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Edílson relembra sua época de Vasco e elogia Eurico Miranda


Segunda-feira, 07/11/2011 - 07:12

No futebol, alguns apelidos soam estranhos, sem ligaçăo com seu dono ou com explicaçőes pouco convincentes. Năo é o caso de Capetinha, que virou uma espécie de segundo nome para Edilson. Mas ele, ironicamente, discorda do apelido. Em 23 anos de carreira, o ex-atacante acumulou tantas histórias, que é possível compor facilmente um livro, já em produçăo pelo jornalista baiano Robson Carneiro.

Sempre irreverente, o Capetinha aprontou tanto dentro quanto fora de campo. E acumulou títulos. Foi campeăo brasileiro e paulista pelo Palmeiras, repetindo a dose mais tarde no Corinthians, clube pelo qual ganhou também o Mundial de Clubes em 2000. Também ajudou a conquistar taças em Cruzeiro, Flamengo e Vitória, e fez parte da Seleçăo Brasileira que ganhou a Copa do Mundo de 2002. Encerrou a carreira em 2010, com a camisa do Bahia, e hoje é comentarista da TV Bahia.

Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM/BA, o jogador relembrou episódios que marcaram a sua carreira, desde a pancadaria com Edmundo no Palmeiras ("É difícil encontrar alguém que tenha jogado com o Edmundo e que nunca tenha brigado com ele") até os tiros para o alto na concentraçăo do Vitória, passando pelo histórico drible em Karembeu, no jogo entre Corinthians e Real Madrid. Confira abaixo:

Como foi o início da sua carreira?

O início da minha carreira foi um caso de jogador de futebol mesmo, normal, com situaçőes pelas quais qualquer outro jogador passa. Tive bastante dificuldade, porque năo é fácil ser jogador de futebol. E vocę tem que passar por dificuldades, até para dar valor ŕs coisas quando chegar ao profissional e estiver ganhando dinheiro. Eu jogava futebol amador aqui em Salvador e recebi um convite de um treinador chamado Jaime Braga para jogar no Industrial, time da Primeira Divisăo do Espírito Santo. Aceitei, me profissionalizei lá, peguei a carteira. Fiquei lá um ano. Depois daquele dia, era muito mais fácil jogar em outro time, porque eu já era profissional. E aí fui jogar no Espírito Santo - eu e mais uns cinco ou seis jogadores. Saímos daqui com a maior dificuldade, todo mundo sem dinheiro. Fizemos uma “vaquinha”, compramos lanche para levar no ônibus para Santa Maria de Jetibá. Chegamos na rodoviária de Vitória, e a kombi que ia nos levar por mais cerca de 130 km até Santa Maria de Jetibá năo estava lá. Levamos um chá de espera de mais umas tręs ou quatro horas naquele frio do interior de Săo Paulo, em Săo José do Rio Preto. Quando a kombi chegou lá, já eram umas cinco, seis horas da manhă. Foi a maior dificuldade. Chegamos lá na cidade umas 6h30m e fomos para o campo treinar. Foi um início de carreira difícil, mas muito legal, porque me profissionalizei, comecei a jogar e me destacar em um time bem simples, bem pobre, em que o profissionalismo praticamente năo existia. Era um time muito “amadorzăo”. Tinha um alojamento onde ficávamos, com um cozinheiro e mais nada. A gente só tomava café, almoçava e jantava. Treinávamos durante a manhă e a tarde. Foi difícil, mas me destaquei no campeonato, consegui fazer alguns gols no Campeonato Capixaba, jogando contra Linhares, Desportiva, vários time da Primeira Divisăo.

E por que saiu do Espírito Santo?

