Se pudesse, o presidente que esticou sua popularidade ao máximo teria estendido um pouco mais as horas do dia 31 para se manter mais tempo como principal mandatário do país. Mas, por causa do expediente reduzido no Palácio do Planalto, que encerrou as atividades depois do meio-dia para preparar o cenário para a posse de Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a cadeira antes que o relógio encerrasse o ano de 2010. Já prevendo meio expediente na sexta-feira, último dia do ano, ele esticou sua agenda no Planalto, quinta-feira, até altas horas da noite, recebendo funcionários, amigos e tirando fotos. Esse clima de despedida tem marcado os dias de Lula desde novembro.
Nesta última semana nos braços do poder, Lula viveu a dualidade de quem diz tchau: saudade, muita saudade do que passou, e alívio por poder descansar e voltar a ser um cidadão quase comum para tomar uma cerveja sem que sua foto saia estampada na primeira página dos jornais no dia seguinte.
Bem-humorado e com um pé fora do poder, o presidente aproveitou esses últimos dias para falar o que dificilmente diria se ainda tivesse mais tempo de mandato pela frente. Na terça-feira, em sua última viagem a Pernambuco ainda na condição de principal mandatário do país, por exemplo, estocou um de seus principais opositores, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que mantinha o poder político no Ceará há mais de duas décadas e foi derrotado pelos aliados de Lula José Pimentel (PT) e Eunício de Oliveira (PMDB), em outubro. A derrocada fez Jereissati anunciar o fim da carreira política, para alegria dos petistas.
Em Ipojuca, no discurso que fazia no lançamento da pedra fundamental para a construção de uma fábrica da Fiat em Pernambuco, Lula travestiu-se de oposicionista e afirmou:
- Eu não poderia deixar de vir a Pernambuco, faltando dois dias, não poderia deixar. Daqui eu vou para o Ceará, vou lá também para fazer pirraça, vou lançar a pedra fundamental de uma refinaria de 300 mil barris por dia.
E, em Salvador, na quarta-feira, deu mais uma declaração em tom de bravata:
- Foi gostoso passar pela Presidência da República e terminar o mandato vendo os Estados Unidos em crise, vendo a Europa em crise, vendo o Japão em crise (...). Foi importante provar para eles que, na crise, não foi nenhum doutor, nenhum americano e nenhum inglês. Foi um torneiro mecânico, pernambucano, presidente do Brasil, que soube como lidar com a crise, com a sua equipe econômica.
Já na segunda-feira, durante café da manhã com jornalistas que cobrem o dia a dia do Palácio do Planalto, o presidente deixou claro que, apesar de ter gostado de comandar o país, também sentiu a solidão do poder. Ele lembrou que nos oito anos que viveu no suntuoso Palácio da Alvorada - reformado no início de seu primeiro mandato, a seu pedido, por algumas empreiteiras - não teve liberdade para convidar amigos, empresários ou companheiros para visitá-lo porque, se o fizesse, em sua avaliação, acabaria criando inimizades ou levantaria suspeita de que estaria beneficiando alguém. Foi um presidente e sua primeira-dama reclusos.
E disso ele não sentirá falta. Mas admitiu que sentirá saudade do contato com a imprensa, que criticou do começo ao fim:
- Saudade a gente sente do que gosta.
Na mesma segunda-feira, numa audiência com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, fez uma brincadeira. Ele não havia gostado de saber que o processo de transferência de imóveis da União para a Prefeitura do Rio não estava andando com a rapidez esperada para a implantação do projeto de revitalização da Zona Portuária. Diante de assessores e autoridades, entre elas o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e o próprio prefeito do Rio, prometeu dedurar para a sucessora Dilma Rousseff o método de embromação usado pelos auxiliares:
- Vou deixar para a companheira Dilma um relatório sobre como alguns ministros enrolam o presidente da República.
Chorão por convicção, Lula verteu-se em lágrimas no meio dos conterrâneos na noite de terça-feira. No Marco Zero de Recife, ladeado pelo governador Eduardo Campos, a quem chamou carinhosamente de "este menino", o presidente emocionou-se com a própria história de retirante e ao enfatizar que se ele, um operário, sem curso superior, chegou à Presidência, outros, como ele, também podem fazer o mesmo.
Apesar de repetir em público que não dará palpite no governo da companheira Dilma, Lula mais uma vez não resistiu. Em Fortaleza, na quarta-feira, no lançamento da pedra fundamental da Refinaria Premium II - aquela que ele disse que ia fazer pirraça a Jereissati - confirmou, antes de Dilma, que José Sérgio Gabrielli continuará à frente da presidência da Petrobras. Isso porque, na segunda-feira, havia dito que não seria co-piloto de Dilma e que ficaria apenas na torcida vendo o carro da nova presidente passar a 100 km/h.
Interessado em esticar o máximo que pudesse o tempo que lhe restava de vida presidencial, Lula manteve seus auxiliares na dura rotina que impôs desde o primeiro dia da posse: horas e horas de trabalho. Na segunda-feira, chegou no Palácio do Planalto por volta de 8h e, às 21h, ainda não havia saído.
Na quarta-feira, mesmo após visitar dois estados - Ceará e Bahia -, sua agenda previa um despacho na Base Aérea de Brasília com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Só não ocorreu porque chegou muito tarde. Antes de subir as escadas do avião presidencial, na noite de quinta, em Salvador, Lula foi recepcionado por baianas, que atiraram pétalas de rosas.
Na quinta-feira, numa agenda com três cerimônias e encontros com a presidente eleita, Dilma Rousseff, e com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, encontrou um tempo para tirar fotografias com servidores do Escalão Avançado (escav) de suas inúmeras viagens pelo país e pelo exterior. Foram funcionários da Secretaria-Geral, do Gabinete de Segurança Institucional, da Secretaria de Comunicação. Gente que preparava as viagens de Lula em detalhes para que ele brilhasse. E que já finalizava os preparativos da última para São Bernardo, no sábado.
Durante esta última semana, aliás, a romaria ao Palácio aumentou. Vários funcionários levaram familiares para tentar tirar fotos com o presidente. Na própria quinta, ao tirar fotos com um servidor, ele comentou:
- Você tem um linda mulher e dois filhos bonitos e ainda é vascaíno. Quer mais o quê da vida?
Lula, que deixa o Palácio do Planalto como o presidente mais popular da História recente do país, terá a missão de se adaptar à vida comum de torcedor do Corinthians e do Vasco.
Fonte: O Globo online