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Confira outras histórias da vida de Pai Santana


Quarta-feira, 02/11/2011 - 13:56

É difícil apontar um funcionário de clube no país do futebol que tenha sido tão ovacionado por uma torcida como Eduardo Santana foi pela do Vasco. Neto de escravos e filho de um pai de santo, ele passou quase 50 anos em São Januário, onde era ao mesmo tempo massagista e personagem folclórico pelos "trabalhos" que, para muitos, "amarravam" os rivais e abriam os caminhos do Vasco rumo às grandes conquistas.

Pai Santana nasceu em Minas, passou por terreiros em Salvador e, após a morte do pai, foi criado no Serviço de Amparo ao Menor, um abrigo em Quintino. De lá, saiu para o Exército, onde fez cursos na Escola de Educação Física. Lutou boxe no Bonsucesso e aproveitou a habilidade com os braços para se tornar um dos primeiros massagistas do futebol brasileiro. A partir dali, surgiria o ícone.

Antes de chegar ao Vasco, Santana trabalhou no Botafogo com João Saldanha, em 1957, na antiga CBD e teve rápida passagem pelo Flamengo durante uma greve de médicos. Santana trabalhava no Fluminense quando foi arrebatado por uma paixão vascaína que descobriu dentro do ônibus. Diante da beleza de Carminha, não desceu na Central, como de costume, jogou um papel com o número do telefone no colo da telefonista e a acompanhou até o trabalho no Centro. Nem a chave de um apartamento alugado em Copacabana demoveu Carminha. Mas, quando Santana ligou dizendo que estava acertando com o Vasco, ela correu para a casa nova. Era 7 de abril de 1970. O Vasco não ganhava um Estadual desde 1958 e tiraria o atraso naquele ano.

— Meu primeiro trabalho foi descobrir uma cabeça de porco enterrada no gol. Levei o terreiro para São Januário, começamos às dez da noite e só saímos de lá às 5 da manhã — lembrou certa vez Santana.

Ele costumava entrar em campo antes do time e, vestido com seu tradicional fraque branco, saudava a torcida, ajoelhava-se e beijava a bandeira do Vasco. Era uma espécie de embaixador místico do clube. As histórias se multiplicaram. No início dos anos 90, Pai Santana, aos 77 anos foi trabalhar por um período na Arábia Saudita, mas o início da Guerra do Golfo antecipou o retorno. Quando chegou ao clube, disse que tinha se convertido ao Islã e passara a se chamar "Mohammed Santana". Após duas derrotas do Vasco, porém, disse que as orações voltadas para Meca não estavam funcionando. Voltou a ser "Pai Santana".

A relação com o Vasco se eternizaria na vida do massagista e de todos aqueles que passaram por São Januário. Santana acompanhou praticamente toda a carreira do atual presidente Roberto Dinamite. Desde que subiu para os juniores, Roberto recebeu tratamento especial no clube. E Santana, quando não era destacado para cuidar do futuro craque da Colina, tratava de se escalar.

— A vida é uma troca, e a do Pai comigo e com a instituição foi a melhor possível.

Desde que teve um AVC, em 2006, Pai Santana tinha uma saúde frágil e andava de cadeira de rodas. Em abril, foi pela última vez em São Januário. Ele estava internado desde o dia 2 de outubro no Hospital Central do Exército, em Benfica, tratando de uma pneumonia. Ele morreu ontem, às 6h, de insuficiência respiratória. Deixa a companheira Carmen, com quem viveu por 41 anos, e os filhos Roberto, Reinaldo e Mauro, este de criação.

Fonte: O Globo