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José Luiz Runco, médico do Flamengo, relembra o dia do AVC de Ricardo


Quarta-feira, 21/09/2011 - 15:49

Agilidade. Qualquer profissional da medicina que trabalhou no caso de Ricardo Gomes cita a palavra ao comentar o sucesso na recuperação do treinador, que sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) no decorrer do clássico contra o Flamengo, no dia 28 de agosto. E uma das peças fundamentais neste processo foi justamente o chefe do departamento médico do Rubro-Negro, doutor José Luiz Runco. Ex-sócio do Hospital Pasteur (Zona Norte do Rio), Runco, ao perceber a gravidade da situação, ligou ainda do campo para a diretoria e preparou o hospital para a cirurgia de emergência que salvou a vida do treinador vascaíno, que hoje se recupera em casa. Ao recordar o momento, ele admite que temeu pelo pior.

- Quando vi a situação, me bateu uma angústia. O caso era muito grave, e eu temi pelo pior. Na hora liguei para o hospital. Se tivesse demorado mais um pouco, não sei se estaríamos aqui conversando sobre a excelente recuperação dele.

Alguns dias depois, Runco esteve no hospital para acompanhar a evolução e fazer uma visita a Ricardo que, além de companheiro de futebol, se tornou amigo. A emoção do encontro acabou agitando o comandante vascaíno, que precisou voltar a ser sedado. Hoje, pouco mais de três semanas depois do ocorrido e já com o quadro totalmente estável, o médico revelou que pretende voltar a visitá-lo em breve.

Em conversa com o GLOBOESPORTE.COM, Runco revelou detalhes do atendimento, disse acreditar no retorno de Ricardo Gomes à beira dos gramados comandando o Vasco e aproveitou para fazer um apelo para evitar que novas situações assustadoras como essa se repitam no decorrer das partidas de futebol:

- É necessário revisar a quantidade de pessoas que ficam nos gramados. Todos querem informar e ajudar, mas em determinado momento podem acabar atrapalhando.

Confira abaixo a íntegra do bate-papo.

GLOBOESPORTE.COM: Em que momento da partida o senhor percebeu o que estava acontecendo com o Ricardo Gomes?

José Luiz Runco: Estava prestando atenção no jogo até o momento em que o Eric Faria (repórter da TV Globo) me informou. Não tive noção da gravidade na hora. Só fui me movimentar quando ele me disse que a ambulância iria entrar em campo. Quando cheguei, já estava aquele caos. Ao mesmo tempo que tinha muita gente ajudando, outros acabaram tumultuando tudo. A gente entende que a imprensa estava ali trabalhando, mas era um caso grave, em que um espaço se fazia necessário.

Ao perceber que se tratava de um caso sério, o senhor se movimentou para falar com a equipe do Hospital Pasteur. Como se deu este contato? A agilidade no atendimento foi determinante?

Na hora, quando vi a gravidade, falei com o pessoal do Vasco para levarmos para o Pasteur. Liguei para o diretor do hospital, Ricardo Periard, que na mesma hora acionou o doutor Roberto Calheiros, diretor da emergência que já estava no local. Em paralelo, o neurocirurgião José Antônio Guasti e o clínico particular do Ricardo, Fábio Guimarães Miranda, já estavam a caminho. O doutor Calheiros acabou se tornando a peça fundamental porque adotou com extrema competência e agilidade os procedimentos iniciais, sendo o principal deles a entubação. O tempo curto entre o pré-operatório e a cirurgia foi determinante.

Como foi continuar trabalhando sabendo da gravidade da situação? Já tinha vivido algo parecido?

Foi muito ruim. Neste meio tempo ainda tive de atender o goleiro Felipe, que havia sentido dores, mas minha cabeça já estava no Pasteur. Coincidentemente me recordo de outro Flamengo e Vasco que marcou. Foi no dia da morte do Ayrton Senna (no dia 1º de maio de 1994 - o jogo terminou empatado em 1 a 1). Foi o pior jogo em termos de astral que eu já presenciei na minha vida. O ambiente ficou carregado, e essa situação se repetiu no dia do Ricardo. Até mesmo o rubro-negro mais fanático ficou abalado.

Chegou a temer pelo pior quando viu Ricardo na ambulância?

Temi sim pelo pior. Era um caso muito grave, ainda mais depois que recebi as informações do atendimento emergencial dele no Pasteur.

Apesar de ter ajudado diretamente, o senhor não foi em seguida para o Pasteur acompanhar os procedimentos. Por quê?

Era o meio de um processo cirúrgico de um caso muito grave. O risco de vida era sério. A todo instante eu me comunicava com o doutor Clovis Munhoz (chefe do departamento médico do Vasco) e com a equipe do Pasteur. Não tinha muito o que acrescentar ali. Já tinha feito tudo que estava ao meu alcance. Quando falaram que a cirurgia tinha sido um sucesso criou uma euforia que ia aumentando a cada dia com as boas notícias.

A sua visita foi um momento marcante. Pessoas que acompanharam relataram uma emoção muito grande, tanto é que no fim do dia ele teve de voltar a ser sedado. Como foi este momento? Sentiu a mesma emoção?

Preferi visitar quando tudo estava mais estável. O encontro tem um lado emotivo forte por tudo que aconteceu em campo e pela nossa amizade. Trabalhei com o Ricardo no Flamengo e na Seleção Brasileira em 2004. Conheço bem o ser humano Ricardo. Realmente nos emocionamos. Ele me reconheceu, me deu um forte aperto de mão. No mesmo dia, o Romário foi também. A emoção foi completa, e ele acabou voltando para a sedação após a pressão ter aumentado. A decisão se mostrou correta para diminuir o alto nível de emoção e serviu também para frear as visitas.

Agora que a situação está estável, quando vai ser a próxima visita?

Vamos deixar a poeira baixar mais um pouco. Tenho acompanhado a evolução diária até porque a minha filha é quem comanda as sessões de fisioterapia. Em breve, faço questão de voltar a visitá-lo.

Por tudo que vem sendo relatado e pela sua experiência em tantos anos de medicina, acredita no retorno de Ricardo Gomes ao cargo de treinador de futebol?

Acredito sim. É claro que esta não é uma decisão para hoje. Ele vai ter de manter um acompanhamento médico para o resto da vida, mas se tudo correr conforme o esperado, o retorno pode sim acontecer. Claro que medicina não é uma ciência exata, mas ele é jovem e tem grande potencial. Vejo grandes chances.

Logo após o ocorrido, o senhor acabou criticando o volume de pessoas ao redor de Ricardo Gomes no gramado do Engenhão. O que acha necessário mudar para melhorar o atendimento em campo?

A gente criou uma comissão nacional dos médicos de futebol, e um dos pontos mais discutidos é justamente esse. Já melhoramos muito em comparação a um passado não muito distante, mas se formos analisar o futebol europeu por exemplo, ainda temos de evoluir. O problema aqui é que a questão é cultural. A curiosidade é grande. Mas não pode interferir no atendimento. A entrada dele na ambulância, por exemplo, foi atribulada. Tinha de ter tido uma leveza maior, principalmente pela gravidade do caso. Não existe uma regra, mas o fato é que estamos sujeitos não só a lesões graves como também a este tipo de situação com um membro da comissão técnica ou da diretora, por exemplo. É fundamental que os estádios estejam preparados para este tipo de situação. Vamos ter uma Copa do Mundo pela frente. Já trabalhei em algumas e vi uma estrutura maravilhosa, um legado que ficou para os estádios. É isso que espero por aqui.

Fonte: GloboEsporte.com