E foi numa quinta-feira à noite, em um Maracanã onde praticamente só se fizeram presentes torcedores do Vasco. Todos ansiosos por comemorar um triunfo tão aguardado. O adversário era o Botafogo, que fora eliminado no dia anterior, quando o resultado igual entre Fluminense e América tirou as possibilidades alvinegras de almejar a taça daquela temporada. Mas o time dos anos 60 poderia fazer um estrago nas pretensões cruzmaltinas, o que não era fato incomum naquele seu momento histórico. Um empate bastava para adiar o sonho vascaíno de festejar madrugada adentro.
Empurrado pela massa, o Almirante parte pra cima. O time é pura gana de vencer. Sendo a única equipe grande do Rio a não contar com nenhum atleta campeão do mundo pela seleção brasileira no México, feito obtido espetacularmente cerca de três meses antes, a disciplina tática e a luta eram as armas do Vasco. O técnico Tim havia conseguido fazer de um grupo apenas razoável um conjunto bastante competitivo, capaz de objetivar o topo da tabela. De maior destaque, somente três atletas: o goleiro argentino Andrada, o lateral Fidélis, chamado de “Touro Sentado” (ex-Bangu) e o itinerante (e experiente) Silva “Batuta”, estes dois últimos, presentes na Copa de 66.
Adentrados os atletas no gramado, uma notícia gelou os torcedores vascaínos: o contundido Andrada cedia seu lugar ao reserva Élcio, que fazia a sua estreia na meta cruzmaltina. E coube a Silva o posto de líder do Gigante da Colina. Com sua categoria e vigor, intimidava os inimigos dentro de campo. É ele quem começa a jogada do primeiro gol, sofrendo uma falta na entrada da área. Assim como na partida anterior, Gilson Nunes pega a pelota e acerta um belo chute: Vasco 1 a 0! No tempo final, o “Batuta” deixa Valfrido em boas condições de arrancar na direção da área e bater forte. A bola ainda desvia em Moisés e entra. Com a vantagem de dois gols no marcador, time e plateia ensaiam a festa. Mas um tento de Ferreti a seis minutos do fim da batalha transforma uma alegria contida em enorme angústia. Foram minutos de extremo silêncio até a explosão final. O Club de Regatas Vasco da Gama era novamente campeão carioca! A gigantesca torcida do time do povo estava feliz outra vez, de alma lavada!
Quinta-feira, 17 de setembro de 1970
Vasco 2x1 Botafogo
Local: Maracanã
Árbitro: José Aldo Pereira
Renda: Cr$ 254.512,50
Público: 59.110 pagantes
Gols: Gilson Nunes aos 32/1ºT (VAS); Valfrido aos 12/2ºT (VAS) e Ferreti aos 39/2ºT (BOT).
Vasco: 1-Élcio, 2-Fidélis, 3-Moacir, 5-Renê, 6- Eberval; 4-Alcir, 8-Buglê;
7-Luís Carlos, (14-Ademir), 9-Valfrido,10-Silva e 11-Gilson Nunes. Técnico: Tim.
Botafogo: Ubirajara, Moreira, Moisés, Leônidas, Waltencir (Botinha);
Nei Conceição, Careca; Zequinha, Nilson (Ferreti), Jairzinho e Paulo César Caju. Técnico: Zagallo.
O Campeonato Carioca de 1970 foi o penúltimo disputado por pontos corridos. No início, doze times jogavam entre si, porém, ao fim da primeira fase, apenas oito avançavam para o desfecho da competição.
Ao longo do torneio, cinco equipes chegaram a ocupar o lugar mais alto da tábua de classificação: América, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. O time de São Januário foi o último a perder a invencibilidade, fato ocorrido na 9ª rodada. Ao fim do turno, a liderança estava solitariamente nos braços tricolor, mas logo na virada de turno, o Gigante da Colina alcançou o topo, posição que não largou até o encerramento.
