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Dinamite sugere a implantação de uma UPP na Barreira do Vasco


Domingo, 26/06/2011 - 16:37

Instalado na Avenida Brasil 4.900 e vizinho à Vila do João, o posto Passaredo mantém apenas duas bombas de combustível funcionando. A loja de conveniência está desativada, tem várias marcas de bala e serve para abrigar os seis empregados em dias de tiroteio. Mas o frentista Eduardo Cordeiro, de 62 anos, funcionário do lugar há cinco, revela: de olho na chegada de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) ao Complexo da Maré, um empresário comprou o posto e anunciou que vai reformá-lo, deixando o estabelecimento aberto 24 horas por dia.

— Não tenho reclamação. Nunca mexeram com a gente — diz Cordeiro, referindo-se aos bandidos. — Só que os clientes têm receio, se afastaram do posto.

Na contagem regressiva para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, e após a ocupação da Mangueira no domingo passado, favelas e complexos estão se preparando para a pacificação. Moradores e representantes de entidades com sede em favelas — alguns pedindo anonimato, com medo de retaliações — revelam que, em comunidades próximas a lugares que sediarão as competições, a discussão sobre as UPPs corre de boca em boca. Não só entre moradores como entre comerciantes e até criminosos.

No Complexo da Maré, diz A., a facção criminosa que controla oito das 15 favelas já contabiliza perdas mensais de R$ 75 mil, sem contar o arrecadado com a venda de drogas. Os traficantes lucram mensalmente R$ 25 mil com a taxa paga por comerciantes. Outros R$ 50 mil são entregues por donos de mil máquinas caça-níqueis do Timbau e da Baixa do Sapateiro.

No Vidigal, para não atrair a atenção da polícia, o tráfico tem adotado estratégias, como evitar o uso de armamento pesado nas ruas.

— O tráfico não é ostensivo. Não se veem mais motoboys carregando traficantes armados. Em casa, é comum as famílias conversarem sobre a pacificação, mas evitam falar disso nas ruas — conta o morador R.

Na Maré, ocupação é esperada para julho

A expectativa na Maré é que a pacificação chegue ao complexo em julho. A aposta se deve à transferência da sede do Bope para a região e à saída das Forças Armadas do Alemão:

— Os militares poderiam sair do Alemão e ocupar a Maré. Quartéis do Exército são nossos vizinhos — diz A., morador há 40 anos do Timbau.

Segundo A., os três grupos de criminosos da região — a Maré é controlada por duas facções de traficantes e uma quadrilha de milicianos — já analisam os prós e contras da ocupação:

— O tráfico vai ter um exército menor e não precisará de armas. É menos custo. Dizem ainda que não vai haver uma paralisação total da venda de drogas, porque existe mercado.

Para o geógrafo Jailson de Souza e Silva, coordenador-geral do Observatório de Favelas, entidade com sede na Maré, a pacificação no complexo e em outras comunidades será sem confrontos:

— No Alemão era um grupo só, forte, que dominava uma área grande. A Maré é maior que o Alemão, mas é dividida entre organizações criminosas, o que diminui as possibilidades de reação. Além disso, se o Estado quiser, entra em qualquer lugar. Não há como oferecer resistência. Eles (os criminosos) não são bobos nem loucos.

Jailson acha que a pacificação não deve ter como foco apenas a Copa e as Olimpíadas. E diz que a ocupação deve ser acompanhada de políticas públicas, para que a Maré alcance indicadores sociais e econômicos da média da cidade até 2016.

Presidente da Associação Comercial do Rio, Antenor Barros Leal afirma que a pacificação tem reflexos positivos na economia, pois incentiva a revitalização de áreas abandonadas no entorno de favelas e a legalização do comércio informal. Com a ocupação dos complexo da Maré, do Caju e de outras comunidades ao longo da Avenida Brasil, uma das vias de entrada da cidade, ele acredita que imóveis abandonados serão reocupados:

— Quanto mais empresas, mais empregos.