Quando acabou o campeonato, o presidente do clube me deu alguns cheques sem fundo (risos), e voltei para Salvador. Foi nesse período que meu tio me levou para fazer um teste no Vitória, e me disseram que eu năo podia treinar, porque o clube estava contratando Arthurzinho, que era o meia-atacante que o Vitória estava pretendendo naquela ocasiăo. Daí năo fiz o teste no Vitória, mas veio um convite, através de um jogador chamado Cabinho, que é um dos grandes ídolos que a Portuguesa teve, ídolo também no México, um baita de um jogador. Ele me convidou para ir para o Tanabi (do interior de Săo Paulo). Aí já fui de aviăo. Peguei um aviăo para Săo José do Rio Preto e aí fui para Tanabi de ônibus. André Campos, que era empresário, comprou uma passagem para mim e foi comigo. No Tanabi me destaquei também, e o Guarani me levou (em 1992). Depois do Guarani, fui para o Palmeiras (em 1993).

Mas como foi a saída do Guarani para o Palmeiras? Foi um investimento alto...

Tenho muitas lembranças do Guarani, que foi o time que me projetou para o Brasil inteiro. Depois chegou a Era Parmalat, quando a Parmalat comprou vários jogadores para fazer parte do seu casting. E a Parmalat tinha uma parceria com o Palmeiras, entăo comprava os jogadores e colocava no Palmeiras. Eu era muito jovem e estava jogando no Guarani. A Parmalat me comprou do Guarani, e tinha sido a maior contrataçăo do futebol brasileiro. Quinze dias depois, Edmundo foi comprado por um preço mais alto do que o meu, porque já jogava na Seleçăo Brasileira, era do Vasco, já tinha um nome. Aí fui para o Palmeiras, que entrou naquela fase espetacular de 1993 e 1994, quando a gente foi campeăo brasileiro, paulista, do Rio-Săo Paulo... Montamos aquele grande time: eu, Evair, Edmundo, Zinho, Roberto Carlos, Mazinho, Cesar Sampaio, Antônio Carlos... Fui convocado para a Seleçăo quando jogava no Palmeiras. Minha carreira para o mundo, na verdade, começou pelo Palmeiras.

Jogar ao lado do Edmundo foi complicado?

É difícil encontrar alguém que tenha jogado com o Edmundo e que nunca tenha brigado com ele. Mas é uma pessoa maravilhosa. Tive uma briga com ele, em 1993, em que a gente saiu na măo, no pau, no vestiário. E os jogadores diziam: “Năo separe, năo! Deixa os dois brigando aí até se resolverem”. Foi por causa de uma jogada, se năo me engano contra o Bragantino: eu driblei um, dois, aí podia tocar para ele ou tentar driblar o último zagueiro para fazer o gol. Resolvi năo tocar para ele, driblei o último zagueiro, que fez a falta na entrada da área. Só que, naquela época, ainda năo era expulso. O juiz marcou a falta. O Edmundo achou que eu tinha que ter tocado a bola, veio em minha direçăo e me deu um tapa no rosto para todo mundo ver. Fiquei chateado. O jogo estava nos 40 minutos do primeiro tempo, e a gente já estava ganhando por 2 a 0. Năo falei nada, porque senăo seríamos expulsos. Evair bateu a falta - eu me lembro desse lance até hoje - no travessăo. O juiz acabou o primeiro tempo. Desci correndo para o vestiário, tirei a camisa e fiquei esperando por ele (Edmundo) atrás da porta. Quando ele entrou, dei uma cacetada nele, que ele saiu catando ficha. Aí os caras gritaram: “Ninguém se mete! Deixa os dois brigando aí até um matar o outro”. Aí o Vanderlei Luxemburgo veio descendo com seguranças, aquele tumulto, barulho... “O que é isso? O que está acontecendo?”. E separaram a briga. Ficou Edmundo em um canto, eu no outro, e Vanderlei falando: “Vocęs văo ter que subir, e um vai ter que tocar a bola para o outro, senăo vou tirar os dois”. A gente ficou uns dois, tręs meses sem se falar, jogando no mesmo time, treinando todo dia sem se falar. Aí depois voltou a se falar, e a amizade ficou fortalecida. Depois o convidei para ser meu padrinho de casamento. Hoje é um cara com quem tenho um ótimo relacionamento, sempre me liga para saber como estou, eu ligo para ele, somos amigos. Mas nossos amigos em comum dizem que o melhor amigo de Edmundo tem que ficar distante dele. Se estiver perto dele, vocę briga. Ele e Romário eram como irmăos. Foram jogar juntos no Flamengo e se tornaram inimigos mortais.