1º Turno
1ª rodada
Sab, 27/Jun Bangu 2-0 Portuguesa
Dom, 28/Jun Fluminense 6-3 Campo Grande
Dom, 28/Jun Vasco 2-1 Bonsucesso
Dom, 28/Jun São Cristóvão 1-1 Madureira
Dom, 28/Jun Flamengo 1-0 América
Classificação: Fluminense, Bangu, Vasco e Flamengo 2 pg; São Cristóvão e Madureira 1 pg; América, Bonsucesso, Portuguesa e Campo Grande 0 pg. [Obs: Botafogo e Olaria não jogaram.]
2ª rodada
Sab, 04/Jul Olaria 1-1 Bangu
Sab, 04/Jul Vasco 2-1 Madureira
Sab, 04/Jul Flamengo 3-0 Campo Grande
Sab, 04/Jul São Cristóvão 1-3 América
Dom, 05/Jul Bonsucesso 0-0 Portuguesa
Dom, 05/Jul Fluminense 0-0 Botafogo
Classificação: Flamengo e Vasco 4 pg; Fluminense e Bangu 3 pg; América 2 pg; Botafogo, Olaria, Portuguesa, Bonsucesso, São Cristóvão e Madureira 1 pg; Campo Grande 0 pg.
3ª rodada
Qua, 08/Jul Olaria 2-1 Bonsucesso
Qua, 08/Jul Campo Grande 0-2 América
Qua, 08/Jul Madureira 0-1 Fluminense
Qua, 08/Jul Vasco 4-2 Bangu
Qui, 09/Jul Portuguesa 2-5 Botafogo
Qui, 09/Jul São Cristóvão 1-1 Flamengo
Classificação: Vasco 6; Flamengo e Fluminense 5 pg; América 4 pg; Botafogo, Olaria e Bangu 3 pg; São Cristóvão 2 pg; Portuguesa, Bonsucesso e Madureira 1 pg; Campo Grande 0 pg.
4ª rodada
Sab, 11/Jul Fluminense 4-0 Bonsucesso
Sab, 11/Jul Madureira 1-4 América
Sab, 11/Jul Vasco 0-0 Campo Grande
Dom, 12/Jul Flamengo 2-1 Bangu
Dom, 12/Jul Portuguesa 0-3 Olaria
Dom, 12/Jul São Cristóvão 0-2 Botafogo
Classificação: Vasco, Flamengo e Fluminense 7 pg; América 6 pg; Botafogo e Olaria 5 pg; Bangu 3 pg; São Cristóvão 2 pg; Portuguesa, Bonsucesso e Madureira e Campo Grande 1 pg.
1ª rodada (jogo atrasado)
Qua, 15/Jul Olaria 0-2 Botafogo
Classificação: Vasco, Flamengo, Botafogo e Fluminense 7 pg; América 6 pg; Olaria 5 pg; Bangu 3 pg; São Cristóvão 2 pg; Portuguesa, Bonsucesso e Madureira e Campo Grande 1 pg.
5ª rodada
Sab, 18/Jul Portuguesa 0-2 América
Sab, 18/Jul Flamengo 1-0 Bonsucesso
Sab, 18/Jul Campo Grande 0-3 Botafogo
Dom, 19/Jul Vasco 1-1 Fluminense
Dom, 19/Jul São Cristóvão 0-0 Bangu
Dom, 19/Jul Olaria 1-1 Madureira
Classificação: Flamengo e Botafogo 9 pg; Vasco, Fluminense e América 8 pg; Olaria 6 pg; Bangu 4 pg; São Cristóvão 3 pg; Madureira 2 pg; Portuguesa, Bonsucesso e Campo Grande 1 pg.
6ª rodada
Qua, 22/Jul Olaria 1-0 Fluminense
Qua, 22/Jul Vasco 1-0 São Cristóvão
Qua, 22/Jul Portuguesa 3-3 Campo Grande
Qua, 22/Jul Botafogo 2-3 América
Qui, 23/Jul Madureira 0-3 Flamengo
Qui, 23/Jul Bonsucesso 1-1 Bangu
Classificação: Flamengo 11 pg; Vasco e América 10 pg; Botafogo 9 pg; Fluminense e Olaria 8 pg; Bangu 5 pg; São Cristóvão 3 pg; Madureira, Portuguesa, Bonsucesso e Campo Grande 2 pg.
