O pés pequenos, número 35, desafiavam a física. Sorte que a estatura baixa, apenas 1,66m, conseguia estabilidade sob o minúsculo tamanho de chuteira. Estes pés fizeram história no futebol brasileiro. Em especial, em São Paulo, pelo Corinthians. Mas foi no Rio de Janeiro que eles deram os primeiros chutes (Madureira e Flamengo) e depois de dez anos marcaram época no Vasco. Estes pés, apelidados de "Pé de Anjo", pertencem ao hoje empresário Marcelinho Carioca.
O iG foi ouvir o ex-jogador, herói do último título estadual pelo time de São Januário. Em 2003, após duas temporadas no Gamba Osaka, do Japão, o meia desembarcou no Rio, de onde saíra, contrariado, em 93. Trocara a Gávea pelo Parque São Jorge. Relutou, mas foi voto vencido dentro da sala da presidência.
Quis o destino que no Corinthians ele se transformasse no maior vencedor da história do clube alvinegro. Em oito anos, conquistou dez títulos. Porém, um mal-estar com Ricardinho e outros jogadores resultou na sua saída, em 2001. Negociado com o Santos, ficou apenas um semestre, arrumando as malas rumo ao futebol japonês.
Oferecido ao Vasco, acertou com o time carioca depois de cinco minutos de conversa por telefone com o ex-presidente Eurico Miranda. No Rio, superou a desconfiança da torcida pelo seu passado rubro-negro, entendeu-se com Petkovic sobre as cobranças de falta e se sagrou campeão carioca – eleito o melhor jogador da competição.
Nesta entrevista, Marcelinho fala do carinho pouco divulgado pelo Vasco e revela detalhes da sua passagem por São Januário.
Como foi chegar ao Vasco em 2003?
Voltei ao Rio depois de dez anos e fui muito bem recebido no Vasco. Outros clubes haviam demonstrado interesse, mas o Eurico (Miranda, ex-presidente) foi rápido demais. Em cinco minutos de conversa, ficou tudo resolvido.
O que ele fez assim de tão eficiente para você fechar com o Vasco logo no primeiro contato?
Meu (apesar de carioca, Marcelinho absorveu o dialeto paulista), o Eurico é muito esperto. Ele sabe lidar com jogador de futebol. Eu estava no Japão e ele me telefonou perguntando quanto eu queria para jogar no Vasco. Eu falei que queria contrato de dois anos, um valor determinado de luvas e salário de tanto. Ele respondeu na hora: “Não acerta, então, com ninguém, porque você é jogador do Vasco”.
E a torcida?
Ela me acolheu da melhor maneira. Não teve rejeição. O ambiente era o melhor possível. Foram oito meses ali onde eu fui muito feliz.
Não foi difícil a adaptação, principalmente para quem vinha de dois anos no futebol japonês (Marcelinho defendeu o Gamba Osaka)?
Meu, estava feliz. Na minha primeira semana, o Petkovic me chamou para uma resenha no quarto com o Marques. Combinei com o gringo que as faltas perto da área seriam dele, e as da intermediária seriam minhas. Não deu problema. Lembro que o meu primeiro gol, contra o Olaria, foi de falta. Ele me deixou cobrar e mandei a bola no ângulo. O que eu vivi no Corinthians, vivi parecido no Vasco. Eu tinha prazer de pegar a Linha Amarela, na Barra, todo dia para ir treinar em São Januário. Ia muito feliz. No Vasco, eu voltei a jogar bem, voltei a marcar gols de falta. Fiz gol olímpico, gol de perna esquerda, voltei a ser o Marcelinho de antes. Gostava do clube. Vi Léo Lima, Souza e Morais começando. Pude dar conselhos para aqueles garotos.
O Eurico te segurou no meio do caminho, não? Você quase troca o Vasco pelo futebol árabe antes da final...
Verdade. Apareceu um empresário no Vasco me procurando, o Eurico mandou me chamar e disse: “Marcelo, quem são estes caras aí?”. Eu disse que estavam aqui para me levar embora. Na mesma hora, ele disse: “Antes de me dar um título, você não sai. Quanto eles te ofereceram?”. Eu respondi o valor lá que os caras me apresentaram e ele cobriu.
O Vasco foi campeão e você acabou eleito o craque do campeonato...
É o que eu falei. Eu estava feliz, meu. Tudo caminhou para isso. Me sentia em casa no Vasco. No Brasileiro, disputei 19 jogos e marquei nove gols. Para você ver, levei a bola de prata da Placar sem disputar o campeonato inteiro. Foram dois títulos em oito meses: a Taça Guanabara e o estadual. O Vasco deixou saudade.
E hoje, como você se define: vascaíno ou rubro-negro?
Meio a meio (risos). Sou grato ao Flamengo, que foi me buscar no Madureira. O Flamengo me projetou, me formou como atleta, me deu assistente social. Sou grato ao Márcio Braga (ex-presidente). Depois, veio o Vasco. Também sou muito grato ao Vasco, que na minha volta ao futebol carioca me deu todas as condições para eu fazer história como em 2003. Fui ídolo, ganhei título, a torcida me amava. Os dois clubes foram importantes para minha carreira e para a minha vida.
Então hoje você se considera identificado com as duas torcidas?
Sim. Vou contar uma coisa que pouca gente sabe: em 2004, eu tinha um pré-contrato assinado com o Fluminense, na volta da Arábia. Só que mais uma vez o Eurico me telefonou dizendo que tinha a cara do Vasco, que não ia nada para o Fluminense e, de novo (risos), cobriu a proposta. Hoje, sou metade Vasco, metade Flamengo.
Mas o clube do seu coração virou o Corinthians?
Sim...ah...é covardia. Foram oito anos e dez títulos. Sou o maior vencedor da história do Sport Club Corinthians Paulista. O Corinthians é a minha paixão.
Voltando ao Vasco, você tem assistido aos jogos?
Tenho. Vejo que o Vasco tem um time experiente, com jogadores rodados e todas as chances de ser campeão. Já está na hora de ganhar um título.
E o que o Marcelinho Carioca tem feito atualmente?
Hoje, administro o Resort Sport Atibaia, um moderno centro de convenções com 200 mil metros quadrados, cozinha internacional e espaço para 350 pessoas. Além disso, estou indo para a quinta filial da Escola de Futebol do Marcelinho. Quero revelar novos Lucas (São Paulo), Davi Luiz (Chelsea), Willian (Shakhtar Donetsk) e Érika Santos.
Fonte: IG