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Na véspera de reestrear pelo Vasco, Felipe faz balanço de sua carreira


Sábado, 31/07/2010 - 19:21

O moleque que corria atrás de pipa, jogava pelada na rua e dava calote no ônibus para chegar aos primeiros treinos de futebol de salão cresceu. Aos 32 anos, Felipe volta ao Maracanã depois de cinco anos fora do Brasil. E com a camisa do Vasco, cena vista pela última vez em 2002. No passado, além dos dribles em campo, o jogador sempre teve seu nome envolvido em polêmicas e questionamentos. Ele garante que amadureceu, está tranquilo, mas adora toda a pressão que ronda o futebol brasileiro.

“Fiquei cinco anos no Catar. Muitas pessoas me chamaram de maluco de largar aquela vida tranquila e voltar para o Vasco, para toda essa pressão. Mas essa pressão me motiva”, afirma o camisa 6.

Felipe fala sobre a polêmica de ter jogado — ou não — a camisa do Flamengo no chão em uma comemoração, lembra da infância e lamenta pela atual violência, que impede que seus filhos, Lucas, 5 anos, e Thiago, 1, estudem na mesma faculdade que ele: a rua, a escola da vida.

O DIA: Como era quando você começou, ainda com todas dificuldades, o dinheiro sendo pouco? É verdade que certas vezes você tinha que dar até calote no ônibus para treinar no futebol de salão do Vasco?

Felipe: Peguei muito a linha 472 e dei calote. Fez parte da minha adolescência. O dinheiro era contadinho para a passagem. Então, a gente dava calote para sobrar um qualquer para o lanche. De vez em quando, arrumava uma camisa de colégio público para entrar pela frente. No bar aqui do Vasco, comprava um joelho e pegava dois. Passei por muitas dificuldades e tenho que agradecer a Deus pelo que conquistei, pela minha família. Sou um cara realizado. Muitos que começaram comigo aqui na quadra do salão se dedicaram e não chegaram ao profissional. Fico chateado com isso.

Mas como foi sua adolescência, o começo no futebol?

Aproveitei muito, não trocaria por nenhuma outra. Hoje, a preocupação que tenho é com meus filhos, que não vão viver o mesmo que eu, pois a cidade está perigosa. Eles não vão ter isso de jogar bola na rua, soltar pipa, jogar bolinha de gude. Hoje tem videogame, tira um pouco da vivência da rua, das leis da vida. Mas é claro que ele terá outras coisas que eu não tive e posso proporcionar.

Essa vivência na rua ajuda no futebol e na vida?

Ajuda. Sou o filho mais novo da família. Acordava cedo, vinha treinar sozinho, isso me fez amadurecer mais rápido. O futebol te dá essa responsabilidade. Cheguei muitas vezes para treinar e não tinha material. Cada ano que passava de categoria, era uma vitória.

Entre os jogadores que começaram com você mas não deram certo, algum optou pelo caminho errado, tráfico de drogas...?

Fui um dos poucos que chegaram até aqui. Ouvi algumas histórias de pessoas que não tinham estrutura familiar e acabaram indo para o outro lado. De repente, foi mandado embora no juvenil, júnior, não estudava, não tinha uma família legal... Apesar das dificuldades, eu sempre tive estrutura familiar, mesmo com meus pais separados desde que tinha 5 anos. Sempre estudei em bons colégios particulares. É claro que isso tinha o lado ruim: era mais difícil e sempre passava raspando (risos). Eu acho que alguns jogadores que se desviaram para outro caminho pela falta de estrutura familiar. O Pedrinho, por exemplo, teve muito mais dificuldade que eu, mas foi um vencedor, pois não se deixou levar. Só tenho a agradecer à minha família. Eu era jovem e solteiro e pude dar uma estrutura para os meus pais e irmãos.

E você, quando já estava encaminhado no futebol, ainda jovem, como era? Algumas pessoas contestavam seu jeito de ser...

Aproveitei muito minha solteirice. Jogava futebol, mas gostava das mesmas coisas que um garoto da minha idade: praia, diversão com os amigos. Mas sempre tive consciência de que não podia exagerar. Hoje, com 32 anos, minha diversão é sair para bater um papo com os amigos, comer um japonês e me dedicar aos meus filhos e à minha mulher.

Na sua carreira, muitas vezes a questão do seu amadurecimento foi colocada em questão, a sua cabeça. Agora, já com cabelos brancos, como você analisa isso?

Aprendi na escola da vida, com meus erros e acertos. No passado, eu reagia de uma forma, agora conto até dez. Às vezes, as pessoas te julgam sem te conhecer. Sou um ser humano, aprendi com a vida. Tinha uma maneira explosiva de jogar em campo e não tinha uma boa relação com a imprensa, pois não me preocupava com a minha imagem. Hoje, sei que isso é importante. Estou mais maduro, mais tranquilo.

Algum arrependimento?

