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Ricardo Gomes fala sobre a evolução do futebol brasileiro
Sábado, 13/08/2011 - 18:20
No subúrbio de Estocolmo, um time recém criado, o Kista Galaxy, surge com o propósito de seguir o modelo de jogar futebol da Espanha e, em particular, do Barcelona. Mundo afora, técnicos enxergam os espanhóis como referência. Amanhã, às 20h (de Brasília), caberá à seleção brasileira sub-20 enfrentar a Espanha pelas quartas de final do Mundial da categoria, em Pereira, na Colômbia. Se os conceitos que servem de base para a escola espanhola não são estranhos à história do futebol brasileiro, como a posse de bola e o jogo de toques rápidos e com qualidade, o fato é que os rivais de amanhã vêm, pouco a pouco, substituindo o Brasil no papel de modelo para o mundo.
Quando assumiu a seleção sub-20, Ney Franco, junto com Mano Menezes, técnico da equipe principal, assumiu o compromisso de não permitir que as seleções do país, desde a base, se distanciassem das tradições da escola brasileira. Hoje, Ney admite que a Espanha virou uma espécie de modelo mundial. Assim como outros treinadores, entende que o toque de bola está enraizado na cultura nacional de jogar futebol. No entanto, há um caminho por seguir: ser um time compacto, agrupado em campo e capaz de jogar com a rapidez e a inteligência que a Espanha e, em especial, o Barcelona fazem.
— Após a última Copa do Mundo, muitas seleções e times passaram a jogar no 4-2-3-1, por influência da seleção da Espanha. No Sul-Americano Sub-20, só o Chile não jogava assim. O Barcelona usa conceitos parecidos, mas joga com três atacantes. A história brasileira, desde os anos 70, aponta para dois volantes, dois meias e dois atacantes. O jogador brasileiro tem qualidade técnica para fazer um time dominante, com posse de bola, como os espanhóis. A questão da cultura tática eu nem acho determinante. Para mim, o fundamental é o tempo de treinamento para tornar o time compacto, saber a hora de segurar a bola, de pressionar a saída do adversário ou de marcar atrás — analisa Ney Franco. — Na Espanha, e no Barcelona em especial, isso é muito enraizado. Lembro que em 1996 eu era técnico do juvenil do Cruzeiro e joguei um Mundialito no Chile. O time do Barcelona já era agrupado, buscava a posse de bola e, em qualquer situação de jogo, mantinha três atacantes.
O fato é que, até no Brasil, o olhar se volta para o futebol espanhol. O técnico Caio Júnior, do Botafogo, admite usar os europeus como modelo. Enquanto exalta a qualidade técnica do jogador nacional, vê a questão cultural como uma das barreiras para dar aos times e seleções locais uma cara semelhante.
— Desde quando estava no Qatar, tentava seguir este modelo de posse de bola, futebol ofensivo e muita compactação. O fato de o time deles jogar sempre muito próximo, faz com que as triangulações aconteçam com muita rapidez e facilidade, quase que automaticamente. A marcação também acontece de forma mais natural. É isto que nos falta atingir — diz Caio. — Talvez seja preciso tempo para o jogador brasileiro atingir o mesmo nível de entendimento tático. Por vezes, você passa a ideia mas nota que alguns jogadores não entendem. Ou dizem que entendem mas, na verdade, não captaram. Pode até ser um problema decorrente do nível cultural do jogador.
A avaliação de Caio Júnior sugere uma outra discussão. Seria necessário sair do Brasil para que o jogador nacional adquirisse a tal “cultura tática” e conseguisse aliar a qualidade técnica nata ao dinamismo do futebol espanhol? O treinador alvinegro acha que não.
— O segredo está no investimento nas divisões de base, com técnicos preparados e uma filosofia moderna de enxergar o futebol. Assim, você terá jogadores com possibilidade de render melhor taticamente, mesmo ficando no Brasil.
Sai técnica, entra correria
A avaliação de Caio vai na linha do que pensa Ricardo Gomes, técnico do Vasco e com larga experiência no futebol europeu, em especial na França. Ele lembra que a implantação de uma filosofia consumiu tempo:
— A filosofia começou a mudar nos anos 80 e, hoje, os times entram muito bem resolvidos em campo.
Ricardo Gomes lembra que o Brasil atingiu, após a conquista da Copa do Mundo de 1970 e, ao longo dos anos 80, seu apogeu como escola a ser seguida no mundo. Mas que, em outros momentos de sua história, mesmo quando aparentemente viveu entressafras, encontrou soluções para adaptar a seleção à escola nacional.
— Rapidamente o Brasil vai encontrar soluções. Em 2002, o time não tinha credibilidade quando chegou ao Mundial e ganhou o título.
As palavras do técnico Abel Braga, do Fluminense, dão uma dimensão da influência da Espanha e do Barcelona no Brasil. Ao menos no ideal de futebol que os treinadores buscam. Mas ele acredita que a atual escola espanhola tem muitos traços característicos da tradição brasileira. Abel conta que, em seu recente retorno ao futebol brasileiro, a “correria” que hoje está implantada no país o assustou.
— Eu acho que tudo que é bom deve ser seguido e os espanhóis seguiram tudo aquilo que o Brasil já teve no seu futebol. Hoje, aqui no país, tem muita correria. Nem nos Emirados Árabes vi tanta correria assim — conta o treinador. — Não estou falando para deixar de correr, mas não podemos abdicar do futebol técnico que eles copiaram da gente no passado recente. E o exemplo é este mesmo, o Barcelona, um 4-3-3 maleável, com muito toque de bola.
Quartas começam hoje
Por falar em Barcelona, é uma Espanha com a cara do time catalão que a seleção sub-20 do Brasil vai enfrentar amanhã.
— É um time que valoriza a posse de bola e que, taticamente, é bem parecido com o Barcelona. Joga com três atacantes, dois deles bem abertos. No entanto, em alguns momentos, o time deixa a defesa exposta — afirma Ney Franco. — Vai ficar para trás, neste jogo, um time com potencial de conquistar o Mundial.
O vencedor de Brasil x Espanha vai enfrentar França ou Nigéria, que jogam também amanhã, às 17h. Hoje serão definidos os dois primeiros semifinalistas do Mundial Sub-20. Às 19h, a Argentina, hexacampeã da competição, joga contra Portugal. Às 22h, a Colômbia, dona da casa, enfrenta o México.
Fonte: O Globo