Tamanho da letra:
Perto de se aposentar, árbitro que expulsou Carlos Alberto diz que é Vasco
Terça-feira, 26/10/2010 - 10:58
Ele é vascaíno, mas na partida entre Vasco e Vitória, pelo Brasileirão deste ano, dentro de São Januário, não titubeou em expulsar o meia Carlos Alberto, que bateu palmas de forma debochada depois de receber um cartão amarelo. Aos 44 anos, o juiz capixaba Wallace Nascimento Valente está se despedindo dos gramados.
Em 12 anos de carreira - a idade limite da CBF é de 45 anos, mas ele decidiu por parar esse ano -, Wallace comandou 10 finais de Campeonato Capixaba. Apitou jogos decisivos, como a vitória do Flamengo sobre o Guarani, com gol de falta de Júnior Baiano, que contribuiu para a salvação do Rubro-Negro contra o rebaixamento à Série B do Brasileiro, em uma das 28 vezes que pisou no Maracanã.
Também errou. E por isso passou dias arrasado. Como em 2008, quando Andrezinho, do Rio Branco, foi derrubado dentro da área por Gilmar, da Desportiva, na final da Copa Espírito Santo. Wallace mandou o jogo seguir. Depois, ao rever o lance na televisão, viu o equívoco e se culpou por não ter marcado o pênalti que poderia dar o título ao capa-preta.
Na conversa aberta, o árbitro confirma que até hoje existem pessoas que tentam 'comprar' jogos, fala da inocência de Neymar, da falta de controle do 'animal' Edmundo e da antipatia pelo técnico Emerson Leão, hoje desempregado.
Seu pai (Carlos Alberto Valente) também foi juiz de futebol. O desejo de apitar está no sangue?
Futebol é um ambiente que a gente quer ficar dentro dele. Eu fui jogador de futebol profissional. Quando a gente está lá dentro, gosta de vivenciar aquelo troço e tal. Meu pai começou a, vamos dizer assim, forçar a barra.
E até agora, para você, é melhor ser árbitro ou é melhor ser jogador?
É melhor ser árbitro.
Por quê?
Eu, como jogador, não jogaria no Maracanã 28 vezes, e eu já apitei no Maracanã 28 vezes. Eu, como jogador, não participaria do Mundial na Turquia, não iria para a Áustria, não iria para o México, eu não faria finais de Campeonato Brasileiro, 10 finais de Campeonato Capixaba...
E dentro de campo, como que acaba funcionando isso? A turma já sabe que você foi jogador? Eles reparam isso?
O último jogo que eu apitei foi uma decisão da Série D do Brasileiro, para ver quem iria subir para a Série C. E o goleiro que estava querendo ganhar tempo alegou cãibra. Aí eu cheguei e disse: "Rapaz, goleiro com cãibra? Já fui goleiro, goleiro não tem cãibra, não". Aí o cara riu e eu falei: "Inventa outra que essa aí já passou".
Mas por que você decidiu parar de apitar agora se tem mais um ano para a data limite?
Primeiro é que eu estava cansado. Cansa mesmo. O jogador vai até 30 anos e tem aquele desgaste. Eu estou com 44, sendo que o meu treinamento é parecido com o deles ou até mais. E também a minha vida foi indo para um lado mais de gestão, hoje eu estou na Secretaria de Esporte do Governo do Estado.
E qual o jogo mais importante que você apitou? Não só emocionalmente, mas também em termos de importância...
Fiz um jogo uma vez, lá na Áustria, entre Áustria e Alemanha. Fui representar a arbitragem brasileira. Isso considero importante. Emocionalmente, apitei a final do Capixabão de 2000, entre Desportiva e Serra... Fui escalado para os três jogos entre eles. A carga emocional é muito forte. Fiz um jogo também, no Maracanã, que o Flamengo precisava ganhar para não cair pra Série B. É o tipo de jogo que ninguém quer apitar, né?
Você lembra contra quem foi?
