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Felipe fala da boa fase, suspensão, cirurgia do pai e fim de carreira


Terça-feira, 05/04/2011 - 10:40

Felipe em momento de descontração com a famíliaFelipe não é de misturar as estações. Se fosse, talvez não conseguisse trocar os problemas pelos passes precisos e o gol que marcou no domingo. Seu pai, o ex-taxista Jorge Loureiro, operou recentemente o coração e desde então vem tendo febre atrás de febre.

As idas ao hospital viraram rotina na vida de Felipe, mas ainda sobra tempo para o futebol com os filhos, Lucas, 5 anos, e Thiago, 1. Foi entre um e outro compromisso que o apoiador recebeu a equipe do MARCA BRASIL para uma entrevista em sua casa, na Barra da Tijuca.

“Pai, vou fazer cocô!”, avisou, de algum cômodo da casa, o primogênito Lucas, num berro que invadiu o condomínio feito grito de torcida organizada. “Precisava avisar?”, respondeu, de primeira, Felipe, no mesmo tom alto, entre a reprovação e a ironia.

Com o maestro do Vasco, é assim. Não há uma ação sem reação, um castigo sem resposta. De novo por cima, o ex-jogador do Al-Sadd, que largou o Catar para reviver o amor antigo com o Vasco, ainda traz engasgado na garganta o afastamento que sofreu no início do ano, quando o trem-bala andava fora dos trilhos.

Enquanto ainda busca uma explicação para a injusta punição, Felipe faz do futebol o remédio para calar os críticos e espantar os problemas da vida. Mas nem tudo são flores no mundo da bola: as viagens e concentrações foram o tema da última conversa que teve com o amigo Juninho Pernambucano. “Ele vai sofrer”, disse.

Já está no melhor da forma física?

Eu já vinha me sentindo bem há alguns jogos. Dessa vez, fiz um gol, o que é coisa rara. Sabe como é... Com o tempo, a gente vai perdendo umas coisas e ganhando outras. Hoje, sou muito mais dedicado aos treinos do que quando tinha 18, 19 anos. Compenso a falta de velocidade da juventude com um bom posicionamento, passe preciso e inteligência.

Por que no início do Campeonato você disse que iria embora, se a torcida te considerasse o problema do time?

Nunca vou estar num lugar em que não sou querido. Nunca pedi a ninguém para ser titular numa equipe. Não vai ser diferente agora, depois de velho. Por isso, não determinei quando vou parar. Estou com 33 anos e, quando não acompanhar mais o ritmo do time, serei o primeiro a dizer que, opa, chegou a minha hora. Já faço parte da história do Vasco e não vou ficar me arrastando. Um jogador não pode manchar tudo o que fez. Não pode virar motivo de chacota.

Você acha que foi injustiçado?

Todo mundo estava chateado com aquela situação, mas tentaram me colocar como o vilão da história. Lembra da minha suspensão? Até hoje não recebi nenhuma explicação para aquilo. Não faltei a nenhum treino. Estava jogando mal? Isso acontece com qualquer um.

Seu relacionamento com PC Gusmão era bom?

Era. Pelo menos, eu achava que era. Agora, se as pessoas agem de um jeito pela frente e de outro por trás eu não sei.

Afinal, quem foi o responsável pela suspensão?

Eu não sei. A melhor pessoa para responder isso é o Rodrigo Caetano. Até agora, também não sei o motivo. Vão falar que foi pra me preservar? Ah, não foi, né? Uma coisa é um jogador ser poupado de um jogo, mas quando afastam o cara estão tentando colocar a culpa nele por algo que não está dando certo.

Ficou magoado?

Deixa pra lá. Em vez de me desmotivar, uma situação como essa só me dá força para que eu queira mostrar quem eu sou. Tenho prazer no que eu faço e levo comigo uma frase do Abel Braga: “Hoje, eu trabalho no futebol. Não dependo do futebol”.

Tem condição de parar e manter um bom padrão? E a sua família?

Agradeço ao futebol por tudo que tenho. Comprei dois mercados da rede Supermarket, que são administrados por meus dois irmãos mais velhos. Fico satisfeito se puder dar estudo e alimentação para meus filhos. Não preciso de muito. Fui nascido e criado em Higienópolis com dificuldade. Dava calote no ônibus e não tinha dinheiro para o lanche.

Ainda anda por lá?

Vou direto a Higienópolis. É passagem. Minha mãe mora lá e, meu pai, no Cachambi. Meus amigos são os mesmos da época em que eu nem era profissional. É a rapaziada que sofreu comigo. Dentro do possível, ajudo os amigos.

Por falar em amigo, você tem falado com Juninho Pernambucano?

Ele me ligou no ano passado para perguntar como estava o Vasco. Como está há mais tempo fora do que eu estava, acho que ele pode sentir muito mais. Conversamos sobre a concentração. Eu disse que será tão sacrificante pra ele como tem sido também pra mim. A gente amadureceu e é responsável. Concentrar é muito chato. Juninho também não gosta.

