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Supervisor de patrimônio fala dos tipos de grama usados em São Januário


Sexta-feira, 02/09/2011 - 06:38

Muito se fala que jogadores como Pelé e Garrincha não teriam a mesma facilidade para se destacar no futebol atual, dado o grande equilíbrio físico. Mas a contrapartida tem em um dos seus argumentos o fato de que os dois craques desfilavam por gramados péssimos, com uma dificuldade muito maior de colocar as jogadas em prática. A preocupação com o cuidado aos campos é algo recente no Brasil, e o país, na busca pelo padrão europeu, ainda está longe do ideal. O ponto importante para a evolução dos pisos esportivos por aqui está no tipo de grama, muito mais resistente ao pisoteio.

Antigamente, predominava nos estádios do país a famosa grama de jardim, Batatais/São Carlos, que não suporta muito o desgaste e tem uma recuperação lenta. O castigo imposto por 22 jogadores durante uma hora e meia de uma partida era tratado com mais dificuldade, sem as técnicas evoluídas encontradas atualmente, e a grama, aos poucos, morria, formando grandes partes carecas.

- Era, literalmente, pasto aparado com um elevado grau de ervas invasoras. Campos duros, esburacados, com base argilosa - lembra Artur Melo, engenheiro agrônomo responsável pelo gramado do Engenhão, campo que só não está careca por ter um gramado mais resistente.

- Se a grama do Engenhão fosse a Batatais, estaria careca de trave a trave em função do grande número de jogos - garante.




Entre o final da década de 1980 e o início de 1990, alguns estádios brasileiros passaram a fazer a troca para uma grama mais evoluída para o pisoteio, a Esmeralda. Com um verde mais escuro e folhas que se entrelaçam, o piso ficou mais fofo, formando um 'colchão' que melhorou o toque de bola consideravelmente. Mas a grama não era do agrado de todos os profissionais do futebol. Foi o caso do técnico Telê Santana, então no São Paulo, que pediu urgência na troca do gramado por uma espécie ainda melhor, desenvolvida nos Estados Unidos.

- O Telê não gostava da Esmeralda. Ele conheceu a Bermuda Tifway em alguma viagem e pediu a troca, mas não havia esse tipo de grama no Brasil. Tivemos que importar e, aos poucos, fomos trocando o gramado. Ele mandava - lembra Daniel Tapia, responsável pelo gramado do Morumbi.

A visão futurista de Telê se confirmou. Atualmente, 14 estádios da Série A usam a grama que o treinador ajudou a trazer para o Brasil. Telê chegava antes dos treinamentos para procurar buracos e exigir soluções imediatas. A preocupação deixou um grande legado para o clube paulista, que hoje colhe os frutos da ótima estrutura. Um dos exemplos é a manutenção do campo do Morumbi. Para evitar treinamentos no local, mesmo aqueles antes dos jogos, o clube faz os cuidados do campo 1 do seu centro de treinamento exatamente da mesma maneira que são feitas no estádio. Com isso, o famoso reconhecimento do gramado ‘in loco’ não se faz necessário.

- Colocamos exatamente a mesma quantidade de adubo, água, enfim, tudo igual. O campo 1 do CT é exatamente igual ao do Morumbi - garante Daniel Tapia.

A grama Esmeralda ainda é encontrada em alguns estádios do Brasil, como a Arena do Jacaré, em Sete Lagoas (MG), mas não suporta o desgaste como as gramas Bermuda. Um exemplo foi a final da Copa do Brasil do ano passado, quando Vitória e Santos decidiram o título no então péssimo gramado do Barradão. Naquela oportunidade, a Esmeralda virou lama diante das fortes chuvas e da sequência de jogos.




O futebol brasileiro teve um salto de qualidade nos gramados no final da década de 1990, com o cruzamento em laboratório formando Bermudas híbridas (Cinodon dactilum x Cinodom transvaliensis). Esta variedade resultou na Tifton, Tifway 419, ITG 6 e Celebration, entre outras, sendo ainda mais resistente ao pisoteio e marcando um crescimento muito rápido.

