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Em entrevista, Cristóvão diz que mensagens da torcida o fazem chorar


Domingo, 04/09/2011 - 09:23

Cristóvão impressiona por ser ainda mais sereno do que Ricardo Gomes. Quem o viu jogar lembra que a elegância não fica apenas nas orientações aos jogadores ou nas entrevistas do dia a dia. Reserva no meio de campo que tinha Dunga, Silas e Valdo na Seleção que venceu a Copa América de 1989, ele é de outra escola do futebol. Aprendeu que falar baixo não significa timidez, gritar não representa comando e que honestidade vale mais do que nome ou cargo.

Pela segunda vez na carreira, ele assume um time na ausência do amigo. Na ocasião, os dois conduziram o Juventude ao 7º lugar do Brasileiro de 2002. Pelo trabalho, Ricardo foi para a seleção olímpica e Cristóvão ficou no Sul.

Baiano, o técnico interino tem grande parte da família ainda em Salvador, mas mora com a mulher e um filho. Na entrevista ao MARCA BRASIL, Cristóvão, um dos poucos técnicos negros na Série A do futebol brasileiro, conta que chorou muito antes do jogo contra o Ceará ao ler na Internet diversas mensagens pela melhora de Ricardo Gomes e diz que o grupo está esperando o amigo para terminar o trabalho que começou ainda no Campeonato Carioca tirando o Vasco da pior campanha de sua história.

Como foi para você na hora que percebeu o Ricardo sendo atendido por uma ambulância na beira do campo?

Foi um choque. Quando vi que ele não estava na área técnica, me avisaram que estava passando mal. Eu o conheço, fiquei muito abalado, foi um choque muito grande. Mas, como era um momento de emergência, eu tinha que ir lá para a beira do campo. Desci correndo, mas, quando cheguei, ele já tinha saído com a ambulância. O jogo estava parado, os jogadores estavam bebendo água e perguntavam o que tinha acontecido. Mas tinha que terminar o jogo e fomos em frente.

Na sua rotina, fora do clube, dentro de casa, como tem sido esses dias?

É muito angustiante, ainda fico sobressaltado, porque a situação é muito delicada. Ainda bem que as notícias têm sido boas. Mas é um quadro muito complicado, nós ficamos muito preocupados. Como conversamos com os jogadores, o que a gente puder fazer de melhor daqui, vamos fazer. A gente sabe o quanto isso é importante para ele. É a grande resposta que a gente pode dar. Todos abraçados, juntos, o clube inteiro. Estamos conseguindo...

Conseguiu controlar a emoção nesse tempo, chorou alguma vez desde o problema como Ricardo?

Chorei. Chorei, inclusive, no dia do jogo do Ceará. Antes do jogo, no hotel, na concentração. O que temme emocionado muito é o que tenho lido nas redes sociais, na Internet. As mensagens que as pessoas mandam têm mexido comigo. Eu me emocionei com muita coisa. Mais que treinador, ele é meu amigo. A gente sofre. Mas estamos transformando tudo isso em motivação. Junto com os médicos de lá, daqui estamos mandando coisas boas. Sabemos que ajuda o Ricardo a reagir.

Esses dias o Ricardo Rocha disse que o Ricardo Gomes não deveria voltar a trabalhar como treinador, mas, talvez, como dirigente. Concorda comele?

Acho precipitado. Eu discordo disso (do Ricardo não voltar). Até porque a gente que está no futebol, a gente faz isso desde criança. Fizemos a nossa vida aqui. Então, é difícil sair. Eu tenho certeza de que ele vai ficar legal, vai voltar e dar continuidade a esse trabalho.

Até de certa forma desrespeitosa, muita gente tem especulado nomes para substituir o Ricardo e, claro, você no comando do Vasco. Isso te incomoda?

Não, nem um pouco. Eu continuo na minha grande missão, caiu isso para mim. Esse trabalho nasceu com a gente, faço parte dele, sei do trabalho, e a grande lição é dar continuidade. O meu desejo e o desejo dele é que tudo continue evoluindo. Isso é o que nós queremos até o fim do ano. Vou trabalhar para isso e, se acontecer, é missão cumprida.

Mas você já tinha planejado um dia deixar de ser auxiliar do Ricardo e seguir a carreira de treinador?

Não tinha, porque a gente fazia um trabalho legal. Não vejo motivo para mudar. Trabalhamos juntos há seis anos, desde que nos encontramos quando ele voltou da Europa.

Por ter como função observar adversários e passar para o Ricardo, você vê alguma vantagem em assumir o time agora?

É uma vantagem porque sempre estudei os adversários e conheço muitos jogadores. Mas, com a virada do segundo turno e necessidades das equipes, algumas coisas mudam. O América-MG, por exemplo, já mudou de treinador duas vezes. Eles vão jogar num sistema de jogo diferente e com outros jogadores também. Mas é lógico que posso tirar proveito da situação.

Você e Ricardo conquistaram o grupo com esse jeito de jogar aberto, com transparência e honestidade. Como é isso?

Por termos sido jogadores, a gente entende um monte de coisas dentro do futebol. Uma das coisas mais importantes é justamente essa sinceridade. O jogador necessita, ele precisa, ele exige isso da comissão técnica. A gente sabe disso. Tem que ser direto e a gente faz assim, somos assim. A honestidade do nosso trabalho cativa muita gente, a gente ganha muito respeito deles por causa disso.

Esse jeito mais calmo também. Vocês não precisam gritar com os jogadores. O que muitas vezes era visto pejorativamente até por dirigentes.

Acho que todos têm em mente um objetivo, mas cada um tem sua maneira de chegar. Tem uns que acham que deve ser de jeito mais agressivo, outros acham que não. O objetivo é ganhar jogos, conquistar as coisas. Nós temos um trabalho muito bom dessa forma. Não existe fórmula exata, mas aquela em que a gente acredita.

Você é um dos poucos técnicos negros na Série A. Como vê isso?

Não sei, pode ser coincidência, mas acho uma pena. Tenho certeza de que tem outros negros competentes, teve o Andrade, o Lula Pereira. Uma pena que não deem oportunidade maior para outros técnicos negros terem destaque no Brasil. Seria muito importante.

Sem Ricardo, por enquanto, como pensar no planejamento para a Libertadores do ano que vem?

Temos contrato até o fim do ano, mas a ideia é dar continuidade ao que fizemos até agora. Vai depender dessa continuação o nosso rumo. Mas sei que ele em algum momento vai voltar para planejarmos tudo.

Fonte: Marca Brasil