depende do que acontecer em campo.
Ademir começou sua carreira no infantil do Sport Clube Recife, em 1938. Passou aos juvenis e, em 1943, se transferiu para o Vasco, onde assinou seu primeiro contrato, ganhando 40 contos de réis de luvas e 500 mil-réis de salários. Em 45 conquistou o primeiro título. Em 46, Ademir se transferiu para o Fluminense, onde foi campeão, tendo feito o gol do título na final contra o Botafogo. Neste ano o treinador do Fluminense era Gentil Cardoso, e sua frase: Dêem-me Ademir que eu lhes darei o campeonato, ficou célebre. Mais célebre ainda ficou Ademir, que em 48 voltou para o Vasco. A sua conquista de títulos prosseguiu pelos anos de 49, 50 e 52. Em 1956, Ademir encerrou sua carreira, após ter conquistado quase todos os títulos possíveis a um jogador.
O encerramento da carreira é explicado por Ademir com uma simples frase: "Abandonei o futebol antes que ele me abandonasse". Ademir concorda que poderia ter jogado por mais algum tempo, mas uma contusão no pé antecipou a parada. "É muito difícil parar, pois existe o amor próprio e, principalmente, o amor pelo futebol. Ninguem joga só pelo dinheiro. Todo jogador tem o futebol no sangue e, quando pára, passa a ter um vazio muito grande dentro de si. Até hoje eu ainda sinto, quando há uma partida com esta, que Flamengo e Vasco vão jogar amanhã. Quando um jogador encerra sua carreira, ele está contrariando a ele mesmo, por isso é tão dificil parar".
Ademir lembra que, em 1944, o Flamengo foi tricampeão, com um gol de cabeça do Valido, num lance muito discutido até hoje. Muitos afirmam que ele se apoiou no beque do Vasco. O jogo foi realizado na Gávea. De 45 a 51, o Vasco não perdeu para o Flamengo. A partir daí, o Flamengo teve boas vitórias, mas os jogos sempre foram iguais, sem maiores vantagens para um ou para outro.
Ademir teve dois marcadores do Flamengo que faz questão de citar. Bria, de 45 a 49, e Jadir, de 49 a 54. "Todos dois sabiam marcar muito bem. Jogavam duro, mas com lealdade".
Jogando pela seleção brasileira, no Sul-Americano de 1949, Ademir marcou quatro gols no goleiro paraguaio Garcia. Mais tarde, Garcia se transferiu para o Flamengo e sempre que Vasco e Flamengo se enfrentavam, Ademir conseguia marcar no mínimo um gol. "Não que o Garcia não fosse bom goleiro, até pelo contrário. Ele era um ótimo goleiro, apenas eu dava sorte quando jogava contra ele". Por esse motivo, Ademir chegou a ser chamado de Carrasco do Flamengo.
Na opinião de Ademir, uma final entre Vasco e Flamengo corresponde a uma final de Copa do Mundo. A tensão nervosa é a mesma. "Eu posso falar, pois já participei das duas. Ninguém consegue dormir direito, pois todos estão pensando no jogo do dia seguinte. Os jogadores só conseguem controlar seus nervos após o início da partida. Aí sim, ele esquece de tudo, e só pensa em vencer. Com a bola rolando, acaba a tensão e o jogador só escuta os gritos das torcidas, que fazem uma partida extra, nas arquibancadas".
O clima de festa que envolve as grandes decisões, principalmente quando elas são disputadas entre Vasco e Flamengo, trazem boas recordações a Ademir. "Era maravilhoso ver, de dentro do campo, a festa que as torcidas faziam nas arquibancadas. Muitas vezes uma partida era decidida no grito da torcida. Ninguém consegue ficar insensível aos gritos da massa. Várias vezes eu escutei meu nome sendo gritado em coro pela torcida vascaína, e o que a gente sente como ídolo de uma torcida é algo indescritível". Muitos podem pensar, por esta declaração de Ademir, que ele ficou mascarado. Mas quem o vê falando, tem a certeza de que se trata, simplesmente, de alguém que nasceu para jogar futebol. Alguém para quem o tempo não deveria ter passado, para que ainda hoje ele pudesse entrar em campo e deslumbrar a todos com o seu futebol objetivo e impetuoso.
Principal artilheiro do Brasil, na Copa do Mundo de 1950, conseguiu marcar oito gols, jamais sendo superado por nenhum outro brasileiro. Apenas três jogadores conseguiram superar sua marca em disputa da Jules Rimet.
Hoje em dia, Ademir Marques de Menezes, o Queixada, como era chamado, é comentarista de rádio. Amanhã, ele estará no Mário Filho e, de uma das cabinas, comentará a partida, imparcialmente. Mas sua alma estará dentro de campo, com o uniforme do Vasco, "pois a alma de um jogador jamais sai de campo".
1939/40/41 - Tricampeão pernambucano pelo Sport Club Recife
1943/44 - Bicampeão brasileiro pela Seleção Carioca
1945 - Campeão carioca invicto pelo Vasco da Gama
1946 - Campeão brasileiro pela Seleção Carioca
1946 - Supercampeão carioca pelo Fluminense
1948 - Campeão sul-americano de campeões pelo Vasco da Gama
1949 - Campeão carioca invicto pelo Vasco da Gama e artilheiro do campeonato
1949 - Campeão sul-americano pela Seleção Brasileira
1950 - Campeão brasileiro pela Seleção Carioca
1950 - Vencedor da Copa Rio Branco pela Seleção Brasileira
1950 - Vencedor da Copa Oswaldo Cruz pela Seleção Brasileira
1950 - Vice-campeão mundial pela Seleção Brasileira e artilheiro da Copa.
1950 - Campeão carioca (bi) pelo Vasco da Gama e artilheiro do campeonato
1952 - Campeão Pan-Americano pela Seleção Brasileira
1952 - Campeão carioca pelo Vasco da Gama
Mauro Prais