Um arrependimento que tenho foi aquela agressão pelo Fluminense (Ele deu uma cotovelada em Marcos Mendes, da Campinense, em 2005, e pegou 180 dias de suspensão). Errei, mas outros casos mais graves tiveram punições menores. Mas tive muito mais acertos do que erros.

E o fato de não ter se firmado na seleção brasileira?

Sou tranquilo com relação à Seleção. Graças a Deus, pude jogar alguns jogos, fui campeão da Copa América em 2004. É difícil para um treinador ter de convocar apenas 23 jogadores em um País onde surgem pelo menos dez grandes valores por ano. E, quando muda o técnico, você pode perder espaço. Com o Vanderlei, eu me dava bem. Foi ele que me levou, primeiro como lateral e depois como segundo volante, porque ele gostava de quem tinha qualidade no passe. Mas cada técnico tem sua preferência, eu não tenho frustração.

E a passagem pelo Catar, onde você defendeu o Al Sadd? Por que voltou?

Fiquei cinco anos no Catar. Muitos me chamaram de maluco de largar aquela vida tranquila para voltar para o Vasco, para essa pressão. Mas essa pressão me motiva. Lá, eu treinava e jogava sem perturbações. Tinha muito tempo livre para me dedicar à minha família. Além disso, tem uma comunidade brasileira grande. A gente fazia churrasco, as mulheres jogavam baralho, tinha nossa pelada toda sexta, além de uma vida sem violência. Mas os estádios eram vazios, não era motivador. Lá, cada jogador tem de buscar a própria motivação. Aqui, não. Aqui, seja o clássico, seja jogar em clube grande, a cobrança aqui te faz querer um algo a mais.

Por falar em pressão, você volta justamente contra o Flamengo, time que defendeu em 2004, quando brilhou no Estadual, mas saiu criticado pelo suposto gesto de que teria jogado a camisa no chão depois de marcar um gol contra o Cruzeiro, no seu último jogo pelo Rubro-Negro.

Sou muito transparente nas minhas coisas. Sobre a camisa: se você gosta de mim, me conhece, vai interpretar de uma maneira aquele lance. Agora, se o objetivo é criar crise, vender jornal, vai encarar de outra maneira. Todos sabem que é difícil eu fazer um gol. E aquele não foi um gol normal, foi um golaço que tirava o Flamengo do rebaixamento. Claro que a responsabilidade disso é de todos, mas a responsabilidade maior era minha, do Zinho, Julio Cesar, e não do Ibson, que era um garoto. A comemoração foi uma maneira de extravasar. Mas, cada um interpreta como quiser, estou calejado.

Como foi jogar no Flamengo? Por que voltar ao Vasco?

Sou muito profissional. Tenho carinho pelo Vasco, conheço todos, do faxineiro ao presidente, a identificação é enorme, mas sou profissional. Por exemplo: o Pedrinho, meu melhor amigo desde os cinco anos, ama o Vasco. Ele deixou de ganhar mais para continuar aqui e sofreu uma série de injustiças através do Lancetta (Carlos Alberto Lancetta, supervisor em 2008). O Vasco não agiu de maneira correta com ele. Então, o jogador tem que ser profissional porque, se o clube achar que ele não está apto, vai botar para o lado e colocar outro no lugar. Existe amor à camisa, sim, mas tem de prevalecer o profissionalismo. Você tem maior identificação com um clube ou outro, mas sempre fui profissional por onde passei. Me dediquei ao máximo. Jogar bem ou mal é outra coisa.

Qual o papel do Pedrinho no seu retorno?

Apesar de tudo que o Vasco fez, ele foi o maior incentivador. Tive conversas com outros clubes, mas ele mandava eu vir para cá. O Pedrinho é o meu melhor amigo e ama o Vasco.

Você volta como capitão?

Não me preocupo com a faixa, quero é jogar bem e ajudar o Vasco. Com ou sem faixa, vou ser o mesmo em campo sempre. Hoje sou do grupo dos experientes. Antes era da molecada, jogava com Mauro Galvão, Evair, Edmundo, Romário...

E a ansiedade para voltar a jogar no Maracanã?

Estou muito ansioso com o Maracanã lotado. Foram cinco anos longe. Sempre que passava férias aqui e tinha jogo, eu ia assistir, seja de Flamengo, Fluminense, Vasco ou Botafogo, quietinho na cadeira. É isso que faz o jogador, os grandes clássicos, o estádio cheio... Seria ideal ter jogado antes, mas infelizmente isso não aconteceu e vou ter de suprir a falta de ritmo com muita vontade.

Além do Maracanã, do que sentia falta quando estava no Catar?

Sou o legítimo carioca. Gosto de praia, futevôlei, gosto de comer um japonês. Sou eclético, posso ir num hip hop, vou a um show de MPB. Tendo boas companhias, curto qualquer coisa. Mas, se ligar meu rádio, não tem pagode, não.

Fonte: O Dia Online