ENTREVISTA DE PEDRO VALENTE PARA O SEMPREVASCO.COM
concedida a JOSÉ LUIZ MANO
José Luiz Mano: Comente sobre seu passado como torcedor anônimo. Desde quando o senhor se conhece como vascaíno?
Pedro Valente: A primeira vez que fui a São Januário foi em 1945. Tinha 7 anos e fui levado pelo Seu Manuel, motorista de meu pai, um português vascaíno, de quem guardo saudosas recordações. À esta época, eu já torcia pelo Vasco. Meu pai era um médico homeopata e kardecista, com consultório na Estação do Riachuelo. Morávamos na Tijuca. Era fácil ser Vasco naquela época, na Zona Norte. No colégio, a maioria era vascaína. Comecei a ir aos jogos, empolgado com o Expresso da Vitória do eterno Cyro Aranha. Desde então, jamais deixei de assistir aos jogos do Vasco na arquibancada de São Januário. A partir de 1950, morando ali pertinho, na Rua Moralles de Los Rios, transversal da Barão de Mesquita, passei a freqüentar o Maracanã em dias de jogos do Vasco. Vi o Vasco ser campeão por muitas vezes quando menino e depois, na minha juventude, sempre como torcedor anônimo de arquibancada. Duro foi quando mudamos para a Zona Sul em meados dos anos 50. Comecei a estudar no Colégio Mello e Souza em Copacabana, bairro de elite naquela época. Tomei um susto. Não havia um único vascaíno na minha sala de aula. Só flamenguista, tricolor e botafoguense.
José Luiz Mano: O que o motivou a entrar na política do Vasco e como foi esse começo?
Pedro Valente: Formei-me na Faculdade Nacional de Medicina, na Praia Vermelha, hoje UFRJ. Quando voltei dos Estados Unidos, onde fiz pós-graduação em Cirurgia Plástica, fundei a minha clínica particular – Clínica Pedro Valente, na Rua Anita Garibaldi, no Bairro Peixoto em Copacabana. Com muito trabalho e a indispensável ajuda do Velhinho lá em cima, bem cedo, consegui reconhecimento não só aqui como no exterior. O Brasil estava passando a gozar de grande prestígio internacional na Cirurgia Plástica. Comecei, então, a freqüentar as cadeiras cativas do Maracanã. Num desses dias, após uma vitória do Vasco, fui levado pelo Grande Benemérito José do Amaral Osório, grande vascaíno e também cirurgião, ao vestiário do Vasco, no qual eu nunca tinha entrado. Lá encontrei o então presidente recém empossado Reynaldo Reis, ilustre advogado, que eu já conhecia. Ali mesmo, fui convidado para ocupar a vice-presidência de relações especializadas que englobava o jurídico e a parte médica. Desde então, jamais consegui abandonar a política do nosso clube, tendo exercido a vice-presidência médica por quatro vezes.
José Luiz Mano: Qual a sua maior alegria como torcedor e como dirigente do Vasco?
Pedro Valente: Como torcedor, a minha maior alegria foi ver todos os meus quatro filhos nascerem e crescerem vascaínos, apesar de terem sido criados em colégio da Zona Sul, contra tudo e contra todos, o que certamente contribuiu para forte formação de suas personalidades. Como dirigente, ter administrado o departamento médico do Vasco com o mesmo amor e a mesma dedicação que sempre dediquei a minha clínica particular.
José Luiz Mano: Em 1979, o senhor se uniu a importantes nomes da política vascaína como Antonio Soares Calçada, Cyro Aranha, Olavo Monteiro de Carvalho, Artur Sendas, Eurico Miranda, Medrado Dias e Alberto Pires Ribeiro. Esses grandes e ilustres vascaínos, incluindo o senhor, se uniram na chapa União Vascaína para tirar do poder o então presidente Agathyrno da Silva Gomes, no cargo desde 1969. A corrente oposicionista atingiu o seu objetivo, derrotando Agathyrno por 1700 votos de vantagem. Até que ponto é válida essa união entre os diversos grupos de Oposição para ganhar uma Eleição no clube? O senhor acharia válido ter a Oposição unida para tirar Roberto Dinamite da presidência, em 2011?
