Ídolo do Cruzeiro, o ex-meia Marco Antônio Boiadeiro, que defendeu também Atlético e América em Minas, lamenta até hoje não ter conseguido êxito com as camisas dos dois clubes de maiores torcidas do país, Flamengo e Corinthians, em que atuou em 1994 e 95, respectivamente. Longe de futebol, esporte em que atuou por 15 anos, e perto de suas fazendas em São Paulo e Goiás, o ex-atleta não encontra explicações para passagens sem o brilho que desejava nos dois clubes.
"Fico me perguntando porque não deu, mas acho que não era para ter dado certo mesmo. Foi uma experiência amarga, mas muito boa para a vida. Foram duas oportunidades incríveis que tive", comentou Boiadeiro, aos 46 anos, em entrevista ao UOL Esporte. Segundo ele, no Flamengo foi atrapalhado por contusões. "Fui para o Corinthians, era uma nova chance, mas não deu certo de novo", reconheceu o ex-meia, que se diz plenamente adaptado ao rimo de vida do interior paulista, onde cria gado e planta cana.
Após se aposentar como jogador, em 2000, ele não quis se aventurar como técnico, empresário ou comentarista, algumas das funções preferidas de ex-atletas profissionais. Bom de papo, como ele mesmo se denomina, e com seu "jeito meio mineiro", apesar de ter nascido em Américo de Campos, em São Paulo, Boiadeiro conta com desenvoltura histórias de sua época de jogador.
Entre suas favoritas estão os casos sobre o medo de avião, que sempre o acompanhou em sua carreira. Ele não foge de polêmica também e critica o técnico Hélio dos Anjos, hoje no comando do Atlético-GO, com quem trabalhou no América-MG, em 1998, após participar do acesso do time mineiro um ano antes, para a Primeira Divisão do Brasileiro. "A gente teve um trabalho danado, conseguiu subir o time e chega este cara e complica tudo, uns métodos de trabalho estranho, foi horrível", lembrou.
Como é a vida de fazendeiro, mais tranquila do que a de jogador?
É tranquila, clima bom do jeito que gosto. Não dá para ficar sem fazer nada, aproveitando a aposentadoria. Tenho de fazer, movimentar, não fico parado, são muitas funções que a gente tem de fazer aqui. Trabalho com cana, está bom. Mas gosto de vaca de leite, cavalo, bezerro, tem tudo. A vida aqui é acordar cedo, mexer na terra, com os bichos, mas sem aquela coisa de cansaço, o estresse de outros tempos.
Como jogador você era conhecido como bom companheiro e pela tranquilidade, continua?
Eu nunca mudei o meu jeito. Eu nunca perdi meu jeito meio mineiro, minhas tradições, minha maneira de ser. A humildade deve existir sempre em toda fase da vida. Todo mundo sempre gostou do papo do Boiadeiro, sempre tinha conversa boa. Falava sobre fazenda, terra, futebol, boi, uma festa, sempre foi um papo bom. Continuo assim, fazendo o que gosto, mexendo nas minhas terrinhas, se não ficar calmo, não dá certo. A vida muda, mas o papo continua bom.
Você sempre teve problemas para viajar de avião, continua com medo?
Hoje não tenho mais medo, não estou viajando mais de avião. Sempre tive medo, nossa senhora, era um custo para mim entrar em um avião. Uma vez tive de viajar de Teço Teco, foi um desespero para mim, parecia que estavam me levando para a morte Eu tremia no alto, com medo daquele negócio cair comigo, acho que eu rezei todas as preces que eu conhecia na época. Já peguei cada voo com turbulência. Eu achava que o avião ia partir no meio. Pular pouco eu estava acostumado, agora tinha turbulência que não deixava nem mexer. Cada viagem que eu tinha de fazer era uma aventura para mim, um tormento, passava noites sem dormir direito, sonhando com aquilo. Ainda bem que passou, parei com isso, não ando mais. Só em terra firme, com cavalo, é seguro.
Outros jogadores da sua época de Cruzeiro também tinham medo de avião?
O Teotônio (massagista do Cruzeiro no início dos anos 90) era impossível no avião, devia fazer de sacanagem, vivia gritando no avião, o voo todo, nossa. Eu falava para ele parar, não dá para ter um cara gritando. O Tupãzinho (ex-Corinthians) era outro, que precisava de ajuda, eu pegava na mão dele, vê se pode, eu que morria de medo, tentava ajudar outro que também tinha medo, não dava certo. Eu sempre tive medo, tremia nas bases, mas não dava escândalo. Muitos me ajudavam numa boa lá, me acalmavam. Mas sempre detestei quem dava escândalo. Aí meu medo aumentava, dava vontade de mandar descer do avião.
Você viveu melhor momento na carreira no Cruzeiro?
Cheguei e peguei uma fase boa. O clube vinha de uma época dos anos 80 de poucos títulos, mas de bons jogadores. Participei da reconstrução do Cruzeiro e fico satisfeito por conta disso. Foi um momento especial mesmo, a gente tinha um entrosamento grande, todo mundo era amigo e estávamos unidos, isso ajudou muito, fizemos o Cruzeiro crescer, ficar maior ainda, ganhamos títulos. Sem dúvida foi o momento melhor meu, ali eu estava jogando como nunca. Mas os companheiros ajudavam demais, eram todos ótimos, fácil jogar. Eu tive uma passagem boa demais no Guarani, mas a melhor foi no Cruzeiro. No Vasco, fui campeão várias vezes, mas no Cruzeiro, sei lá, foi diferente para mim. Acho que a camisa caiu bem em mim, incorporei o time, deu tudo certo, é inexplicável, só sei que tudo dava certo, eu chutava errado e dava certo, foi uma fase maravilhosa na minha carreira, a felicidade foi grande de mais.