Foi um jogo contra o Guarani, o Flamengo ganhou de 1 a 0 com gol do Júnior Baiano de falta.
E foi falta?
Foi falta (risos). E o Maracanã lotado, aí você imagina o que é o Flamengo jogando sem poder empatar senão cai para a Série B, e você com a responsabilidade de conduzir esse jogo e não poder errar de forma alguma porque eu iria ficar marcado para o resto da vida. 'O Wallace apitou o jogo e o Flamengo foi rebaixado por um possível erro', diriam. Realmente foi uma carga emocional muito forte.
Recentemente você expulsou o Carlos Alberto, do Vasco. Ele tomou cartão amarelo, reclamou, bateu palmas de deboches e você deu o segundo amarelo. Teve algum diálogo entre você e ele nesse lance? Como que foi?
Não. Eu não conversei com o Carlos Alberto nem depois daquilo. Quero esclarecer que eu me dou muito bem com ele. Enfim, quando a bola rola, as coisas mudam. Ele tem aquele comportamento dele meio esquentado e achou que sofreu uma falta. Eu não marquei, marquei apenas arremesso lateral. Só que, naquele dia, dois jogadores do Vitória já haviam recebido cartão amarelo por reclamação. O mesmo tipo de reclamação dele. Então, para usar o mesmo critério, eu apliquei o cartão e me surpreendi quando ele aplaudiu ironicamente. Aí não tem jeito, é instantâneo. Você recebe instrução para não admitir que ninguém tire a sua autoridade. A CBF cobra muito isso. Quando ele me aplaudiu eu pensei "ou eu ou ele". Apliquei o amarelo e o vermelho.
Em São Januário e com o Vasco tendo que ganhar para crescer no campeonato...
Aí, nessa altura do campeonato, já encerrando a carreira, eu já estou acostumado. Sabia que eles iam perturbar o jogo inteiro.
Qual é o estádio mais difícil de apitar jogo do Brasil?
O estádio do Palmeiras é complicado. Porque é apertado e a torcida do Palmeiras é uma torcida muito - não sei se a palavra certa é essa - agressiva, barulhenta, presente. Então fica muito próximo. São Januário também, porque para chegar lá é complicado, as ruas são estreitas, você já chega no estádio com muito barulho, com muita gente, e aquilo, se você não tiver experiência, já vai ficando um pouco tímido.
Você já passou algum sufoco para sair de estádio?
Já. Aqui mesmo no Espírito Santo, lá em Alegre, era difícil trabalhar. Você fala em Alegre e tem árbitro que treme. Eu, no começo da carreira, saí de lá no camburão e a torcida queria destruir o camburão.
Dos jogadores que você pegou nesse tempo todo de carreira, qual foi o mais difícil de lidar. Qual te deu mais trabalho?
Foi o Edmundo. Ele é um jogador difícil, temperamental, não aceita as coisas, não aceita a marcação, reclama e contesta tudo. Indo pelo lado do caráter, o Beletti é aquele, como se diz na gíria, mascarado. Apitei o jogo do Fluminense recentemente. Tinha Deco, Washington... uma turma já consagrada, todos humildes - Deco então, você nem escuta a voz dele. E Belletti no banco, entra para poder me dizer que não queria olhar na minha cara, que não queria conversa comigo, que não conversava com árbitro, porque ele era o cara...
E qual erro você admite e gostaria de voltar atrás?
Acho que errei um pênalti a favor do Rio Branco, na final Copa Espírito Santo há dois anos atrás.
No Andrezinho?
Sim. Não vi na hora. Achei que era normal de jogo e deixei seguir. O Gilmar esbarrou, e o André caiu. E depois, na televisão, vi que o jogador da Desportiva deu nas costas do André. Ele foi empurrado. Então é falta. Mas isso foi um dia depois, sentado no sofá da minha casa. Não dá para voltar atrás.
E como você ficou?