7ª rodada
Sab, 25/Jul Olaria 1-1 América
Sab, 25/Jul São Cristóvão 0-2 Fluminense
Dom, 26/Jul Vasco 0-0 Botafogo
Dom, 26/Jul Madureira 0-0 Bonsucesso
Dom, 26/Jul Portuguesa 1-3 Flamengo
Dom, 26/Jul Campo Grande 1-0 Bangu
Classificação: Flamengo 13 pg; Vasco e América 11 pg; Botafogo e Fluminense 10 pg; Olaria 9 pg; Bangu 5 pg; Campo Grande 4 pg; São Cristóvão, Madureira e Bonsucesso 3 pg; Portuguesa 2 pg.
8ª rodada
Qua, 29/Jul Madureira 0-2 Botafogo
Sab, 01/Ago Vasco 1-0 Olaria
Sab, 01/Ago Campo Grande 1-1 Bonsucesso
Sab, 01/Ago Bangu 2-3 América
Dom, 02/Ago Fluminense 2-0 Flamengo
Dom, 02/Ago São Cristóvão 1-0 Portuguesa
Classificação: Flamengo, Vasco e América 13 pg; Botafogo e Fluminense 12 pg; Olaria 9 pg; Bangu, São Cristóvão e Campo Grande 5 pg; Bonsucesso 4 pg; Madureira 3 pg; Portuguesa 2 pg.
9ª rodada
Ter, 04/Ago Botafogo 1-0 Bonsucesso
Qua, 05/Ago São Cristóvão 0-0 Campo Grande
Qua, 05/Ago Olaria 1-0 Flamengo
Qua, 05/Ago Fluminense 5-2 Bangu
Qui, 06/Ago Portuguesa 0-1 Madureira
Qui, 06/Ago Vasco 1-3 América
Classificação: América 15 pg; Botafogo e Fluminense 14 pg; Vasco e Flamengo 13 pg; Olaria 11 pg; São Cristóvão e Campo Grande 6 pg; Bangu e Madureira 5 pg; Bonsucesso 4 pg; Portuguesa 2 pg.
10ª rodada
Sab, 08/Ago São Cristóvão 1-1 Olaria
Sab, 08/Ago Botafogo 1-2 Bangu
Dom, 09/Ago Vasco 1-0 Flamengo
Dom, 09/Ago Portuguesa 0-1 Fluminense
Dom, 09/Ago Madureira 2-2 Campo Grande
Dom, 09/Ago Bonsucesso 1-5 América
Classificação: América 17 pg; Fluminense 16 pg; Vasco 15 pg; Botafogo 14 pg; Flamengo 13 pg; Olaria 12 pg; Bangu, São Cristóvão e Campo Grande 7 pg; Madureira 6 pg; Bonsucesso 4 pg; Portuguesa 2 pg.
11ª rodada
Sab, 15/Ago São Cristóvão 0-3 Bonsucesso
Sab, 15/Ago Vasco 2-0 Portuguesa
Sab, 15/Ago Flamengo 1-1 Botafogo
Dom, 16/Ago Olaria 0-0 Campo Grande
Dom, 16/Ago Madureira 2-1 Bangu
Dom, 16/Ago Fluminense 3-1 América
A massa vascaína ocupou mais de 70% do anel superior das arquibancadas. A festa foi linda com muitos balões coloridos e com uma alegria que há muito não se via no Maracanã. Os tricolores fizeram as honras e botaram a faixa no peito dos novos campeões. Personalidades, dirigentes, torcedores ilustres e muitas crianças fizeram do gramado do maior do mundo um animado salão de festas. O orgulho em ser Vasco e a sensação gostosa de novamente poder soltar o grito da garganta eram indescritíveis. Todo o elenco se fez presente. Foi um domingo inesquecível! (Não deu nem pra se aborrecer com a derrota em campo.)
Vasco 0x2 Fluminense (RJ)
Domingo, 20 de setembro de 1970
Local: Maracanã
Árbitro: Armando Marques
Expulsões: Renê (VAS) e Didi (FLU) no 2º tempo
Gols: Marco Antônio 24/2ºT (FLU) e Mickey 37/2ºT (FLU).
Vasco: Élcio, Fidélis, Moacir, Renê, Eberval (Ademir); Alcir, Buglê; Ferreira, Valfrido, Silva (Kosilek) e Gílson Nunes. Técnico: Tim.