Mas a rixa fora de campo năo atrapalhou o time?

Quando estávamos brigados, dentro de campo um năo tocava a bola para o outro. Resolvíamos dentro de campo, porque os valores individuais faziam muita diferença. Mas eu neguei várias bolas para ele, como ele me negou várias bolas. Vanderlei sabia disso tudo, mas năo tinha coragem de falar nada. Briguei com Petkovic, mas nunca teve essa relaçăo de um năo tocar a bola para o outro, até porque já éramos mais experientes e maduros. Entăo năo tínhamos toda essa vaidade. Mas, quando briguei com Edmundo, éramos meninos. Eu tinha 21 anos, 20 anos. Estávamos começando no futebol. Ele fazia pirraça de um lado, e eu fazia do outro.

No Mundial de 2000 vocę arrumou problema com o francęs Karembeu. Como aconteceu?

Uns seis meses antes, eu conversava com Vampeta no meio de alguns repórteres, e ele começou a me perguntar sobre alguns jogadores. Vampeta tem um mal enorme: para ele, todo mundo joga bem e é craque. E eu sou muito mais exigente: para mim, ninguém joga nada. Ele falava de Seedorf - aquele negăo que joga no Milan -, de Karembeu e de outros jogadores... Eu falava que esse cara era ruim para caramba! “Como esse cara joga na seleçăo francesa?”, essas coisas todas... E năo tinha o Mundial ainda. Meu amigo, quando teve esse Mundial, alguém da imprensa lembrou essa conversa, e aí começou a especulaçăo: “Edilson falou que Karembeu năo joga nada”. Aí virou uma polęmica. A imprensa criou uma expectativa danada para o jogo em cima de mim. Foram entrevistar o presidente do Real Madrid, que disse que năo me conhecia. Estávamos concentrados no mesmo hotel, que a Fifa havia pagado para todos os times. Encontrei Roberto Carlos no elevador e fiz uma brincadeira com ele. Peguei uma nota de R$ 10, R$ 50, dobrei, coloquei no bolso e falei: “Roberto Carlos, hoje vou te colocar no bolso, vocę só vai sair depois do jogo. Vou acabar com vocę”, brincando mesmo, porque eu já tinha jogado com ele. E ele, que me chamava de Nega: “Que nada, Nega! Hoje vocę vai se lenhar. Vou te humilhar naquele campo”. E os caras do Real Madrid dentro do elevador. Casillas, Raúl... todo mundo me olhando. Só que, dentro de campo, Roberto Carlos ficou com medo. Todas as bolas que eu pegava e ia para cima, ele ia recuando, năo dava o bote, com medo do que eu tinha dito a ele. E eu passava por ele e brincava: “Venha, puta! Vocę está com medo”, aquela coisa de dentro de campo mesmo. Aí, naquele lance, eu pego a bola e vou para cima de Roberto Carlos. Ele vai recuando, năo vem em cima de mim. Aí eu dou a caneta no cara (Karembeu) e faço o gol. Năo foi nada premeditado. Aconteceu na hora. Sempre dei muita sorte nestes momentos decisivos, de fazer gols importantes, jogadas importantes. E aconteceu naturalmente. Poderia ser em qualquer outro. Mas, como tinham criado a polęmica em cima do Karembeu, o lance repercutiu dez vezes mais do que se fosse em qualquer outro jogador.

Em vários episódios vocę cita o Vampeta. Como foi a convivęncia com ele no Corinthians?