Pedro Valente: O Vasco sempre foi uma potência. A união de vascaínos sempre deu certo e foi com este nome que batizamos aquele movimento vitorioso. Na atual conjuntura, a situação está se tornando cada vez mais difícil. E uma coisa é certa: a culpa não é do Orico. Sou testemunha, para minha surpresa, que desde o primeiro momento em que foi consolidado o golpe que colocou o Dinamite na presidência do clube, o Eurico adotou uma surpreendente atitude conciliadora e colaboracionista com os atuais dirigentes que, infelizmente, não foi compreendida e aceita, nem tão pouco correspondida, muito pelo contrário, por este grupo que tomou o poder e que continuou falando injustamente em herança maldita, em campanha contra o Eurico. Daí o atual azedamento.
José Luiz Mano: De 1982 até 1997, o senhor sempre gravitou no grupo de Oposição a Antonio Soares Calçada. Em 1997, o senhor foi um dos fundadores do MUV e apoiou Jorge Salgado. Alguns meses depois, o senhor rompeu com o MUV e passou a fazer parte da Situação, que embora liderada por Eurico Miranda, tinha a presença do então presidente Antonio Soares Calçada. O que o levou abandonar o MUV e passar a fazer parte da Situação?
Pedro Valente: Na verdade, de 1982 a 1997 eu votei unicamente à condição de torcedor. Isto porque, depois de ter sido atirado de corpo e alma na campanha do Eurico contra o Calçada, fui surpreendido com a nomeação do Eurico para vice de futebol do Calçada. Achei na ocasião que merecia ter recebido do Eurico, pelo menos, a consideração de um telefonema, colocando-me a par da situação, coisa que eu facilmente compreenderia e certamente aprovaria. Somente em 1997, quando o Vasco vinha de resultados muito negativos e já não conquistava um título nacional desde 1989, voltei à política tendo sido convidado a apoiar e participar de uma chapa com Jorge Salgado. Terminada a eleição, como bom vascaíno, achei que deveria ser desmontado o palanque. O MUV era de outra opinião, o que determinou o meu afastamento. Eu estava certo, pois logo depois da duríssima disputa eleitoral que mexeu profundamente com o clube, o Vasco foi campeão Brasileiro dando início a um dos períodos mais vitoriosos de nossa história. Efetivamente, o que me fez voltar a apoiar o Eurico, além do reconhecimento pelas brilhantes vitórias que ele, no comando do futebol, ajudou o Vasco a alcançar, foi a sua brava resistência à truculenta e injusta invasão de São Januário pela Polícia Federal. Aquilo me revoltou e mexeu profundamente com meus brios vascaínos. O Vasco estava vivendo um momento dificílimo de terríveis perseguições. A chamada asfixia financeira. Achei que era o momento de esquecer eventuais mágoas passadas e voltar a ajudar o Vasco. Comecei por tentar reaproximar e promover o equacionamento do problema com a Globo, o que felizmente veio a se concretizar, após uma reunião em que eu e o Jorge Salgado, junto com Eurico estivemos presentes na Globo Esporte onde o Eurico foi muito feliz na sua exposição e nos documentos por ele apresentados. O Vasco voltou a respirar.
José Luiz Mano: Como o senhor avalia o mandato do Presidente Roberto Dinamite em seus erros e acertos? Qual a maior qualidade e o maior defeito da administração Roberto Dinamite?
Pedro Valente: Erros, infelizmente, têm sido muitos, a começar pela página mais desafortunada de nossa história – a Segunda Divisão. Acertos? Torço, sinceramente, para que venham a acontecer. Quanto à maior qualidade e o maior defeito, quem merece responder a esta pergunta são aqueles que irresponsavelmente, por ódio ao Eurico e não por amor ao Vasco como proclamam, usaram o nome de um ex-jogador ídolo do clube, para alcançar o poder e levar o Vasco a uma situação calamitosa. Só posso repetir o que disse na Casa dos Poveiros: este é o Vasco que o Flamengo gosta.