Fluminense: Félix, Oliveira, Paulo Lumumba, Assis, Marco Antônio (Silveira); Denílson, Didi; Cafuringa, Mickey, Jair (Cláudio Garcia) e Lula. Técnico: Paulo Amaral.
Obs: Na preliminar jogaram Olaria e Campo Grande.
Narração do Gol: Vasco 1x0 Flamengo (09/08/1970) - Silva
Narração do Gol: Vasco 1x0 Flamengo (30/08/1970) - Valfrido
Gols narrados por Wagner Luiz, da Rádio Continental.
Ademir | Alcir | Andrada | Batista | Benetti | Buglê | Clovis |
Eberval | Élcio | Ferreira | Fidélis | Gilson Nunes | Jailson | Joel Santana |
Kosilec | Luis Carlos | Moacir | Renê | Silva | Valfrido | Willy |
Elba de Pádua Lima, ou tão somente Tim, foi um craque. Nasceu em Rifânia, interior de São Paulo em 20 de fevereiro de 1915. Começou atuando no Botafogo de Ribeirão Preto, quando foi transferido para a Portuguesa santista. Aos 22 anos chegava ao Tricolor das Laranjeiras onde passaria longos e vitoriosos anos na equipe carioca. Foi tricampeão em 36/37/38 e logo após faturou um bi em 40/41. Foi nesse período que jogou pela seleção brasileira. Sua maior virtude eram os dribles rápidos. Era um exímio bailarino dos gramados. Certa vez foi aplaudido por suas jogadas em plena 'Bombonera'. Lá recebeu o apelido de 'El Peón' da imprensa argentina. Depois de atuar pelo São Paulo Railway (atual Nacional-SP) e retornar ao seu time de origem, ainda teve uma breve passagem pelo Olaria e pelo Atlético Júnior da Colômbia.
Iniciou como técnico nos juvenis do Bangu. Depois foi para Curitiba, onde treinou o Ferroviário local. Seu destino a seguir foi o Guarani de Campinas, voltando ao Rio de Janeiro para assumir o comando, primeiro do Fluminense, depois do Flamengo. Foi contratado pelo San Lorenzo onde teve brilhante experiência. Antes de triunfar pelo Almirante, foi campeão carioca defendendo o Flu em 1964 e argentino em 1968.
Seu grande mestre na função de treinador foi Ondino Viera com quem conviveu no time de Moça Bonita. Famoso por usar os botões para orientar seus times, o estrategista Elba de Pádua Lima ganhou o apelido de 'Raposa'. Em sua estadia no Gigante da Colina destacou como segredo para o sucesso obtido a implantação no clube de São Januário do que chamava de um “colegiado” de profissionais do futebol que para ele seria um caminho sem volta. Mais uma grande sacada do mestre Tim.
Faleceu no dia 7 de julho de 1984, aos 69 anos de idade.
Dulce Rosalina nasceu no dia 7 de março de 1934. Curiosamente, foi neste mesmo dia em 1944 que a Torcida Organizada do Vasco (TOV) foi fundada oficialmente, pois de modo informal já existia desde 1942. Filha de português com brasileira, aos dois anos já era sócia do clube. Fazendo parte de uma segunda geração de torcedores da TOV, Dulce foi a primeira mulher a assumir a presidência de uma torcida organizada em 1956, aos 22 anos, quando João de Lucca, presidente desde a fundação, teve de se afastar por problemas de saúde.
Por sua assiduidade aos estádios, Dulce recebeu em 1960 da Revista do Esporte o título de Torcedora Nº. 1 do Brasil, desbancando tradicionais torcedores como Jayme de Almeida (do Flamengo) e Tarzan (do Botafogo). Criativa, foi ela quem implantou ideias pioneiras nos estádios como a chuva de papel picado, a utilização de instrumentos de percussão e a promoção de concursos de torcidas.
Casada com o ex-jogador de futebol Ponce de Leon, com quem teve um filho – o “Poncinho” – em 26 de março de 1977, depois de divergências políticas internas, ela deixa a TOV e funda a Renovascão, onde permaneceria até o fim de sua vida.