Eu e Vampeta curtíamos de tudo. Eu, Vampeta, aquele time do Corinthians... Entrar em campo e jogar era uma diversăo. Depois do jogo, sempre tinha a resenha, os comentários. O time se divertia muito jogando. Brincava de jogar, na verdade. Dizíamos: “Ah, agora vamos jogar!” e metíamos tręs. “O jogo hoje vai ser ruim, difícil... Entăo vamos jogar só no segundo tempo”. Nós brincávamos e ganhávamos quando queríamos. E os comentários eram sempre em cima do que estávamos querendo fazer. Aquele time do Corinthians foi um dos melhores em que já joguei - e que o Brasil viu jogar também.

A eliminaçăo na Libertadores (em 1999 e 2000) manchou essa história?

Na verdade, a relaçăo ficou meio complicada com a torcida, porque perdemos duas semifinais de Libertadores para o Palmeiras, as duas nos pęnaltis (a de 1999, na verdade, foi nas quartas de final). Pęnalti, no fundo, é loteria. Ŕs vezes o melhor jogador perde. O Marcelinho, que era o nosso batedor oficial, perdeu dois pęnaltis, e os mais importantes, que foram (o da Libertadores de 2000 e) o do Mundial, que quase perdemos no Maracană para o Vasco. Bastava ele converter, e a gente era campeăo. Mas ele perdeu, e demos a sorte de o Edmundo ter jogado para fora depois. A gente já era amigo aí. Edmundo nunca foi especialista em pęnalti, falta, bola parada... Mas era metido, queria bater tudo, falta, escanteio, lateral... Tanto que se complicou em alguns times por causa de pęnalti. No Cruzeiro, perdeu um diante do Vasco em Săo Januário e saiu do Cruzeiro por causa disso, porque acharam que ele năo queria fazer gol em cima do Vasco. É muito difícil ser batedor de pęnalti e ter decisőes para tomar. Ŕs vezes vocę consegue transformar o pęnalti em gol, mas ŕs vezes perde.

Na final do Paulista de 1999, vocę se envolveu em confusăo por causa das embaixadinhas contra o Palmeiras. O que aconteceu?

A embaixadinha năo foi premeditada. A gente queria fazer alguma coisa, até porque os caras estavam zoando a semana inteira. Tinha o lance de Paulo Nunes, que sempre fazia uma comemoraçăo quando fazia um gol, sempre colocava uma máscara, colocava um gorro, alguma coisa... E a gente estava procurando alguma brincadeira para fazer também. Aí a brincadeira veio na embaixadinha. Quando a bola veio até mim, ia ter uma substituiçăo, e eu estava bem próximo do local. Eu năo ia ser substituído, mas queria saber quem ia sair. A bola veio até mim, eu estava sozinho e fiz. Mas fiz sem intençăo nenhuma, e aconteceu o que aconteceu. O campeonato acabou naquelas embaixadinhas, foi briga, tumulto, confusăo... Fui cortado da Seleçăo. Eu digo que a única coisa boa foi a minha desconvocaçăo para a Seleçăo e a convocaçăo do Ronaldinho, que disputou aquela Copa América, fez aquele gol em que ele deu um lençol no jogador do Equador ou da Venezuela e apareceu para o mundo inteiro. (O lençol foi em um jogador da Venezuela.)

Vocę se arrepende da embaixadinha?

De jeito nenhum! A embaixadinha marcou a minha carreira, ficou na minha vida. Até hoje sou coroado pela torcida do Corinthians como embaixador da Fiel, né? Era para acontecer mesmo.

Ficou alguma mágoa da torcida do Corinthians pela forma como deixou o clube?

Năo. Na verdade, aquilo ali năo era para mim. Ninguém tocou em mim. Saí do treinamento, tinha uma confusăo. A torcida do Corinthians queria conversar, pegar alguns jogadores... Mas eu estava livre daquele negócio. Estava todo mundo com medo de sair do vestiário, mas eu tinha um compromisso, daí tive a coragem de sair no meio dos torcedores. Ninguém tocou em mim. Tinha muitos seguranças, muita imprensa, muitos torcedores. Entrei no meu carro, fui embora. Mas o tumulto ficou lá. Ficou aquela coisa de todo mundo querendo aparecer: torcedores, imprensa, seguranças... Fui embora e năo teve confusăo, nada. Mas aquilo causou a minha saída do Corinthians. Depois daquele dia, ia haver um desmanche no time: Vampeta já tinha sido vendido, Dida, Fábio Luciano, vários outros... E aproveitei para sair também, porque achava que o Corinthians ia entrar em uma fase ruim, porque ia se desfazer do time, e a cobrança seria muito forte, muito incisiva em cima dos jogadores que estavam lá por mais tempo. Aí saí e fui para o Flamengo.

