Carvalho (1966), Meszaros (1982), Damas (1986), Ivkovic (1990), De Wilde (1998), Nélson (2002) e Ricardo (2006). O Sporting já teve guarda-redes para todos os gostos e feitios, e sete deles até foram a Mundiais, mas nenhum foi o primeiro a usar luvas em Portugal, o primeiro a cuspir na bola antes dos penáltis e o primeiro a provocar adversários nos balneários. Esse foi Jaguaré, o brasileiro que jogou no Sporting entre 10 de Novembro de 1935 e 5 de Abril de 1936.
Naquele período, Jaguaré fez sete jogos pelo Sporting, ganhou seis e perdeu um, com o Benfica (1-2), mas sagrou-se campeão de Lisboa, numa altura em que a época futebolística abria com os regionais e fechava com o Campeonato de Portugal (precursora da Taça de Portugal). A sua estada em Portugal serviu apenas de ponte de passagem para o Marselha, uma vez que o Sporting apostava mais no jovem Azevedo (20 anos), com Dyson (23) a suplente. Já com 30 anos, Jaguaré não se fixou em Portugal.
Longe iam, portanto, os tempos em que ele se impunha na baliza do Vasco da Gama para qualquer pretendente a guarda-redes. Quando alguém se apresentava no São Januário para uns testes, Jaguaré inventava o exercício dos livres directos. Assim que o rival se colocava no meio da baliza, Jaguaré rematava com tanta força que o punha K.O. No dia seguinte, o pretendente não aparecia e assim Jaguaré mantinha-se a titular absoluto.
Foi assim, aliás, que se sagrou campeão carioca em 1929, com uma equipa de luxo: Jaguaré; Brilhante e Itália; Tinoco, Fausto e Mola; Pascoal, Santana, Russinho, Mário Matos e Oitenta e quatro (sim senhor, havia um jogador chamado Oitenta e quatro, que já não foi a tempo de ir ao Europeu de França).
Esse Vasco, que deu 7-0 ao Flamengo, fez então uma excursão pela Europa e Jaguaré, com o seu estilo inconfundível, foi logo contratado pelo Barcelona. De lá, vítima de preconceito (foi o primeiro negro a jogar pelos catalães), foi para Lisboa.
Os seis meses no Sporting garantiram- -lhe, como já vimos, um título e tantas histórias. Numa delas, com o Benfica, cuspiu na bola antes de um penálti. O gesto confundiu Aníbal José, que atirou por cima. O árbitro mandou repetir o lance, sabe-se lá porquê. Jaguaré voltou a cumprir o seu ritual e Aníbal José atirou para defesa do guarda-redes, que agarrou na bola, ou a bichinha como ele a chamava, e fê-la rodar com o indicador. No balneário, houve problema com os benfiquistas. O futebol, para ele, era um circo. E bastava vê-lo entrar em campo para perceber isso. Porque, corre a lenda, Jaguaré dormia sempre até dez minutos antes do início do jogo e só entrava em campo depois de colocar a cabeça debaixo do chuveiro de água fria.
Outro momento inesquecível: no seu último jogo pelos leões, com a Académica, no Campo Grande, o guarda-redes saiu da área para travar um contra-ataque dos estudantes e iniciou um ataque com toda a calma do mundo. Detalhe: ele já tinha sido avançado e defesa na adolescência, por uma equipa amadora.
PENÁLTI Em França, Jaguaré atingiu o estatuto de super-estrela mundial. Não somos nós quem dizemos, é a revista "Sport", de 22 de Julho de 1938. "Aos 22 minutos, Laurent, back do Metz, fez um penálti. Para surpresa de todos os espectadores, Jaguaré, do Marselha, abandonou o seu posto na baliza, encaminhou-se para o "goal" adversário e colocou-se diante da bola. Quando o árbitro apitou, bateu o penálti e ouviu-se uma exclamação da assistência. Bola ao canto e golo. Foi um lance sensacional. Um guarda-redes a marcar um golo a outro. Jamais houve um caso destes no nosso país. Mas isso não foi tudo. Aos 73 minutos, Jaguaré defendeu um penálti de Donzelle com um salto formidável. Pela sua actuação na decisão, Jaguaré recebeu as felicitações do presidente de França.
Em 1941, Jaguaré volta para o Brasil, com receio de ficar na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, mas cai em decadência. Entrega-se ao vício da bebida e envolve-se em lutas de rua. Numa delas, com três polícias, em Santo Anastácio, interior paulista, acaba por morrer. É enterrado como indigente, sem luvas.
Fonte: Ionline.pt