Tamanho da letra:
|

Veja entrevista com Mario Travaglini, técnico campeão brasileiro de 74


Sexta-feira, 03/12/2010 - 14:46

Mário Travaglini em 1974A história do Campeonato Brasileiro eterniza um técnico a cada década. Nos anos 70, o paulista Rubens Minelli levou o Internacional a dois títulos e brindou o São Paulo com um. O gaúcho Ênio Andrade estabeleceu uma nova era ao dar a volta olímpica pelo Grêmio em 1981, e depois, à frente do Coritiba, em 1985. Senhor dos troféus em 40 anos de Nacional, Vanderlei Luxemburgo faturou três das cinco taças pessoais de 1991 a 2000 — duas com o Palmeiras e uma no arquirrival Corinthians.

Independentemente do resultado obtido pelo Fluminense na última rodada de 2010, Muricy Ramalho é o maior papa-títulos da primeira década do século 21. Tricampeão consecutivo à frente de outro tricolor — o São Paulo — de 2006 a 2008, só poderia ser alcançado por Luxemburgo, vencedor das duas primeiras edições por pontos corridos, em 2003 e 2004. Estacionado no tempo, o “manager” do Flamengo pode testemunhar a consolidação da maior dinastia de um técnico em uma só década.

Em seus anos dourados, Rubens Minelli e Vanderlei Luxemburgo levantaram três taças. Muricy está com as mãos na quarta. Poderia ser a quinta, se o Internacional não fosse prejudicado pelo escândalo da arbitragem em 2005. Ou a sexta, caso o Palmeiras não amarelasse de forma surpreendente depois de liderar a maior parte da maratona em 2009. Um desfecho extraordinário para quem começou a década rebaixado. Em 2001, o redentor do Fluminense foi culpado pela queda do Santa Cruz para a Série B.

Fã de Muricy Ramalho, o aposentado Rubens Minelli admira Ênio Andrade e Vanderlei Luxemburgo, mas só tira o chapéu para Muricy Ramalho. “Como não tirar? Eu fui tricampeão brasileiro de 1975 a 77. Demorou 32 anos para alguém conseguir atingir esse feito, e foi justamente o Muricy Ramalho quem igualou na sequência à frente do São Paulo. Não tive a felicidade de conquistar quatro títulos nos anos 70, mas nem por isso eu deixarei de torcer por ele”, gargalhou o tricampeão em entrevista ao Correio.

Na opinião de Rubens Minelli, se for conquistado, o tetra particular de Muricy chegará com um ano de atraso. “Ele e o Palmeiras perderam o título de 2009 por azar. Jogadores importantes se machucaram e o time sentiu falta de peças de reposição à altura. Um ano depois, ele volta a mostrar capacidade com menos de um ano à frente do Fluminense. É disparado o melhor técnico da década”, rende-se.

Detalhista, Minelli vê semelhanças nas filosofias de trabalho dele e do técnico do Fluminense. “Muricy é leal, franco. Jogador gosta de franqueza, honestidade, transparência, atributos pertinentes a ele e a mim. Além disso, conjuga bem a sorte com a forma de trabalhar, de falar. Assim com eu, também prefere contratos longos. Isso facilita a implantação de uma filosofia de trabalho. Passei três anos no São Paulo, três no Palmeiras, três no Inter, e colhi muitos frutos dessa união”, orgulha-se.

Quatro perguntas para...

Mário Travaglini*, único paulista campeão brasileiro à frente de time carioca (Vasco, 1974)

Qual é a sensação de ver o Muricy perto de ser o segundo paulista a levar um time carioca ao título?

Representa uma emoção, uma satisfação muito grande. Conheço o Muricy. É um amigo particular, um cara batalhador, trabalhador, de muita personalidade e conhecimento. Depois de 36 anos, ele pode quebrar esse tabu e merece. Será ótimo vê-lo vencer no clube onde tive a minha primeira oportunidade no Rio. Fui campeão brasileiro no Vasco, mas também passei pelo Fluminense e fui campeão carioca.

