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Joel Santana diz que Vasco tinha time melhor do que o do Urubu em 2001


Sexta-feira, 27/05/2011 - 22:18

Joel Santana chega apressado à entrevista e com hora para sair por conta de outro compromisso. Deixa o telefone celular no silencioso, ajuda a equipe a colocar o microfone, senta-se e abusa da irreverência. As duas primeiras perguntas da conversa, num restaurante bem perto da praia da Copacabana, na Zona Sul, são dele. A resposta também.

- Vamos falar sobre o quê? Sobre Pet? Ele é meu amigo, mas não vou jogar confete para ele, não.

Se Zagallo se arrepia ao falar do dia 27 de maio de 2001, Joel tem calafrios imunes aos 62 anos de idade, três décadas como treinador e oito títulos cariocas, além de um nacional e internacional com o Vasco. Não fosse o gol de Petkovic, seriam nove conquistas estaduais.

- Não preciso assistir. Aquele lance está aqui (aponta para a cabeça) - disse o comandante vascaíno naquela época, ao se recusar a rever a jogada que deu o tricampeonato ao Flamengo do Velho Lobo.

Convencido pela reportagem, Joel, atualmente sem clube, enxerga um Joel mais magro na tela do computador. Já vitorioso, dez anos mais moço, expressão sisuda à beira do gramado do Macaranã. Chateado mesmo, quase com cara de choro. Aquela falta, aqueles 43 minutos do segundo tempo, aquela derrota... nem a prancheta nervosa - como ele diz - evitaria.

- Quando o árbitro marca a falta naquele momento do jogo (assista ao vídeo ao lado), e o Flamengo com um batedor como o Pet, você não gosta de um lance de frente para a área para um jogador daquela qualidade. Só numa falta batida com aquela competência e com aquela qualidade é que poderia sair um gol. Como saiu.

Um lance marcante mesmo para quem tem tanta história para contar. Mais um dentre tantos que contrariam a lógica.

- Meu time era muito melhor que o do Flamengo. Pelo que me lembro, tinha Romário, Euller, Viola, tinha Pedrinho, tinha Jorginho. Tinha Juninho Paulista, Juninho Pernambucano. Olha só! Estava esquecendo esses dois jogadores. A nossa campanha, a nossa vantagem era muito grande - analisou Joel, cometendo equívoco apenas na escalação de Juninho Pernambucano, que já havia deixado o clube.

Depois da vitória do seu time na primeira partida da final, por 2 a 1, a derrota pelo mesmo placar levaria o título para São Januário. Pet estabeleceu o 3 a 1. A vantagem não resistiu ao talento do sérvio, algo que o treinador faz questão de ressaltar.

- Sobre Pet, Romário, Roberto (Dinamite) e muitos e muitos outros jogadores, você não fala muito porque o nome já diz que são diferenciados. Ele é top de linha. Para jogador mais ou menos é que a gente fica dando explicação.

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Revendo o lance, uma das imagens antes da cobrança é a sua expressão chateada pela marcação da falta. Era um momento em que dava para ter parado o jogo no meio-campo, não precisava ter deixado a bola chegar tão perto da área?

É muito fácil falar depois de vários anos, arrumar algum tipo de desculpa, algum tipo de defeito. Algumas coisas no futebol acontecem ali na hora. Eu nem achei que foi falta assim. Mas foi questão da arbitragem, e ele (o ex-árbitro Léo Feldman) deixou o lance correr. O lance seguiu com um córner que nós fizemos e não sabíamos se era córner ou falta. Quando ele marca a falta naquele momento do jogo, e o Flamengo com um batedor como o Pet, você não gosta de um lance de frente para a área para um jogador daquela qualidade. Apesar de que, minutos antes, ele tinha pedido para sair. Ele e um outro jogador, não me lembro quem foi, que estava com o joelho inchado. E o Pet com muita cãibra. Aí o preparador físico tirou o outro jogador. Ele permaneceu. Pela distância da bola e pelo goleiro que tínhamos, que é um baita de um goleiro, o Helton, que está lá no Porto agarrando muito, só numa falta batida com aquela competência e com aquela qualidade é que poderia sair um gol. Como saiu. Foi um lance de pura qualidade técnica de um jogador que resolveu um clássico. Foi um jogo atípico, porque no primeiro tempo jogamos muito bem, mas deixamos criar uma jogada que era a única que poderia sair o gol naquela altura dos acontecimentos.

