Dois dias depois de o técnico Ricardo Gomes precisar ser submetido a uma cirurgia após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC), o jornalista Claudio Fernandez usou o seu espaço no JBlog do Vasco para profetizar o futuro de Ricardo e do clube ao fim do campeonato. Na crônica,o drama daquela tarde se transforma em combustível para os atletas, que incorporam craques de diferentes épocas e se tornam uma equipe imbatível: "Absolutamente possuídos, todos serão mais do que são. Cada um será mais do que um". E assim é, até o grand finale, quando o técnico, às lágrimas, volta ao Engenhão para levantar o título do Brasileirão.
As palavras rapidamente se tornaram sucesso entre os vascaínos e foram reproduzidas nas mais diversas redes sociais. A repercussão foi tão grande que os dirigentes do clube prenderam o texto no vestiário do time e distribuíram cópias para os atletas antes do duelo contra o Ceará, primeiro após o afastamento de Ricardo Gomes. O Vasco venceria o jogo, de virada, por 3 a 1.
"Todo mundo recebeu. Eu, o Roberto [Dinamite], outros funcionários. Eram enviadas pelos torcedores das mais diferentes formas: email, facebook, twitter...", conta o assessor de imprensa do clube Vinicius Gonçalves.
O diretor executivo de futebol do Vasco, Rodrigo Caetano, revela que o texto ainda está no local e diz que deseja entregá-lo a Ricardo em breve. Segundo ele, os jogadores teriam ficado tocados com a mensagem, que também chegou ao conhecimento da família do treinador.
"Aquele era um momento muito difícil, em que toda e qualquer palavra de incentivo poderia fazer diferença. Todos ficaram muito emocionados. Eles sabem que o Ricardo Gomes está conosco nessa caminhada e farão de tudo para alcançar o nosso objetivo. Se chegaremos ao título é diferente, mas temos certeza de que ele ficará muito orgulhoso", disse.
Caetano comentou ainda sobre a mobilização em torno do caso. "O que eu percebo é que toda esta comoção não se deve apenas ao fato de ele comandar um grande clube. Mas, sim, porque o Ricardo é um cara extremamente educado, que sabe ser líder sem precisar se impôr. Uma figura humana incrível, diferente de todos os que eu pude conhecer", elogiou.
Segundo o interino Cristóvão Borges, que assumiu o comando da equipe após o incidente, a equipe ficou extremamente abalada com o ocorrido e foi preciso de muita conversa para que o time se recuperasse. Ele exaltou a importância das manifestações neste processo.
"Fiquei arrepiado com tudo o que vi e também com o que tenho visto. Além de ser meu companheiro de trabalho, ele é um grande amigo. A dimensão que essas manifestações tomaram, mandando vibrações positivas, me deixam muito contente", relatou.
Entenda o caso
Ricardo Gomes sofreu um AVC hemorrágico aos 22 minutos do segundo tempo da partida entre Flamengo e Vasco no dia 28 de agosto. Ele foi levado para o centro médico do Engenhão e, em seguida, para o Hospital Pasteur, onde foi submetido a uma cirurgia para a drenagem de um hematoma no cérebro. O procedimento durou cerca de 3 horas e foi considerado um sucesso. Em 2010, o treinador já havia sofrido um pequeno AVC enquanto comandava o São Paulo e precisou ficar pouco mais de 1 mês afastado dos gramados.
Gomes ficou internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), quando foi transferido para um quarto privativo. Ele respira sem a ajuda de aparelhos, voltou a se alimentar normalmente e tem o quadro clínico e neurológico considerado estável pelos médicos. Apesar da evolução, ainda não há previsão de alta hospitalar.