E por que deu os tiros na concentraçăo do Vitória?

Aquilo ali foi uma brincadeira que eu fiz. Pedi desculpas a Evaristo e ao presidente do Vitória. Foi uma brincadeira, coisa de concentraçăo. Era para ter ficado ali mesmo, mas acabou vazando. Foi uma brincadeira de dar tiro para cima, pois a concentraçăo do Vitória tinha sido assaltada dois dias antes. Por isso, repercutiu tanto. Eu tinha chegado no horário certo. Eu năo tinha ido concentrar um dia antes e, quando fui concentrar, aconteceu isso: dei tiros para cima, Evaristo (de Macedo, treinador) estava me esperando na porta... Aí acabou achando que era ladrăo, saiu correndo... Quando ele viu que era eu, ficou questionando: “Isso năo é brincadeira que se faça”. Mas foi uma brincadeira. Na hora eu ri muito, por ver Evaristo e mais alguns jogadores saindo correndo. O presidente do Vitória também. Foi uma brincadeira de mau gosto (risos).

Como foi a decisăo de entrar em campo pouco depois da morte do seu irmăo?

Aquele dia foi o mais difícil da minha carreira. Tivemos praticamente quatro dias desde o acidente do meu irmăo até o sepultamento dele, sem dormir, preocupados... Tomei muitos remédios, fiquei muito mal. Foi a primeira perda da nossa família. Mas, após o sepultamento, que era no dia do jogo Vitória x Corinthians, eu fui para casa e descansei. Quando acordei, lembrei que ia ter o jogo e liguei a televisăo. Os jogadores se envolveram tanto, me deram tanto apoio, a diretoria do Vitória, todos os médicos, torcedores... Eu me senti na obrigaçăo de jogar aquela partida e dar o máximo de mim. Mesmo que eu năo jogasse, pelo menos estar com o grupo, chegar lá e mostrar força. Acho que aquilo foi uma demonstraçăo de que qualquer dificuldade era pequena. A gente tinha que ganhar de 2 a 0 do Corinthians e ganhou. Quando cheguei ao vestiário, o time estava praticamente instalado. Eu falei que ia jogar, o treinador perguntou como eu estava... Vesti a camisa, joguei, fui substituído aos 40 minutos do segundo tempo, com o time ganhando por 2 a 0. Fui muito aplaudido pela minha força de vontade. Năo me arrependo. Acho que fiz pelo meu irmăo também, que era Vitória doente. Tenho certeza de que, se năo tivesse acontecido nada, ele estaria no estádio torcendo por mim. Depois do jogo, desmaiei. Nem me lembrava de nada. Quando acordei, já estava no hospital. Perguntei o que tinha acontecido. Se tivesse que fazer tudo de novo, faria. Pelo meu irmăo. (Em 2004, Eliezer morreu em um acidente perto de Itaberaba, a 283km de Salvador, quando o ônibus no qual viajava capotou.)

E o rebaixamento do Vitória em 2004? Havia problemas na equipe? Vocęs recebiam salário atrasado?