Seu time era melhor que o do Flamengo?

Meu time era muito melhor que o do Flamengo. Pelo que me lembro, tinha Romário, Euller, Viola, tinha Pedrinho, tinha Jorginho. A nossa campanha, a nossa vantagem era muito grande. Realmente, se você colocasse no papel, o time do Flamengo era muito novo. O Juan (zagueiro, hoje no Roma) estava na primeira decisão, que é um jogador que eu conheço muito bem. Tem tanta qualidade que foi a duas Copas do Mundo (2006 e 2010). O Fernando estava chegando. O Julinho (Julio César, goleiro do Inter de Milão) estava começando. Olha a qualidade dos jogadores. Hoje, todos em grandes equipes, todos em Seleção Brasileira. Jogadores que estavam crescendo, que eu comecei a lançar quando estive no Flamengo. Sabia da qualidade e da competência desses jogadores. Não abrir a vantagem no primeiro tempo deu ao adversário condições de ele lutar pelo jogo até o fim.

Como foi a conversa com o time antes do jogo?

O time estava tranquilo. Nós vínhamos fazendo uma campanha de Libertadores e de Campeonato Carioca muito boa. Depois do nosso primeiro tempo, entramos reclamando muito no vestiário, pela quantidade de gols que nós perdemos. E nós sabemos que em clássico você não pode perder tantos gols. E no segundo tempo foi um jogo lá e cá, lá e cá. Antes desse lance do gol, nós tivemos uma oportunidade muito mais clara e não conseguimos fazer. Era jogo de um detalhe. E em um detalhe o Pet foi lá e matou o jogo.

O fato de o Vasco ter perdido os dois campeonatos anteriores fez o grupo entrar sob uma pressão maior?

O time era muito maduro, cara. Nosso time era frio. Fomos o clube que ganhou mais jogos seguidos na Libertadores daquele ano. Foram oito jogos seguidos. O time era maduro, plantado, postado. Time que sabia o que queria em campo, tinha maneira de jogar, nossas mexidas eram certas. Infelizmente no futebol o resultado final é o que conta. Era um time muito bom. Talvez um dos melhores times em termos de jogadores que eu trabalhei. Era muito compacto. Mas naquele jogo o Flamengo foi mais feliz.

O gol aconteceu aos 43 minutos do segundo tempo. O Vasco já comemorava. Você lembra da imagem do Eurico Miranda (ex-presidente), à beira do campo, fumando charuto?

Não me lembro, não olhei para trás. Só olhei para trás no momento da falta, que eu vi até um profissional que hoje está no Flamengo, que é o professor Isaías (Tinoco, gerente de futebol rubro-negro). Olhei para ele como se dissesse “esse não era o momento de fazer uma falta daquelas". Porque sabíamos da competência, da qualidade que eles tinham.

Faltou um pouco de malandragem?

Faltou um pouco de experiência, não é nem malandragem. Você agride a bola (os jogadores que estão na barreira costumam avançar). Mas isso você aprende no júnior, no juvenil. Quando chega ao profissional, não precisa nem avisar uma coisa como essa. É uma coisa normal. O árbitro contou a distância da falta, os 9,15 m da barreira, e ninguém tentou cortar um pouquinho o pensamento do jogador. Se um tenta agredir a bola, aí o árbitro vai mandar voltar. Depois um outro agride, ele vai dar cartão, mas que se dane! Se agride o time todo, ele não ia mandar repetir. Mas isso é futebol. Você ganha, empata ou perde. Você tem de saber ganhar, como já ganhei muitos títulos, e tem de saber perder. Perdemos porque faltou um detalhe no fim do jogo. Detalhe que nesse tipo de jogo não pode deixar faltar. E se faltar você vai perder de novo.