Íntegra do texto
30 de agosto de 2011
O futuro de Ricardo Gomes está traçado
Caríssimo Ricardo Gomes, anote em sua agenda: em 4 de dezembro, nove dias antes do seu 47º e mais festejado aniversário, você será campeão brasileiro. Logo após a épica partida contra o Flamengo, ainda enxugando as lágrimas nas mangas de sua camisa preta, você receberá o mais longo, envolvente e inesquecível dos tantos abraços que Carol e Diego já te deram na vida. Um a um, os jogadores repetirão a coreografia e você se enxergará refletido nos olhos vermelhos de cada um deles. E, então, em um gesto talvez sem precedentes na história do futebol, Juninho te chamará ao centro do campo (“s’il vous plaît, monsieur”) e você será o primeiro treinador a erguer uma taça no lugar do capitão do time.
A partir de agora, Ricardo, o futuro está escrito. Durante 19 rodadas, três mágicos meses, uma força descomunal tomará conta de seus jogadores. Absolutamente possuídos, todos serão mais do que são. Cada um será mais do que um. E o velho lugar comum terá de ser repensado. Futebol passará a ser 11 contra 22. Nunca um time correrá tanto, se entregará tanto e vencerá tanto por seu treinador.
Incrédulos, todos se perguntarão como, de que forma, por quê? Não haverá respostas, apenas fatos. Jogo após jogo, a história ocorrerá da mesma maneira. Será mais ou menos assim. Fernando Prass enlouquecerá os atacantes como Jaguaré, saltará como Barbosa, sairá do gol como Andrada, abrirá os braços como Acácio e se colocará como Carlos Germano. Fagner será impetuoso como Paulinho de Almeida, vigoroso como Orlando Lelé, certeiro nos cruzamentos como Paulo Roberto. Dedé, além de Dedé, incorporará Augusto, Bellini, Brito, Mauro Galvão. Renato Silva será o zagueiro-zagueiro, sempre presente nas maiores conquistas do clube, como Miguel, Moisés, Abel e Odvan. Julinho ganhará farda, quepe e nova patente e passará a atender pelo nome de Coronel. Jumar fará no meio e na lateral o que Mazinho fazia na lateral e no meio.
Rômulo ora desarmará e sairá jogando com a classe de Eli, ora será um operário-padrão, daqueles que merecem foto todo mês na parede da firma, como Alcir Portela. Eduardo Costa, acreditem nos poderes da alquimia, desfilará pelo meio-campo tal qual o Príncipe Danilo e dará carrinhos como Luisinho. Bernardo beberá da fonte de Fausto, Friaça, Lelé, Isaías, Geovani, Tita e Pedrinho. A Diego Souza bastará vestir a 10, camisa que, se espremida, dá hectolitros de gols.
Éder Luis será um pouco Maneca, um pouco Ipojucan, cem gramas de Chico, uma pitada de Almir, uma xícara de Jorginho Carvoeiro, uma dose de Mauricinho, um punhado de Bebeto, um frasco de Edmundo e duas rodelas de Euller. Nem precisará levar sal.
Alecsandro e Elton – quem viver verá – chutarão como Vavá, gingarão como Ademir Menezes, explodirão feito Dinamite, descobrirão a quina da pequena área tal qual Romário e terão a estrela de Sorato.
E Felipe e Juninho? Bastará que sejam Felipe e Juninho.
E assim será. Por 19 rodadas. Por três mágicos meses. Um por todos e todos por Ricardo Gomes.
E, então, no dia 4 de dezembro, meus amigos, acontecerá a grande catarse, o inexplicável, o sobre-humano. A cidade será tomada por uma ofegante epidemia. O Vasco conquistará o título em cima de seu maior rival, em um jogo para sempre. E Ricardo Gomes – o garoto das peladas no Portão 18 do Maracanã, o zagueiro de fraque e cartola, uma das melhores índoles que já passaram pelo futebol brasileiro, o treinador que pegou um time destroçado, juntou seus cacos e deu ao torcedor vascaíno habeas corpus para o grito encarcerado na garganta há oito anos – enxugará suas lágrimas nas mangas da camisa preta, receberá o mais longo, envolvente e inesquecível abraço de Carol e Diego e, por alguns instantes, mergulhará em um profundo e aconchegante silêncio, que só será quebrado pela voz de seu capitão: “S’il vous plaît, monsieur”.
Fonte: Jornal do Brasil