Além de se fazer presente nos campos de futebol em todo o Brasil, Dulce apoiava os esportes amadores do Vasco, sendo logo “imitada” por torcedores rivais. Em fins de 1968, quando a TOV realizava uma caravana para São Paulo, um grave acidente automobilístico – um dos 30 ônibus que levavam os torcedores vascaínos à capital paulista desabou 50 metros ribanceira abaixo – deixou marcas que jamais seriam apagadas da bela torcedora. Braço e clavícula fraturados, mais um afundamento de crânio ocasionaram seu afastamento dos estádios por quase dois anos. De cama, jamais deixou de acompanhar sua grande paixão pela tv e rádio. Dulce não quis fazer cirurgia plástica. Disse que as cicatrizes eram provas de sua dedicação ao Vasco. Em outra oportunidade, ao longo dos anos 90, teve de se separar de novo dos estádios por apresentar um problema nos olhos.
Recuperada do acidente, foi em 1970 que ele começava a retornar às arquibancadas para ver os jogos de perto. Depois da caminhada que culminou no título, Dulce já não era a mesma torcedora de outrora. Era uma pessoa bem mais feliz. O “seu” Vasco agora era novamente campeão!
Faleceu no dia 19 de janeiro de 2004, aos 69 anos de idade.
Entrevista com Mauro Prais, criador do primeiro site do Club de Regatas Vasco da Gama:
Como foi sua experiência com aquela conquista de 70?
Tenho muitas lembranças vívidas daquela campanha. Eu tinha de 13 para 14 anos e pela primeira vez tinha a permissão para ir a estádios na companhia de amigos, sem meu pai ou um outro adulto. Hoje em dia isso seria uma temeridade. O meu interesse por futebol e pelo Vasco, que já era grande há vários anos, se intensificou com a conquista da Copa no México. Antes e durante o Campeonato Carioca se falava muito em quem seria o campeão do ano do tri, e foi motivo de orgulho que tenha sido o Vasco, mesmo sem ter cedido nenhum jogador para a Seleção tricampeã mundial.
Quais eram suas expectativas?
Minhas expectativas eram mínimas no início e foram crescendo na medida em que o Vasco foi vencendo os jogos e assumindo a liderança. Honestamente, antes do campeonato começar, não havia motivos para a torcida estar otimista. A campanha na Taça Guanabara tinha sido medíocre e obviamente o time tinha debilidades na defesa e principalmente no ataque. Mas o Tim era um técnico muito sagaz, foi mudando algumas peças, fazendo ajustes e, já com o campeonato em andamento, conseguiu dar conjunto a uma equipe que, embora fosse tecnicamente limitada, era unida, motivada e soube honrar a camisa. Alias, o Tim foi o técnico que eu vi que melhor sabia mexer no time durante o jogo.
Qual era a atmosfera que era sentida por vc?
Havia um certo descrédito geral em relação às chances do Vasco, mesmo quando o time alcançou a liderança, e mesmo depois dos primeiros jogos do returno quem não era vascaíno parecia achar que era uma questão de tempo o Vasco cair na tabela, pois ainda faltavam os quatro clássicos, o primeiro deles contra o Flamengo. Depois da vitória épica nesse confronto, num dia de muita chuva em que o Valfrido fez o famoso gol da poça d’água, é que se criou uma atmosfera de confiança no título por parte dos torcedores vascaínos. Mas para as torcidas adversárias e meios de comunicação, acho que a ficha só caiu quando só faltavam três rodadas, com o Vasco firme na liderança e Fluminense e América ainda com alguma chance.
O que achava dos atletas?