Houve alguma conversa no vestiário depois da derrota?

Não dá para falar, não tem conversa. É título, principalmente de um campeonato que nós corremos tão na frente. Nós viemos na frente o campeonato todo. Ali, no final, tivemos algumas situações de lesão. Na realidade, nós tivemos uma sequência de jogos em 15, 20 dias, muito dura. E nós perdemos duas competições, a Libertadores e o Campeonato Carioca. A Libertadores porque jogamos duas vezes contra o Boca (Juniors, da Argentina) e duas vezes contra o Flamengo. Nosso desgaste foi muito grande. Até ali, antes de chegarmos às decisões, a equipe estava muito boa. Mas nós perdemos o nosso principal jogador, que era o Romário. Ele teve uma contratura na perna num jogo que nós fizemos no Chile, pela Libertadores. E essa perda foi sentida porque ele era o artilheiro, era o finalizador, era o ídolo. E era como se fosse um coringa. Você não pode perder um coringa num jogo final. Mas é futebol. É assim. Já ganhei título aos 43 e perdi esse com gol aos 43 também. Futebol você ri e chora ao mesmo tempo. Mas só quem chega em tantas finais como eu cheguei tem condições de contar um jogo como esse, onde o Vasco tinha uma equipe muito boa e o Flamengo tinha uma equipe se reformulando muito boa também.

Lembra do jogo com frequência?

É mais um dos jogos que passam pela minha cabeça das decisões. É um dos jogos que vão fazer parte do meu livro também. Não vai ser só de vitórias, de oito cariocas conquistados. Este seria o nono. Com esse título, eu estaria como o líder absoluto de títulos nesse estado. Mas foi legal, foi um campeonato muito bacana.

Nós entrevistamos o Fabiano Eller, que foi quem cometeu a falta, e ele disse que consegue olhar para o gol e ver só um belíssimo lance. Você consegue ver essa beleza também?

O gol foi muito bem feito. Você vê nas imagens que a bola praticamente sai da direção do gol, pega um efeito e volta para dentro do gol. O Helton consegue ir nela, consegue esbarrar a ponta dos dedos na bola. Mas é uma precisão muito grande. É uma em cem que você acerta. E ele acertou. Só uma qualidade de um jogador como o Pet, Juninho Paulista, Juninho Pernambucano. Opa! Esqueci desses dois jogadores. Olha só. Olha o nosso time, que time que era. Só um jogador assim teria competência de fazer um gol naquele momento. O cara tem que ter a precisão, é um tiro só, matar ou morrer. Ele matou e a gente morreu.

Aquela derrota encurtou sua passagem no Vasco naquele momento?

Não sei. Um título é um título. Você não ganha todo dia. Você não bota sua fotografia dentro do estádio todos os dias. Só com título. Equipes se renovam a todo momento. Esse título estaria gravado lá nos murais do Vasco como todos os títulos que eu ganhei lá. Mercosul, Campeonato Brasileiro, Campeonato Carioca, campeonato invicto, Copa de Ouro.

O que você pode falar do Pet?

Um craque que nem precisa falar muito. Craque a gente não fala muito, sabe da competência do jogador. Jogador que não é bom a gente fica falando muito. Pet, Romário, Roberto (Dinamite) e muitos e muitos outros jogadores você não fala muito porque o nome já diz que ele é diferenciado. Ele é top de linha. Jogador mais ou menos a gente fica dando explicação.

Já conversou com ele sobre o gol?