José Luiz Mano: Se fosse possível juntar no tempo todos os jogadores do Vasco que o senhor viu jogar, qual seria seu time ideal?
Pedro Valente: Hoje, escalaria o Vasco com 3 zagueiros, 2 alas, 2 armadores e 3 atacantes, num moderno 3–4–3. Assim: Andrada – Mauro Galvão, Bellini e Ricardo Rocha – Fidélis, Geovani, Danilo Alvim e Mazinho – Edmundo, Ademir Menezes e Romário.
José Luiz Mano: O senhor sempre colaborou com seus serviços médicos com o Vasco. Alguma vez foi remunerado?
Pedro Valente: Remunerado? Jamais. O verdadeiro vascaíno que aceita um cargo político no clube deve, acima de tudo, além de respeitar o Estatuto, trabalhar única e exclusivamente por amor ao Vasco. Pelo contrário, sempre ajudei o Vasco, não só com meu trabalho e a minha dedicação, inclusive realizando dezenas de cirurgias inteiramente gratuitas em atletas do Vasco na minha clínica particular, como colaborando financeiramente na contratação de jogadores como foi o caso do goleiro Andrada, sem nunca contabilizar ou pedir reembolso. Este sempre foi o meu salário moral de que muito me orgulho.
José Luiz Mano: O que representa para o senhor ser Grande Benemérito do Vasco?
Pedro Valente: Do lado emocional, não tenho dívidas, o mais significativo título de meu currículo. Mesmo tendo ocupado os honrosos cargos que ocupei na vida pública, como presidente do Conselho de Contribuintes, presidente do Riocentro, secretário municipal de saúde, secretário estadual de saúde, secretário estadual de transporte, além de títulos honoríficos dos quais muito me orgulho como a Medalha Tiradentes e a Ordem do Mérito Militar no Grau de Oficial do Exército, entre outros.
José Luiz Mano: Qual a sua opinião sobre a terceira camisa do Vasco? A templária.
Pedro Valente: É anti-estatutária, fruto apenas da iniciativa promocional de uma marca esportiva e que, infelizmente, a atual administração tentou irregularmente oficializar como terceira camisa do Vasco. Do ponto de vista de gosto pessoal, além de não ter nada a ver com o Vasco, é feia, azarada, mais parecendo uma batina de padreco e quando se vê o Vasco em campo com ela é difícil reconhecê-lo e torcer por ele.
José Luiz Mano: Qual é a sua sugestão para que o Vasco recupere o caminho das gloriosas conquistas? Há possibilidade do senhor integrar alguma chapa candidata à presidência do Vasco ano que vem?
Pedro Valente: A fórmula para as gloriosas conquistas é: trabalho, amor à camisa, honestidade e competência. Quanto a integrar uma chapa, acho que já dei inúmeras demonstrações de meu desprendimento e amor pelo Vasco chegando mesmo, em algumas ocasiões, a prejudicar a minha vida profissional e pessoal pelo nosso clube. Não obstante, acho prematuro o lançamento de nomes. Vamos continuar lutando para que o Vasco não desça, mais uma vez, ladeira abaixo e aguardar os acontecimentos.
José Luiz Mano: O jiu-jitsu no Vasco teve o senhor, como o seu principal incentivador. Entre os anos 1981 e 1985, o senhor conseguiu as instalações da Sede Náutica da Lagoa para ser a sede da Academia Gracie. A parceria Vasco/Gracie levou inúmeros lutadores e estrangeiros a desembarcarem no Rio, mais precisamente na sede vascaína para aprenderem o “Brazilian Jiu-Jitsu”, ensinado pelo eterno mestre Hélio Gracie. Comente um pouco sobre esse período que a Sede Náutica da Lagoa tornou-se a “Meca” do jiu-jitsu mundial.