Fiquei arrasado. É horrível. Muito melhor seria entrar e acertar tudo. Mas não é assim que funciona. Às vezes você não percebe, não vê. Apitei um jogo do Vasco na Série B do ano passado e contei 32 câmeras. E ainda tinha uma móvel, para pegar todos os lances.
E a tecnologia que a Fifa, enfim, pretende adotar no futebol. Como você vê?
É fundamental. A turma toda que foi para a Copa do Mundo treinou quatro anos intensamente. É pesado. Psicológico, físico. Para quando chegar lá o mundo inteiro ver que a bola entrou 30 centímetros, menos o Jorge Larionda (árbitro mexicano que não viu um gol da Inglaterra nas oitavas de final contra a Alemanha). Todo o trabalho de quatro anos vai por água abaixo. Ao passo que, se tivéssemos lá o recurso tecnológico, ele ia ver que a bola entrou. O jogo ia parar, e o gol seria validado. As pessoas investem, colocam dinheiro naquilo, e não é justo que um erro humano coloque isso a perder.
Como é para você ser um juiz de Série A em um futebol de Série D?
Tenho o maior orgulho disso. Não do nosso futebol na Série D. Isso me entristece. Mas de estar na Série A. Durante esse tempo todo, representei o Estado nos gramados. As pessoas diziam que tinha um capixaba lá. Mesmo sendo um árbitro, as pessoas torcem porque tem o Espírito Santo lá.
E quando xingam sua mãe?
Ela está acostumada já. Meu pai apitou 35 anos. Sempre foi uma xingação.
Então ela sofreu duas vezes, como esposa e mãe?
Ela nem vê jogo. Nem gosta de futebol. Diz: 'Menino eu não quero nem saber o que está acontecendo. O torcedor não está me xingando, nem minha mãe. Está é desabafando. Já me acostumei com isso'.
Se você pudesse montar um cenário perfeito para a sua última partida como árbitro, qual time seria, onde seria?
Eu queria o jogo que vai decidir o Campeonato Brasileiro da Série A. O jogo que decide o campeão. Há dois anos quase fui para o jogo entre São Paulo e Goiás, quando o São Paulo foi campeão. Fui para o sorteio, mas meu nome não saiu.
Nesses 12 anos como árbitro, já te ofereceram, mesmo que indiretamente, uma oferta para manipulação de resultado? Para a marcação de um pênalti?
Sempre teve. Aqui no Espírito Santo, não. Mas fora daqui, como já apitei jogos decisivos de Série B e C, quando chega na fase final, começam as conversinhas, porque tem rebaixamento, campeão... As pessoas jogam o "verde". Posso te afirmar que no futebol brasileiro existem pessoas que se tiverem a oportunidade, vão oferecer benefícios em troca de resultado, isso tem.
Teve algum ídolo que você apitou o jogo e ficou orgulhoso?
Já apitei jogo do Romário e ele até brincou comigo, perguntando de Vitória, porque ele gosta muito daqui. E também do Marcos, goleiro do Palmeiras, até porque tirei onda de ser goleiro quando era novo, não é? E ele é muito humilde.
E o Neymar?
É um menino. Menino mesmo. Comportamento de criança. Reclama de tempo, acréscimo. Não tem tarimba de jogador velho. Não sabe nem reclamar. É crianção. Isso que aconteceu com ele, de xingar o treinador, é reflexo da pressão que passou. Não condeno ele por nada que fez ou passou. É muita covardia para um menino de 17, 18 anos. Ali ele estava desabafando, querendo sair da pressão.
E o treinador mais chato?
Leão. Leão. Insuportável. Intragável. Não assume as responsabilidades. Perde o jogo o juiz é o culpado. Dissimulado. Coloca a culpa para cima dos outros. Não gostei de trabalhar com ele. Está desempregado agora, não quero isso para ninguém, mas pelo menos não tenho que encontrar com ele no campo. Não gosto de pessoas de mau caráter.
Fonte: GloboEsporte.com