Rapaz, encontrei com o Pet há três meses, dois meses, na casa de um amigo. Mas nós não falamos sobre isso não, cara. Falei com o árbitro do jogo uma vez, falei que não foi falta e perguntei o que o levou a deixar o lance correr e depois voltar a jogada. Ele falou que o Vasco, naquela oportunidade, parecia um time de anjo. Realmente aparece na imagem que a defesa não agrediu a bola. Se ela agride, o árbitro não mandaria voltar. Estava muito em cima para terminar o jogo. O time ficou muito correto, obedeceu muito a regra do jogo. Ali, claro que tem de obedecer, você tinha de ser desobediente. Jamais aconteceria esse lance com um time espanhol ou com um time italiano. Eles agrediriam a bola para mais de cinco metros para tirar a visão do batedor.

Vitórias definem a história de uma pessoa, mas as derrotas marcam de uma maneira importante. Nesses dez anos, acha que algo teria sido diferente na sua vida?

Às vezes, você aprende mais na derrota do que na vitória. Futebol é um jogo como outro qualquer. Tem que saber jogar o jogo. Às vezes, a vitória deixa você de tal maneira que não se preocupa com o futuro. A derrota vai mostrar onde errou para melhorar. Seria mais um título dentro da minha carreira. Depois daquilo, conquistei outros em função daquele jogo. Aquele jogo marcou como qualquer outro marcaria. Temos de aprender que na vida a gente não vence tudo. Claro que ninguém gosta de perder, também não gosto, principalmente num clássico. Como já passei pelos quatro clubes e já decidi por todos os clubes contra todo mundo. Olha só! Foi normal. Os oito títulos que ganhei não tenho preferência, ficaram gravados na minha vida como ficou esse que nós perdemos.

Você tem saudade daquela época?

Tantas coisas se passaram na minha vida. Estou lembrando até de fatos que não lembrava mais. Quando foi aquilo? Foi em 2001. Nem me lembro para onde fui em 2002, 2003. Eu sou um andarilho, sou um cigano, aí já passei por diversas equipes, já voltei no Vasco, já fui no Flamengo, já voltei no Fluminense, já fui no Botafogo, é muito difícil ficar lembrando de dez anos atrás. Tenho de parar e começar a narrar, ir lembrando o que aconteceu. Realmente foi um jogo diferenciado e talvez jamais eu esqueça.

Quando o time do Vasco foi dar a saída de bola, dá para ver que você não conseguiu falar nada para os jogadores. Tentou?

Não dá para falar nada. Acho que uns dois se jogaram no chão porque ninguém esperava tomar um gol naquele momento. Como vai falar mais alguma coisa faltando um minuto? Não tem condição.

Lembra de ter olhado para as arquibancadas do Maracanã? Lembra da reação das torcidas?

Tem coisas na vida que você não vê mais nada, não escuta mais nada. Fica quieto. Mesma coisa quando é campeão. Bate aquele lance na sua cabeça. Na maioria dos títulos fui para o vestiário. A ficha só vai cair no outro dia. A mesma coisa num jogo como aquele. A ficha não cai. Até cair demora um tempo. Mas não é por isso que o mundo acabou.

E quando caiu a ficha?

Não sei te explicar. Em dez anos muitas coisas aconteceram na minha vida. Vai ver que ela caiu e eu até esqueci. Foi embora, já era. A vida continua, cara. Não tenho de murmurar coisas que perdi. Temos de lembrar coisas que fazem bem. Você foi um grande infeliz fazendo essa matéria (risos). Você não se deu bem, cara. Você vai cortar isso daí, sei que você vai cortar (risos). Mas essa é a parte boa da matéria. Tinha tanta coisa para falar sobre mim. A ficha já era, já foi, acabou. Gosto de lembrar de coisa boa. Todo mundo se lembra de festa, ninguém se lembra de morte. Eu sou assim. Coisa ruim eu passo a borracha, deleto. Coisa boa eu lembro todo dia. Se você fosse falar dos meus títulos, eu ficaria com você dois dias. Mas você é alemão (gargalhadas). Mas a matéria foi legal, está tudo certo. Vamos que vamos. Não é por isso que você vai ser meu inimigo. Toca aqui!


Joel Santana não esconde que a derrota de 2001 o marcou


Fonte: GloboEsporte.com