Pedro Valente: Este foi mais um episódio de pioneirismo que sempre marcou a história do Vasco. A lendária academia Gracie do Centro da cidade, na Avenida Rio Branco, estava sendo desativada. Meus filhos eram pequenos e eu não aceitava a idéia de vê-los deixar de receber os ensinamentos do grande mestre Hélio Gracie. As academias de judô e karatê floresciam na Zona Sul, inclusive no Flamengo. Tive a idéia de trazer o jiu-jitsu para a Sede Náutica do Vasco, na Lagoa. Aí tudo começou. O Gracie Jiu-Jitsu, hoje também chamado Brazilian Jiu-Jitsu, tomou conta do mundo. Infelizmente, na época, o Calçada não teve a clarividência de entender a grandeza do projeto e me pediu que desativasse a academia, que se transferiu para o Colégio Padre Antonio Vieira e para Los Angeles. Depois disso, espalhou-se com sucesso extraordinário pelo resto dos Estados Unidos e pelo mundo. Mas tudo começou no Vasco.
José Luiz Mano: Graças ao projeto olímpico, o Vasco montou uma equipe de hipismo e contratou ninguém menos que Rodrigo Pessoa, o melhor cavaleiro do mundo à época. Também fez parte dessa equipe, a sua filha Joana Valente. Qual foi a emoção do senhor, como pai, ao ver sua filha fazendo parte da melhor equipe de hipismo que um clube brasileiro já montou, além dela estar representando bem o seu clube do coração – o Vasco da Gama?
Pedro Valente: O Rodrigo Pessoa, logo no primeiro ano de patrocínio do Vasco, sagrou-se campeão mundial, título inédito no país e minha filha Joana Valente conquistou o Campeonato Sul-Americano, na Venezuela. Ambos com a cruz-de-malta estampada na manta dos cavalos. Imaginem a minha emoção.
José Luiz Mano: Ao lado do presidente Eurico Miranda, o senhor foi um dos principais incentivadores do Projeto Mil Gols, que visava que o Romário chegasse ao 1000º gol na carreira com a camisa do Vasco. O projeto foi bem-sucedido e o Vasco circulou o mundo. Comente um pouco sobre este importante capítulo na história do Vasco, que teve o senhor como um dos grandes entusiastas.
Pedro Valente: Em 2005, quando o Romário retornou ao Vasco por iniciativa do Eurico, criticado por muitos, vindo do Fluminense, onde não tinha sido bem sucedido, não estava na sua melhor forma física e orgânica. Naquele ano, eu como vice-presidente médico, havia instituído os exames clínicos pré-temporada no Hospital Pró-Cardíaco, que é um centro de referência no país. Após bateria de exames, verifiquei a necessidade de um regime de alimentação para o Romário, com base na dieta Gracie. Romário é um dos atletas mais inteligentes e sensíveis com quem convivi em todos esses anos. Ele entendeu o problema e imediatamente diminuiu a carne vermelha e a Coca-Cola, que foi substituída pela água de coco e pelo suco de melancia. O resultado é que já no primeiro ano, conquistou a artilharia do Campeonato Brasileiro, mesmo sem participar da maioria dos jogos fora do Rio. Com os gols surgindo, viu-se aproximar da realidade o sonho do gol mil que finalmente se concretizou, para desespero de muitos, numa verdadeira epopéia de glória mundial tipicamente cruzmaltina.
José Luiz Mano: O Vasco em uma palavra.
Pedro Valente: Como diz Martinho da Vila: “Religião”.
José Luiz Mano: Deixe um recado final para os vascaínos que acompanham o SempreVasco.com.
Pedro Valente: Ao Vasco tudo!
Ex-presidente Reynaldo de Mattos Reis e Pedro Valente. Início na política vascaína.
Com Olavo Monteiro de Carvalho (esquerda) e Eurico Miranda (direita). Valente também era um dos líderes da União Vascaína.
Mestre Hélio Gracie aplica uma guilhotina em Pedro Valente. Tempos da academia Gracie, na Sede Náutica da Lagoa.
Rodrigo Pessoa e Joana Valente, filha de Pedro Valente. Representantes da equipe de hipismo do Vasco.
Ao lado de Romário e família, celebração do milésimo gol.
Fonte: Sempre Vasco