Na Avenida Brasil, quando traficantes do Parque Alegria, no Caju, e do Parque Arará, em Benfica, entram em guerra, motoristas ficam no meio do fogo cruzado. Nas duas comunidades, moradores sonham com uma UPP:

— Deveria existir UPP em todo lugar. Uma vizinha estava na laje e levou uma bala perdida — conta o aposentado S., que mora no Arará.

No Parque Alegria, o medo impera:

— Vivemos oprimidos. Acabou a história de tráfico proteger morador. Todos querem UPP, mas não podem falar — lamenta a dona de casa P.

A Secretaria de Segurança reafirma a meta de implantar 40 UPPs no estado até 2014 (já foram instaladas 18). Embora sem antecipar seu cronograma, o órgão confirma que o Parque Alegria está dentro do seu planejamento, assim como outras favelas das zonas Norte e Oeste.

Cotado para abrigar os jogos de rúgbi dos Jogos de 2016, o campo do Vasco da Gama é vizinho à favela Barreira do Vasco. Apesar da boa convivência, o presidente do clube, Roberto Dinamite, fala da importância de uma UPP na comunidade:

— Se haverá UPP na Mangueira e no Tuiuti, que ficam no entorno, por que não na Barreira do Vasco? — pergunta Dinamite. — Tudo que atende à demanda por segurança é bom para o Vasco e a população.

Na Barreira, até a Igreja Nossa Senhora dos Pobres e o posto policial estão furados a bala. Presidente da associação de moradores, Vânia de Souza diz que a expectativa é grande:

— Até na escola as crianças falam na pacificação. O nosso medo é que, depois das Olimpíadas, tudo acabe.

Na Zona Sul, há moradores com inveja de comunidades pacificadas:

— O morador quer ter o seu direito de ir e vir garantido — diz J., que vive na Rocinha.

A favela, próxima a bairros de classe média alta — São Conrado e Gávea — e de uma autoestrada, espera mais do que segurança:

— Brigamos para ter serviços públicos, inclusive a Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça. Os usuários não vão deixar de usar drogas com a UPP. É preciso ressocializar — diz o presidente do Movimento Popular de Favelas, Willian de Oliveira.

Diretor de Urbanismo da Associação de Moradores do Alto Gávea, Luiz Fernando Peña espera que, a exemplo do Alemão, a ocupação da Rocinha ocorra sem violência e, no futuro, ajude a valorizar os imóveis da região. Vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Ruben Vasconcelos confirma os benefícios da chegada de uma UPP:

— Na Tijuca, o metro quadrado era vendido a R$ 1.800 e, hoje, bateu os R$ 6 mil. No caso da Rocinha, a valorização é certa. Quando for implantada a UPP, o metro quadrado da Praia de São Conrado vai bater o da Barra.

Colada no Engenhão, a Favela Belém- Belém é pequena, com cerca de 200 casas, e controlada por milícia. O mesmo grupo está numa favela próxima, a Fernão Cardim. Moradores e comerciantes das duas comunidades esperam que, com a pacificação, deixem de pagar taxa aos milicianos:

— Todo mês, as famílias pagam R$ 10 e os comerciantes R$ 20 para os milicianos — conta H.

Não muito distante do Engenhão, a Favela do Jacarezinho também está na rota da pacificação. Presidente da associação de moradores, o MC Serginho defende a população.

— O Jacarezinho é pacífico. Aqui não tem agressão a policial, fechamento de rua — diz Serginho, que também luta pela inclusão social. — A comunidade está abandonada.

A Zona Oeste também está na lista de espera pela UPP. Na Favela do Fumacê, em Realengo, perto dos equipamentos olímpicos de Deodoro, os moradores querem a pacificação para evitar mortes como a de um jovem de 14 anos, atingido por bala perdida enquanto jogava bola:

— O povo aqui ia ficar muito feliz com a UPP — diz M.

Presidente da Federação de Favelas do Estado do Rio, Rossino Castro Diniz diz que as favelas não aguentam mais tráfico e milícia.

— O estado tem que fazer algo. Em 80% das favelas ainda há tráfico, só acabou o armamento ostensivo. Se isso não for corrigido, teremos problemas na Copa e nas Olimpíadas.

Fonte: O Globo