Você chegou a jogar com o Ronaldo Fenômeno no Cruzeiro, já dava para saber a qualidade dele?
Conversava muito com ele. O Ronaldo participava de treinos com o grupo, ainda era juvenil, antes de subir. Eu já via que ele era bom de bola. Ele fazia miséria nos treinos, coitado de quem tinha de marcá-lo. Ele era diferente já, impressionava todos. Eu era muito mais experiente, já conhecia do riscado, e procurei passar para ele, que era novinho. Eu falava para ele ir tranquilo, como nos treinos, partindo para cima. Ele não tinha medo, não tinha respeito pelo marcador, era impressionante, eu o vi fazer cada coisa. Com um talento daquele tinha de dar moral mesmo e ajudar. Deu orgulho danado ver depois que aquele menino moleque, virou o grande jogador que é, um dos melhores da história, com passagem por tantos times do mundo.
No Cruzeiro você foi campeão em competições importantes, qual a mais marcante?
Ganhei Campeonato Mineiro, Copa do Brasil e duas Supercopas da Libertadores. Todos são especiais, mas titulo internacional, é diferente, uma felicidade, até porque eu joguei bem, estava em alta, aí tem sabor diferente. É bom você participar diretamente do titulo, eu ajudei.
E a sua passagem pelo América lhe traz boas lembranças?
Eu era líder no time, eu indiquei jogadores, que confiavam em mim e vieram para subir o América, como o Tupãzinho, entre outros. Vieram na confiança que tinham em mim e aprovaram a ideia. Em campo fomos bem, fizemos o América jogar um bolão, mas não foi fácil, deu um trabalho danado, mas fomos compensados no final, foi muito feliz
Você teve problema com o técnico Hélio dos Anjos. Tem mágoa dele?
Quem afundou o América naquele ano foi o Hélio dos Anjos. Eu falo mesmo. Não tenho mágoa e nem raiva de ninguém. Mas esse cara, não dá. Ele fez bagunça com o América. Tivemos um trabalho danado para levantar o América e conseguimos. Depois, chegou esse treinador, querendo fazer tanto de coisa louca. Ele conversa demais, derrubou o América. Já chegou querendo arrumar atrito comigo, querendo me dispensar, fazendo sacanagem comigo e com todo mundo. A gente teve um trabalho danado, conseguiu subir o time e chega este cara e complica tudo, uns métodos de trabalho estranho, foi horrível.
Se nos outros dois times mineiro teve boa passagem, pelo Atlético-MG você não conseguiu render o esperado. Por quê?
Não tive a felicidade de ir bem como nos outros times. Não tive uma boa sequência de jogos, tem de falar a verdade. O time não deu certo, era estranho, a gente tentava fazer de tudo, mas nada dava certo e não deu mesmo. Tentei, claro que queria ir bem também, seria legal passar bem pelos três times daqui, mas não deu certo, ninguém rendeu bem, o time não deu liga. Ficou uma frustração para todo mundo, principalmente para mim.
E as passagens por Flamengo e Corinthians? Foram frustrantes?
Corinthians e Flamengo foram duas oportunidades incríveis que tive, me destaquei no Cruzeiro e fui contratado, no auge no Flamengo, mas me machuquei, não tive uma sequência boa e não consegui jogar tudo o que podia. Não foi ruim a passagem, mas foi muito pior do que eu queria e que todos esperavam. Fui para o Corinthians, era uma nova chance, mas não deu certo de novo. Fico me perguntando porque não deu, mas acho que não era para ter dado certo mesmo, foi uma experiência amarga, mas muito boa para a vida. No Vasco fui bem, rendi, mas foi antes disso, era novo e isso ajudou também. No Guarani fui bem demais também, foi uma das melhores sem dúvida, graças a Deus.
Pensou em seguir carreira no futebol após pendurar as chuteiras?
Não, estava querendo era a vida sossegada, ir para as minhas fazendas, mexer com bicho, não queria mais esta história de concentração, de treino, parei com isso. Eu só queria correr atrás dos bezerros, das vacas, com o cavalo fazendo o esforço para mim. Até pensei em assumir alguma coisa fora de campo, mas decidi ficar na minha vida de mineiro, bem quieto, sem a pressão do futebol, a vida corrida que é. Fiquei mais de dez anos nisso e precisava descansar. Estou feliz na minha terrinha, tranquilo, só vendo o futebol pela televisão.
CLUBES DEFENDIDOS POR BOIADEIRO
TEMPORADAS TIMES
1985-1986 Botafogo-SP
1986-1988 Guarani
1989-1990 Vasco
1991-1993 Cruzeiro
1994 Flamengo
1995 Corinthians
1996 Rio Branco-SP
1997 Atlético-MG
1997-1998 América-MG
1999 União Barbarense-SP
2000 Sãocarlense-SP
TÍTULOS DA CARREIRA DE BOIADEIRO
CLUBES competições
Vasco - Brasileiro (1989), Taça Guanabara (1990)
Cruzeiro - Supercopa Libertadores (1991 e 92), Copa do Brasil (1993), Mineiro (1992)
Corinthians - Copa do Brasil (1995), Paulista (1995)
América-MG - Série B (1997)
Fonte: UOL