Eu năo recebia o salário. Todo mundo achava que eu recebia, mas eu năo recebia. Eu tinha vários acordos com Paulo Carneiro, mas năo tinha nada a ver com esse lance de salário. O Vitória naquele período tinha um time muito bom no primeiro semestre. Mas, no segundo, se desfez de jogadores importantes. A gente ficou jogando com muitos jovens, principalmente na defesa. Adailton saiu, Nenę foi emprestado para o Japăo, Paulo Rodrigues foi vendido, Pedro foi afastado do time, os dois volantes também, Vampeta foi embora... A dificuldade ficou na cozinha, porque eu e Obina fizemos muitos gols naquele Campeonato Brasileiro. Mas a defesa tomou mais de cem gols. Os resultados năo vieram e, no último jogo, contra a Ponte Preta, quando precisávamos empatar, demos o azar de perder dentro do Barradăo, o que culminou no rebaixamento. Mas voltei para o Vitória em 2007, quando o time estava na Segunda Divisăo e subiu. Paguei essa dívida que tinha com o Vitória, colocando o time de novo na Primeira Divisăo.

Depois da primeira passagem pelo Vitória, vocę foi para o Vasco do presidente Eurico Miranda, cujo perfil era semelhante ao de Paulo Carneiro, do Vitória. Como foi essa relaçăo?

Era maravilhosa. Na subida do Bahia, teve uma festa. Eurico Miranda pediu um minuto de silęncio e falou só de mim. Eu cheguei ŕ festa, ele me elogiou para todo mundo, falou que eu fui dos jogadores mais corretos que trabalhou com ele. Tenho um relacionamento maravilhoso com ele. Foi um dos melhores presidentes que já tive. Foi um prazer enorme trabalhar com ele.

Apesar da forte ligaçăo com o Vitória, por que decidiu jogar no Bahia?

Eu já estava sem jogar havia dois anos e năo queria mais jogar. O presidente do Bahia na época, Ruy Acciolly, me pediu para eu voltar a jogar depois daquele jogo beneficente que fiz com Ronaldinho, quando fiz dois gols. Voltei, me dediquei, fiquei concentrado durante muito tempo, essas coisas todas. O Bahia estava passando por uma fase muito difícil, precisava de alguém como eu para levar o time, levar a responsabilidade. Foi um dos melhores times por onde passei, um dos que mais gostei de jogar. Năo tive uma excelente atuaçăo, mas eu já sabia disso. Já tinha dois anos sem jogar e, para jogar de novo, é complicado. Mas me dediquei muito, e o Bahia colheu muitos frutos depois que fui para lá, porque a responsabilidade era toda minha, e os outros jogadores, o presidente, năo tinham tanta responsabilidade naquele time. Eu era o pentacampeăo, que tinha que resolver dentro de campo. Se o Bahia năo estivesse bem, a culpa era minha. Năo me arrependo de nada. O Bahia năo ganhou o título estadual de 2010 por causa de um gol, na verdade. Năo perdeu o título no jogo contra o Vitória (na final), mas em um jogo contra o Camaçari, em que eu năo joguei. O time estava ganhando de 3 a 1 e deixou o Camaçari empatar (em partida da segunda fase). Por isso perdemos a vantagem em cima do Vitória.

O clube pagou tudo o que te devia?

O Bahia ainda me deve. Já tive alguns acertos, mas o clube năo vem cumprindo. É complicado. Eu sou baiano. Aqui tem praticamente só dois times grandes, Bahia e Vitória. Nunca quis brigar com ninguém, sempre deixei as coisas muito ŕ vontade. Mas é meio complicado, porque o presidente é jovem e ainda precisa pegar muita experięncia para comandar um time como o Bahia. Os jogadores que năo săo daqui ainda tęm a imagem do Bahia de ser um time que năo gosta de pagar, que tem dificuldades e atrasa salários quando chega nos meses de setembro, outubro. Os jogadores que năo săo daqui e estăo rescindindo contrato tęm muita dificuldade de receber. Infelizmente essa é a cultura do presidente Marcelinho Guimarăes, com a qual năo concordo. Até já conversei com ele sobre isso. Mas năo coloquei na Justiça, até porque năo gosto disso. Esse dinheiro do Bahia năo iria me deixar nem mais rico nem mais pobre. Mas era uma questăo de conscięncia, que eu gostaria que eles tivessem. Eles năo tęm. No dia em que resolverem me pagar, eu agradeço. É o único clube que me deve. Eu espero que, depois dessa entrevista, Marcelinho me pague.