A força da equipe era a parte coletiva, muito bem comandada pelo Tim e se sentia que havia uma organização bem montada e uma comissão técnica competente. Os atletas eram unidos e esforçados como poucas vezes se havia visto nos últimos anos. O time possuía uma espinha dorsal bastante razoável, onde se destacavam tecnicamente o maravilhoso goleiro Andrada e o talentoso e experiente atacante Silva. O “Batuta” estava numa forma exuberante, se movimentando, abrindo espaços, recuando para armar e penetrando para concluir jogadas. Os laterais Fidélis e Eberval e o meio-campo formado por Alcir e Buglê, que era o capitão do time, fizeram um ótimo campeonato, jamais deixando a desejar no desempenho das suas funções. O ponto de desconfiança era o zagueiro Renê, que era imprevisível, capaz de fazer tanto jogadas excelentes como gols contra bisonhos. Mas todos jogavam com muita raça e dava gosto ver o esforço dos pontas Luís Carlos e Gílson Nunes, incansáveis, recuando para ajudar o meio-campo quando o Vasco não tinha a posse de bola e avançando quando o Vasco partia para o ataque, a raça do Valfrido, que superava uma certa falta de intimidade com a bola com muito espírito de luta e faro de gol, e a autoridade com que se impunham os zagueiros Moacir e o próprio Renê, verdadeiros xerifes na área. Durante o campeonato estreou o Ademir (aquele que fez o primeiro gol na final do Campeonato Brasileiro de 1974), que era um meia armador canhoto, mas entrava no decorrer das partidas na ponta esquerda, fazendo aquele falso ponta do 4-3-3 que era marca registrada do esquema tático do Zagalo que tanto sucesso fez na Copa de 1970 e anteriormente no Botafogo.
Como viu o decorrer do campeonato?
O Vasco começando desacreditado, sempre correndo por fora, enquanto que os favoritos Botafogo e Fluminense tropeçavam aqui e ali e o América, sempre perigoso, largava na frente e morria na praia como sempre. No turno o Vasco empatou com os dois favoritos e perdeu para o América, mas uma vitória sobre o Flamengo na penúltima rodada, com um gol do Silva no finalzinho, manteve o time no páreo. A partir daquele jogo, o time emplacou uma sequência de vitórias, assumiu a liderança, e no returno embalou de vez quando ganhou do Flamengo novamente. Só foi perder na última rodada quando já tinha o título assegurado e tudo era festa.
Se fez presente nos jogos?
Estive presente em mais da metade dos jogos, inclusive um contra a Portuguesa na Ilha e um contra o Olaria que foi disputado em Teixeira de Castro, estádio do Bonsucesso, e não na rua Bariri como seria de se esperar. Nesses o meu pai não foi. Fui com amigos, de ônibus. O Vasco disputou apenas dois jogos em São Januário, um na estreia contra o Bonsucesso e outro numa quarta à noite, se não me engano contra o São Cristóvão, e não fomos a nenhum dos dois. Quase todos os outros jogos foram no Maracanã, onde íamos a pé. Os clássicos, fomos a todos menos um, justamente o do gol da poça d’água, contra o Flamengo, não que o temporal nos desencorajasse, mas por motivo de saúde, uma pequena cirurgia para remover uma inflamação no dedo indicador, que me impediu de comparecer às duas primeiras rodadas do returno, o primeiro jogo contra o Olaria no Maracanã o segundo essa vitória sobre o Flamengo. Vários jogos da campanha foram muito marcantes. Até mesmo a derrota para o América no turno, por causa do gol fantástico marcado pelo Silva, partindo de antes da linha de meio de campo e driblando mais de meio time do América, sendo a seguir aplaudido pela torcida do Vasco toda de pé, uma ovação como se ele fosse um virtuose que tivesse executado um concerto de música clássica. O Vasco acabou perdendo por 3 a 1, mas aquele golaço ficou na memória. A primeira vez na minha vida que eu compareci a um estádio que não fosse o Maracanã ou São Januário foi a vitória sobre o Olaria em Teixeira de Castro, no turno, que foi suadíssima, tanto no sentido figurado como no sentido literal, pois a arquibancada estava apinhada, numa tarde de sábado, e fazia um calor dos diabos. Foi um sofrimento, o Olaria armou uma retranca terrível e o Vasco não jogava bem, mas no segundo tempo veio o golzinho salvador do Alcir. Me lembro de um empate terrível contra o Campo Grande, onde