Sementes de grama de inverno conservam o gramado de verão

Gramado do Engenhão e do Serra Dourada, a Bermuda Celebration é o que há de mais novo em termos de pisos esportivos no Brasil. Com a recuperação ainda mais rápida em relação aos 'primos' Bermuda, a Celebration pode atingir o crescimento de um centímetro em apenas 24 horas, minimizando o desgaste. No entanto, a espécie requer cuidados maiores, como uma adubação mais complexa, exigindo consequentemente mais investimento dos clubes.

Mas, mesmo diante de tantas variações de gramados de verão, da Batatais à Bermuda, os estádios brasileiros ainda sofrem durante o inverno, período em que os gramados crescem menos devido ao frio e à menor incidência de luz do sol, combustível vegetal. Por isso, a exemplo do que é feito no Uruguai e na Argentina, os agrônomos brasileiros passaram a adotar a técnica do 'Overseeding', a plantação de sementes da grama de inverno Ryegrass PHD. O procedimento é feito atualmente em todos os estádios do sul, de São Paulo e Rio de Janeiro.

- A grama de verão (Bermuda) não morre, mas cresce pouco no frio e, por isso, temos a necessidade de plantar a grama de inverno junto com a de verão. Lá por outubro, quando o inverno acaba, essa grama morre e a Bermuda, que estava adormecida, volta a crescer - explica Bruno Coev, supervisor de patrimônio do Vasco.

Sem a ajuda da grama de inverno, o desgaste da Bermuda fica praticamente irreparável, como aconteceu este ano na Arena da Baixada. Houve um atraso de três meses na entrega das sementes, importadas, e a semeadura tardia fez com que o piso passasse a sofrer desgaste e muitas críticas.

- Era para plantarmos em abril, mas fizemos só no final de junho em função do atraso na importação. No frio, a Bermuda não cresce mais e o desgaste fica nítido - diz Flávio Vaz Teixeira, engenheiro agrônomo do Atlético-PR.

Além da espécie mais resistente, o que pesa muito para a conservação de bons gramados brasileiros, como a Vila Belmiro, Olímpico, Beira Rio, Morumbi e Ressacada, é o corte feito com a moderna máquina helicoidal, que consegue manter o campo na mesma altura de grama, além de não estragar as folhas durante a poda. Outro fator fundamental é a drenagem. É consenso entre os agrônomos que, sem um bom escoamento da água, os gramados não resistem.

O caso da Vila Belmiro é simbólico. De mais criticado do país na década de 1980, o campo se transformou num verdadeiro tapete a partir de 1996, após a reforma do sistema de drenagem.

- Antes, o gramado ficava num nível abaixo da rua, toda a água da chuva caía alí, chegando a ter algumas vezes alagamento em uma das traves. Na obra que fizemos em 1996, com o dinheiro da venda do Giovanni para o Barcelona, levantamos o nível do gramado e colocamos embaixo uma espécie de piscina de plástico para receber esse grande volume de água. Atrás do gol dos visitantes há um cano que capta água e duas bombas de sucção a vácuo. Quatro sensores computadorizados controlam o nível de água no gramado, mesmo quando chove muito. É tudo automático. Com isso, a gente tem condição de determinar o nível da água que fica nesta piscina - conta Luiz Fernando Vella, gerente de patrimônio e segurança do Santos.

Mas a obra não foi barata.

- O investimento foi de 1 milhão de dólares quando o dólar estava 1 para 1 com o real.

Antigamente, os campos brasileiros eram instalados sob superfície argilosa, o que dificulta muito o escoamento da água. Agora, as camadas estão divididas com mais areia, como acontece no Morumbi (veja na imagem abaixo).

Fazer do campo de jogo uma superfície plana e bela é uma tarefa árdua, requer muitos cuidados diários e investimento a longo prazo. Os gramados hoje são mais resistentes, suportam bem mais o pisoteio, e só perdem em um quesito para as gramas antigas: não tiveram o prazer de receber Garrincha e Pelé.




Fonte: GloboEsporte.com