Vocę jogou em rivais, como Corinthians e Palmeiras, Flamengo e Vasco, Bahia e Vitória... E conseguiu cativar as torcidas. Por quę?

É porque sempre fui profissional. Quando eu visto uma camisa, é uma segunda pele, em qualquer time em que eu jogue. Pode ser o time mais fraco do mundo. Vou me dedicar como me dediquei no Corinthians, no Flamengo. Eu me dediquei muito ao Bahia. O pessoal da comissăo técnica, os funcionários, todo mundo viu... Comprei espremedor de laranja para o Bahia, comprei prato, garfo, porque năo tinha. O Bahia estava com uma dificuldade enorme. Enfim... Ŕs vezes a gente faz as coisas e năo é reconhecido. Mas năo me arrependo de nada.

Vocę já fez corpo mole por causa de atraso de salário?

Isso nunca aconteceu comigo e acho muito difícil que qualquer jogador passe por isso. Quando o jogador năo está recebendo, está passando por dificuldades, pode fazer qualquer coisa fora de campo. Mas, quando entra em campo, se dedica sempre. Até porque é o nome dele que está em jogo. Isso nunca aconteceu comigo, e năo conheço nenhum jogador que tenha feito corpo mole dentro de campo, principalmente se estiver jogando do meu lado. O cara que faz corpo mole do meu lado se dá mal, porque eu cobro muito, e o pau come.

Vocę já jogou depois de uma noitada?

Nunca fiz isso. Nunca bebi na minha vida. Quem me conhece sabe que nunca fui de ingerir álcool, beber, tomar cerveja. Concentraçăo para mim era lei. Năo tenho histórico de fugir de concentraçăo ou faltar. Só aprontava dentro de campo. Dentro de campo era comigo mesmo, sempre aprontei a favor do meu time.

Qual torcida mais te cativou?

A torcida com a qual mais me identifiquei... Săo duas, na verdade. Fico numa dúvida danada. A do Flamengo e a do Corinthians, as duas maiores do Brasil. Năo sei onde mais gostei de jogar, se foi no Flamengo ou no Corinthians. Mas foram as duas torcidas com as quais mais me identifiquei.

Na Copa do Mundo de 2002, havia uma certeza no grupo de que seria campeăo?

O cruzamento daquele Mundial... Năo é que fosse fácil, mas fomos ajudados. Năo pegamos aquelas seleçőes de tradiçăo dentro de uma Copa do Mundo, como Itália e Alemanha. Os cruzamentos facilitavam. Entăo aproveitamos isso e saímos daqui desacreditados para a Copa do Mundo de 2002 pela imprensa, pela torcida. Mas nós, jogadores, sabíamos que tínhamos condiçőes de trazer o caneco para o Brasil. Nós nos motivamos com a família Scolari e transformamos a falta de confiança da torcida em vontade de conquistar. Dizem que todas as vezes em que o Brasil saiu desacreditado para a Copa do Mundo, venceu. E quando o Brasil sai como favorito, nunca vence.

Mas como era o ambiente entre os jogadores?

O ambiente era maravilhoso. A gente é que faz o ambiente! Tinha eu, Vampeta, Luizăo, Dida, Ronaldo. Jogadores irreverentes. O ambiente de uma Seleçăo Brasileira é maravilhoso. Vocę tem tudo nas măos, pensa em uma coisa e tem dez pessoas para fazer para vocę. Felipăo também sabia conduzir o grupo, sabia deixar o grupo em harmonia. Năo tinha confusăo. Todo mundo estava disposto a ganhar o título.

No retorno ao Brasil, o Vampeta roubou a cena com a cambalhota no Planalto. Como foi?

Vampeta vinha prometendo dentro do aviăo que ia aprontar uma quando estivesse com o presidente e que daria a cambalhota quando chegasse ao Palácio do Planalto. Quando chegamos lá, todos recebendo suas medalhas, começamos a botar pilha nele: “E aí, Vamp? Cadę? Vocę disse que ia fazer isso e aquilo”. Vampeta já tinha tomado algumas, pois os caras vieram do Japăo até aqui abastecendo no aviăo. Aí Vampeta fez, ficou tonto. Eu que tive que descer para pegar ele, senăo ele năo ia conseguir voltar para onde a gente estava. Foi legal. Ficou marcado na vida dele.