Por que depois de você nenhum paulista brilhou à frente dos grandes do Rio?

Sinceramente eu não entendo. Fui muito feliz no Rio. Dino Sani, Nelsinho Baptista e tantos outros passaram por lá e não deu certo. Mas não tem problema, o Muricy chega para preencher muito bem essa lacuna de 36 anos. Foi no Rio que tive a consagração da minha carreira e certamente ele terá a dele também, no domingo.

Técnico paulista sente dificuldade no Rio?

É difícil comparar as duas escolas. O Rio é mais quente, uma cidade litorânea. São Paulo é mais fechada, operária. Na minha época no Rio, sempre comandei treino em dois períodos e nunca tive muito problema. Outros não são aceitos pelo elenco, sofrem muito e só conseguem treinar o time meio período. Os clubes cariocas também são muito copeiros, pensam em título a curto prazo. Os paulistas preferem o planejamento e são bons em pontos corridos.

Então o Muricy conseguiu driblar todos esses obstáculos...

O Muricy conseguiu impor a sua filosofia, aquela que adotei no Vasco e no próprio Fluminense nos anos 70. Ele trabalha não só o time, mas o íntimo do jogador, sabe trabalhar o homem, entender os seus problemas e administrá-los a favor do clube. Estou muito feliz por ter aberto as portas do Rio para os técnicos paulistas com o título de 1974 e mais feliz ainda por ver o Muricy consolidar aquele trabalho.

São Paulo só deu um título aos cariocas

Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo somam, juntos, 12 títulos brasileiros. Apenas um liderado por um técnico nascido em São Paulo. Justamente o primeiro. Pioneiro em 1974, Mário Travaglini abriu o caminho para as glórias ao levar o time cruzmaltino ao topo na decisão contra o Cruzeiro. Desde então, o futebol carioca só colecionou taças sob o comando de cariocas, gaúchos e mineiros. No domingo, o título de Muricy Ramalho pode ser simbólico e reabrir a fronteira para o mercado paulista.

Rubens Minelli esteve diversas vezes na mira dos grandes times do Rio, mas jamais realizou o sonho de trabalhar na Cidade Maravilhosa. Frustrado, desenvolveu uma tese. “Existe aversão por técnico paulista no Rio de Janeiro. Eu mesmo tive três vezes para ir trabalhar no Rio de Janeiro e não deu certo. É um tabu histórico. O único que deu certo lá foi o (Mário) Travaglini”, recorda.

As trajetórias de Minelli e Muricy se cruzam até quando o assunto é Seleção Brasileira. Questionado por que jamais comandou o escrete canarinho, o ex-técnico não escondeu o descontentamento. “Pergunta aos dirigentes daquela época. Ele é que sabem responder direitinho. Em 1986, disseram que eu seria o técnico e nunca assumi. As outras sondagens nunca se confirmaram. O Muricy foi convidado pessoalmente pelo Ricardo Teixeira. Não aceitou por questão de princípios, mas está aí, tem tudo para terminar o ano por cima mesmo sem jamais ter passado pela Seleção Brasileira”, elogia.

Linha do tempo

Onde nasceram os técnicos campeões à frente de times cariocas

» 1974 – Vasco
Mário Travaglini (SP)

» 1980 – Flamengo
Cláudio Coutinho (RS)

» 1982 – Flamengo
Paulo César Carpegiani (RS)

» 1983 – Flamengo
Carlos Alberto Torres (RJ)

» 1984 – Fluminense
Carlos Alberto Parreira (RJ)

» 1987 – Flamengo*
Carlinhos (RJ)

» 1989 – Vasco
Nelsinho Rosa (RJ)

» 1992 – Flamengo
Carlinhos (RJ)

» 1995 – Botafogo
Paulo Autuori (RJ)

» 1997 – Vasco
Antônio Lopes (RJ)

» 2000 – Vasco
Joel Santana (RJ)

» 2009 – Flamengo
Andrade (MG)

* A Copa União não é reconhecida pela CBF

Fonte: Superesportes