Há exatos dez anos, o Brasil perdia um dos grandes nomes de sua história esportiva, Adhemar Ferreira da Silva. Até hoje único representante do País a conseguir dois ouros consecutivos em Olimpíadas, o saltador foi o primeiro o homem no mundo a ultrapassar os 16 metros no salto triplo, até então considerado o limite do ser humano.
Adhemar Ferreira da Silva é tão importante para o esporte brasileiro que até o auto-suficiente mundo do futebol lhe presta uma homenagem constante. Clube onde o saltador passou os melhores anos da carreira, o São Paulo até hoje conserva em sua camisa duas estrelas douradas, em referência aos recordes mundiais obtidos pelo paulistano do bairro da Casa Verde.
A carreira dele no esporte começou por acaso. Filho de uma empregada doméstica e de um carregador de sacos, Adhemar teve a oportunidade de estudar graças à madrinha, patroa de sua mãe. Trabalhava como datilógrafo quando, em um momento de folga, viu passar um rapaz que cumprimentou um colega. Impressionado com o porte e elegância do sujeito, perguntou quem era e soube se tratar de Benedito Ribeiro, membro da equipe de atletismo do São Paulo. Interessou-se pelo esporte e foi apresentado no clube na semana seguinte.
Assim, em 1946, trocou as chuteiras dos campos de várzea pelas pistas. Praticou diversas modalidades, até que certa noite viu por acaso Ewald Gomes da Silva praticar salto triplo, esporte que até então desconhecia. Curioso, pediu para o colega lhe ensinar e, logo em sua primeira tentativa, impressionou ao chegar aos 12,84 m - para efeito de comparação, dificilmente um iniciante consegue 11 m.
A partir daí, tudo aconteceu muito rápido: títulos em torneios entre estreantes, Paulista e a obtenção do índice para os Jogos de Londres de 1948, com 15,03 m. Na capital inglesa, porém, o impacto das 120 mil pessoas no estádio de Wembley fez Adhemar ter um desempenho pífio: 14,49 m e a oitava colocação.
A experiência, porém, foi importante para a conquista quatro anos mais tarde. Sem poder levar seu técnico, o alemão Dietrich Gerner, para a disputa de Helsinque em 1952, o atleta seguiu à risca um caderno minuciosamente elaborado pelo treinador sobre como agir no dia da competição.
Àquela altura, Adhemar já era um atleta badalado, que em 1951 cravara o novo recorde mundial, saltando 16,01 m. A tática funcionou perfeitamente: logo no primeiro salto, Adhemar quebrou o recorde mundial, chegando aos 16,05 m.
O feito seria repetido outras três vezes (16,09 m, 16,12 m e, por fim, 16,22 m) na mesma tarde e daria a ele a medalha de ouro, a primeira da história do atletismo brasileiro. Ovacionado pelo público, Adhemar recebeu a sugestão de um juiz para dar uma volta pela pista a fim de cumprimentar o público e, desta forma, sem querer, protagonizou a primeira volta olímpica da história.
O destino, aliás, sempre foi um aliado do paulista. No Pan de 1955, desafiado pelo rival venezuelano Arnoldo Devonish, Adhemar quebrou o recorde mundial outra vez. Curiosamente, ele liderava a prova com 16,15 m, quando o adversário atingiu 16,13 m no último salto. O barulho no estádio mexicano o fez entender que a disputa estava empatada e ele se concentrou enormemente para a última tentativa, onde atingiu 16,56 m, superando o russo Leonid Shcherbakov, que em julho de 1953 havia feito 16,23 m.
Meses depois, já como atleta do Vasco, Adhemar ganhou seu segundo ouro olímpico ao saltar 16,36 m no Estádio Olímpico de Sidney - além da ausência do treinador novamente, o brasileiro teve um problema extra a enfrentar: uma inflamação dentária que, de tão problemática, por pouco não impediu a sua participação. O saltador ainda teria uma Olimpíada pela frente (Roma, em 1960), mas um início de tuberculose ganglionar, não diagnosticada então, minou o desempenho do brasileiro, que ficou apenas com a 11ª posição, com 15,07 m.
Ainda assim, na saída da pista, ele foi ovacionado pelo público, que o aplaudiu de pé. O momento encerrou com dignidade a vitoriosa carreira de Adhemar.
No âmbito pessoal, Adhemar Ferreira da Silva também foi diferenciado. Formado em quatro profissões (belas-artes, educação física, direito e relações públicas), além de jornalista profissional, ele era capaz de se expressar em sete idiomas estrangeiros: inglês, espanhol, italiano, francês, alemão, finlandês e japonês.
Mesmo durante a carreira de atleta, Adhemar não deixou de trabalhar e, para manter a condição de amador e não correr o risco de perder a conquista em Helsinque, chegou a recusar uma casa que lhe seria dada através de campanha feita pelo jornal Gazeta Esportiva, já que à época o Comitê Olímpico Internacional impedia os atletas de se beneficiarem materialmente de uma conquista.
Adhemar também era cantor e obteve diversos bons resultados em programas de calouros, além de participar da produção que ganhou a Palma de Ouro e o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1959, Orfeu da Conceição. Após deixar as pistas, ainda trabalhou como adido cultural na Nigéria, deu aulas de educação física e fundamentos do esporte, ajudou na organização de diversos campeonatos de atletismo e coordenou projetos sociais.
Quando coordenador de esportes da Uni Sant'Anna, Adhemar criou em 1996 o Programa de Apoio ao Esporte, que oferece a chance de cursar o nível superior e participar de jogos e treinos. Em homenagem a ele, a universidade paulista criou um troféu com seu nome, que se tornou a maior competição universitária de atletismo do País. O ídolo morreu em 12 de janeiro de 2001, aos 73 anos, vítima de um ataque cardíaco, deixando saudades.
Fonte: Gazeta Esportiva (texto), Reprodução internet (foto)
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