Qual foi o melhor treinador com quem trabalhou?

Tecnicamente, Vanderlei Luxemburgo foi o melhor que já me treinou.

E o mais chato?

Leăo. É chato demais, muito exigente.

Houve algum que năo sabia nada?

Năo lembro o nome dele, mas foi um inglęs que me treinou no Japăo. Era muito engraçado. Năo sabia nada, năo sabia dar treinamento. Ele ia para o campo treinar e dizia: “Faça o que quiser aí”. Foi o treinador mais fraco que peguei. Entre os brasileiros, está todo mundo no mesmo nível. Năo existe treinador fraco aqui.

Como era a comunicaçăo no Japăo?

Era uma salada de fruta arretada. Eu sei que eu tinha meu intérprete, que falava japonęs e inglęs. O treinador era inglęs. Tinha um jogador coreano, eu era brasileiro e tinha um italiano. Cada um tinha um intérprete do lado. Quando o treinador falava em inglęs, eu entendia algumas coisas, outras năo, aí o intérprete passava. O ônibus, a concentraçăo... Era tudo cheio de gente, com intérprete para tudo quanto era lado. No primeiro ano, eu năo falava nada com os japoneses. O japonęs tinha um carinho enorme por mim, me levava para casa, mas năo havia conversa. Do segundo ano em diante, eu já fui entendendo o que eles queriam. No terceiro ano eu já estava na escola, aí aprendi algumas coisas. Já dava para me comunicar.

Năo pensou em ser treinador ou dirigente?

Já recebi vários convites para ser dirigente, até para ser treinador, mas a oportunidade năo era muito boa. Eu tinha outros projetos. Agora eu estou fazendo televisăo, estou fazendo o (quadro) "Edilson Que o Povo Gosta", que é uma coisa com a qual me identifiquei muito, gosto bastante. Aquele bate-papo com o jogador, comentar os jogos. Estou aprendendo bastante. Entăo por enquanto estou com este projeto. Se eu virar treinador agora, a depender do time, năo sei se vale a pena sair da televisăo, porque estou aprendendo muito e tenho projetos futuros nos quais a televisăo vai me ajudar bastante.

É mais fácil ser comentarista?

Acho que năo. Acho que comentar é mais difícil, até porque vocę é amigo de todos os jogadores, já esteve lá durante um bom tempo. Vocę fala o que aconteceu ali, fala com mais propriedade, já passou por todas as situaçőes dentro de campo. Mas năo pode ficar nisso aí, né? Ŕs vezes tem que falar de um companheiro, um amigo seu. E falar mal é muito complicado, ŕs vezes é difícil, porque as pessoas năo entendem. Quando eu saio do ar, encontro com essas pessoas. Entăo ŕs vezes vocę fica em uma saia justa danada. Feliz ou infelizmente, sou profissional em tudo que faço, e comento os jogos da melhor maneira possível, da minha maneira. Tem gente que gosta muito e elogia bastante. Sempre tem aqueles que năo gostam. A gente năo pode agradar todo mundo. A oportunidade foi dada, e estou aproveitando muito.

Por que surgiu o apelido Capetinha?

Tinha um apresentador da "Gazeta Esportiva", Roberto Avallone, que colocava apelido em todo mundo. Colocou Animal no Edmundo, El Matador no Evair, Enceradeira em Zinho. E ele começou a me chamar de Capetinha, e aí pegou, por tudo aquilo que eu fazia dentro de campo. Năo tem nada a ver com o que as pessoas pensam.

Acha que combina contigo?

Quem me conhece sabe que năo combina muito comigo, porque eu sempre fui um cara tranquilo. Combina com o que eu fazia dentro de campo. Mas, no dia a dia, năo combina, năo.

Fonte: GloboEsporte.com