Você vai enfrentar o ABC?

Vou. Particularmente, não gosto de ser poupado. Odeio fazer fisioterapia, embora não tenha nada contra os fisioterapeutas. Fui poupado porque a viagem era longa e estava com dor na panturrilha.

Sem você, em Natal, o time não venceu. Acha que há uma dependência?

Acho que não. O grupo é forte. O Vasco tem vinte e poucos jogadores que podem ser titulares. Basta a torcida incentivar e deixar o pessoal à vontade. Muitos desses jogadores vêm de equipes de menor expressão e precisam se adaptar. Ou são jovens ainda. Allan e Rômulo têm um futuro brilhante. Do Allan, posso falar porque divido quarto com ele na concentração. Ele tem muita qualidade. Viu a lambreta que ele deu? Não é qualquer um que faz aquilo, não.

Por que homenageou sua mulher (Carla) no gol que marcou ?

Porque minha família sempre esteve comigo, e foram cinco anos no Catar. Vamos completar sete anos de casados no dia 23. Sou um cara privilegiado por ter saúde, fazer o que gosto e poder proporcionar aos meus filhos coisas que não tive na infância. Se bem que eu não trocava minha infância no subúrbio por nada. Meus filhos vão viver num condomínio com segurança, sem soltar pipa, jogar bola de gude e brincar de pique na rua. E a vivência de rua foi fundamental pra mim.

Por que após o jogo você citou os críticos que o acham velho? Você é discriminado?

Ah, já estou muito calejado. Um exemplo: Ronaldo, por ser um ídolo, era tratado como um jogador experiente. Nunca disseram que era velho. Mas, se não gostassem dele, teriam dito que era velho. Os críticos têm uma resistência a mim.

Por que acha isso?

Porque tiram conclusões sem me conhecer.

Você se considera marrento?

Não, mas sou sincero.

Arrepende-se de algo no futebol?

Meu único arrependimento foi, jogando pelo Fluminense, ter dado um soco num rapaz (Marcos Mendes, do Campinense) num jogo da Copa do Brasil, no Maracanã. Fui lá no tribunal e aquilo parecia um circo. Peguei quatro meses de suspensão. O futebol tem dessas coisas. Se é fulano, amenizam. Se o cara é sincero, ferram ele.

Mas, você não se arrepende?

Claro. E me arrependo por não ter feito uma história no Fluminense. Tenho muita consideração pelo Celso Barros, que sempre me tratou com respeito e merecia mais.

Havia rato nas Laranjeiras, na sua época? E em São Januário?

(Risos) Olha, eu nunca vi. Em São Januário, com certeza não tem, porque os gatos estão em tudo que é canto. Mas foi bom ter acontecido esse episódio do rato no Fluminense. Serve de alerta para o futebol carioca, que está muito atrás em estrutura. Não sou nenhum administrador, mas acho que um clube deveria deixar de contratar um jogador que fosse ganhar R$ 80 mil para investir o valor todo mês em melhorias.

Pensa em ser treinador no futuro?

Hoje, não penso. Se um dia eu for treinador, muitos vão gostar de mim porque vou acabar com a concentração. Mas vou ser exigente.

Está se preparando para encerrar a carreira? Quer parar jogando pelo Vasco?

Tenho contrato até o fim de 2012, mas vou parar quando não estiver bem. Se tiver que parar jogando no futebol brasileiro, eu gostaria que fosse no Vasco por causa da minha identificação com o clube. Mas não gosto de falar sobre isso. Vai que daqui a um tempo o Vasco não me quer... Olha, eu sou profissional. Extremamente profissional...

O Vasco é o favorito ao título da Taça Rio?

Hoje, pode-se dizer que é, mas no início do Campeonato a gente era a quarta força. Sabe qual é o lado ruim e bom do futebol? É que na quarta-feira (amanhã) a gente tem a possibilidade de manter a empolgação da torcida ou voltar à estaca zero. Se a gente não vencer o ABC, zera tudo o que foi feito até agora. Essa é a realidade do futebol. Ser considerado favorito não significa nada.

Como tem sido entrar em campo com o pai internado num hospital?

Ele vai sofrer outra cirurgia amanhã (hoje) porque está com febre e os médicos acham que algum ponto inflamou. Eu não misturo essas coisas. Posso estar com o maior problema do mundo, mas entro em campo e jogo o meu futebol. Só espero que meu pai não tenha visto o jogo de domingo. Se viu, deve ter corrido o risco de um enfarte. Aliás, quando eu soube que ele estava todo entupido, não permitia que assistisse aos jogos. Agora, ele vai ficar bom.

Apesar do problema do seu pai, ficou feliz com o desempenho na goleada sobre o Bangu?

Estou muito feliz, não pelo meu gol ou os passes que dei, mas porque é gratificante acordar e ver um monte de gente indo trabalhar com a camisa do Vasco. Sou um cara feliz.

Fonte: Marca Brasil