eu fui de geral na companhia de amigos e ficamos os 90 minutos atrás do gol defendido pelo goleiro do Campo Grande, chamado Sanchez, que fez defesas impossíveis e segurou o 0 a 0. Já na reta final, os jogos contra Madureira e Campo Grande foram preliminares de um Fla-Flu e Flamengo x América respectivamente, e claro que as torcidas adversárias torciam contra, para o Vasco perder a liderança que tinha naquela altura. Lembro-me de permanecermos naquele Fla-Flu para torcer pelo Fla, já que o Flu era nosso concorrente direto e o Fla já estava fora do páreo, mas não adiantou. Mas foi uma boa lição: torcer para eles não compensa nunca. A vitória contra o América na antepenúltima rodada foi para mim tão emocionante quanto a vitória sobre o Botafogo na rodada seguinte, que garantiu o título antecipado. Essa foi emocionante pela iminência do título e pela euforia depois do jogo. Mas contra o América, que ainda lutava por uma pequena chance de chegar ao título e havia sido o único adversário a derrotar o Vasco até aquela altura, havia a sensação de que era o jogo chave, que colocaria o Vasco com a mão na taça. E o Vasco jogou muito, teve a sua melhor atuação em todo o campeonato, em que pese um gol contra de placa do Renê – se é que um gol contra pode ser de placa -, que foi querer atrasar do meio do campo para o Andrada, que estava na linha da grande área, e acabou encobrindo o espantado goleiro, que ainda deu inutilmente uma corrida de volta para o gol . O murmúrio de desespero nas arquibancadas foi indescritível. E finalmente, a festa da entrega das faixas no último jogo foi linda, com o Maracanã tomado pela torcida do Vasco, que ia até quase atrás do gol do lado da torcida do Flu. Havia feixes de bolas de gás em toda parte, colorindo o estádio, e foram soltas simultaneamente quando o time entrou em campo sob a ovação da torcida.
Sentiu aquela conquista como um "cala-boca" aos adversários?
Um pouco, talvez, porque o título colocava um fim naquela história de jejum, mas sinceramente o sentimento predominante era a alegria de ver pela primeira vez o Vasco conquistar o campeonato carioca. Porque no de 1958, que foi decidido em janeiro de 1959, eu já era nascido, mas não tinha feito dois anos ainda.
Mas eu fiquei com a sensação de ter dado um "cala-boca" nos meus colegas de escola não-vascaínos quando o Vasco venceu o Flamengo no turno. Naquela época a Loteria Esportiva era uma novidade, tinha começado logo antes da Copa, e na minha turma da escola a gente fazia um concurso interno, com cada um apostando um trocado do dinheiro da merenda e aquele que fizesse mais pontos ganhava a bolada. Naquela semana eu fui o ganhador por ter sido o único que tinha cravado a vitória do Vasco sobre o Flamengo. Foi o pontinho que fez a diferença.
Havia mesmo um peso desse jejum de Carioca ou a conquista da Taça GB em 65 e do Rio-SP em 66 já haviam amenizado essa estória?
Havia um peso sim. Havia a gozação dos torcedores adversários por cause desse jejum, que era mencionado pela imprensa todo ano, e piorou quando o Vasco esteve na bica para vencer em 1968 mas perdeu para o Botafogo na última rodada. O Vasco nunca tinha ficado tanto tempo sem ser campeão carioca antes, ao contrario dos outros, que já tinham passado 11 anos no mínimo sem título – o Botafogo muito mais até. O Vasco tinha ficado no máximo 8 anos, de 1936 a 45. E o campeonato de 1970 era crítico nessa estatística, pois se o Vasco não ganhasse em 1970 completaria 12 anos, ultrapassando Fla e Flu.
Na conquista da primeira Taça GB, em 1965, eu senti a emoção de pela primeira vez gritar "é campeão" na saída do estádio. A Taça GB era glamurosa e especialmente a primeira competição foi muito valorizada, mas o significado que tinha um Campeonato Carioca era muito maior que hoje. Qualquer torcedor preferia ser campeão carioca que ganhar um Rio-São Paulo, Taça Brasil ou até uma Libertadores, quanto mais uma Taça GB. Então aquela conquista de 1965 não havia amenizado nem um pouco a ansiedade da espera por um título do Carioca.
Pesquisa, Texto, Tabelas e Fichas: Alexandre Mesquita
Revisão e Formatação: NETVASCO
Fotos: Placar, Acervo JB, Revista Grandes Clubes Brasileiros
Áudios: Rádio Continental/gravação Mauro Prais