Hoje roupeiro do Vasco, Luizinho jogou com Luan na base e resistiu ao crime

Sexta-feira, 05/05/2017 - 08:59
comentários

Enquanto Vasco e Vitória se enfrentavam pela Copa do Brasil sub-20, em São Januário, um gandula atrás de um dos gols sentia a perna tremer. Era a vontade de estar em campo. Ele já foi um daqueles meninos: jogou do mirim aos juniores do Cruz-Maltino. Mas perdeu a chance. Foi dispensado, desistiu do futebol, se envolveu com drogas e o mundo do crime. Há algum tempo, teve a oportunidade de recomeçar: antes promessa do futebol, hoje é auxiliar de rouparia. E com muito orgulho.

Luizinho é um dos exemplos da parte menos glamourosa do futebol. Eu o conheço bem. Crescemos juntos no Paiol de Pólvora, um dos bairros mais pobres de Nilópolis, na Baixada Fluminense. Uma região que engloba Anchieta, Pavuna e São João de Meriti, zona de guerra cotidiana em que trabalhadores acordam de madrugada para o batente e jovens têm tentações demais para oportunidades de menos.

Hoje, aos 24 anos, ele faz parte deste primeiro time.

- Acordo todo dia 4h30. Atravesso a favela ali perto de casa, pego o ônibus e vou para o Vasco. Não tenho vergonha, não. Um dia desses eu estava abraçado com o Guilherme Costa, e me falaram: “Está vendo, era para estar aí tirando onda.” Respondi: “Pode ter certeza que meu filho vai se orgulhar de mim, porque estou trabalhando, não estou roubando ninguém.” Chego cedo, estou aqui para trabalhar e ajudar todo mundo. Meus filhos que me dão força – contou Luizinho, em referência a Danilo, de cinco anos, e Analu, de dois meses.

No Paiol dos anos 1990, havia três campos de terra batida. Um, rodeado por um pântano, deu lugar à Via Light. Outro agora é de grama sintética, símbolo da modernidade. O terceiro, o Maracanã da garotada, virou praça pública. Por ali e nas ruas estreitas jogávamos bola. O pequenino Luizinho chamou a atenção de um olheiro, fez teste no Vasco e passou. Com 12 anos, foi morar no alojamento em São Januário e sumiu do bairro.

Sem estrutura familiar, o menino teve dificuldades para lidar com as exigências do futebol. Aprontou em São Januário. Quando chegou a gestão de Roberto Dinamite, foi dispensado após uma semana nos juniores, por indisciplina. Ele diz que foi porque o consideraram baixo.

Dali, tentou a sorte no Resende, mas foi enganado por um empresário. Decidiu largar o futebol. Desempregado, voltou ao Paiol. Trabalhou no comércio local, tentou a sorte como pedreiro. Quando Eurico voltou, o ex-lateral-direito procurou Álvaro Miranda, filho do presidente e responsável pela base. Pediu para trabalhar, "nem que fosse lavando banheiro ou quebrando parede".

- Ele era o estereótipo do atleta de futebol: indisciplinado, diversos problemas familiares, achava que estava acima do bem e do mal. De repente, o teto caiu na cabeça dele. O Luizinho era referência, um menino de muito potencial, mas o processo estraga eles. É empresário, falso amigo, namorada, noite, bebida. Ele é um exemplo disso que não aproveitou. Em certos momentos se rebelou contra o pessoal aqui. Eu fiz questão de tê-lo aqui. Começou como auxiliar de pedreiro. E não usa isso como demérito. Uso ele como exemplo para outros meninos entenderem que futebol não é só magia – contou Álvaro.

Amizade com Luan

Antes de voltar ao Vasco, Luizinho bateu cabeça. Sem ter como sustentar a família, chegou a sucumbir ao tráfico de drogas - endolava e ajudava no abastecimento. Logo se arrependeu. Sabe que quem vem de onde ele vem não pode dificultar ainda mais o que já é complicado.

- São coisas que a gente passa na vida, que precisa. A vida é essa. Ninguém te obriga a fazer nada. Você faz porque você quer. Aprendi dessa forma.

No Vasco, Luizinho é da geração que revelou nomes como o Luan, Jordi, Marlone, Romarinho e Muralha. O zagueiro, vendido ao Palmeiras, só recebe elogios do amigo. Foi quem mais o ajudou no período de dificuldade.

- Na época que eu estava desempregado, o que eu precisava para dentro de casa, ele sempre estendeu a mão para mim. O Jordi e o Muralha sempre me ajudaram. O Luan foi com quem eu mais tive contato. Quando tinha telefone, eu falava mais com ele.

Na época de alojamento, Luizinho deu trabalho em São Januário. Na escola, só dormia. De noite, aproveitava para ir para os bailes funk e extrapolava o toque de recolher.

- Eu aprontei. Saía para a noite, ia para baile. Eu não bebia. Gostava de zoar. Morava no alojamento porque no Paiol minha situação era complicada, não tinha condições. Aqui no Vasco tinha colégio, comida de graça, lugar para dormir direito. Na escola eu aloprava. Não vou mentir. O professor escrevia no quadro, eu ia no banheiro, molhava papel higiênico e atirava no quadro, apagava tudo. Parei na sétima série. Hoje me faz muita falta. Tenho dificuldade em algumas coisas.

No alojamento, ele chegou a conviver com atletas que hoje estão no exterior, como o volante Souza e o atacante Alan Kardec. Baixinho, teve que aprender a escapar das brincadeiras dos mais velhos.

- Nunca fui bobo, né? Quando vejo que o troço está pegando, saio pela esquerda (risos). Uma vez eles vieram pegando todo mundo de porrada. Tive que me esconder dentro do armário para não apanhar. O Alan e o Souza pegavam lençóis, apagavam a luz, usavam luva de goleiro e vinham pegando todo mundo. Tinha gente que falava até que estava em oração (risos) – lembrou.

Exemplo para a nova geração

A história de vida de Luizinho o fez virar referência para as outras gerações. A história do menino que não tinha nada, pôde ter tudo, mas caiu e tenta se reerguer é contada por ele mesmo.

- Um dia eles iam treinar em Manguinhos, eu estava quebrando uma parede grandona com aquelas marretas. Chamei o Lorran (lateral-esquerdo, hoje emprestado para o Moto Club), falei: “Segura essa marreta.” Quando ele sentiu o peso, eu falei: “Vai querer isso para a sua vida?”. Jogador que não estuda é tendência é virar isso aí: traficante, começa a sair para roubar os outros, se droga, vira cracudo. O mundo é isso aí. Eu mesmo já perdi vários amigos na vida do crime. O meu primo era nosso amigo, chegou a treinar com o Wellington Nem e se envolveu em parada errada. Morreu na porta de casa.

O primo a que ele se refere também cresceu comigo. Era bom de bola e chegou a ir para o Fluminense. Nos últimos anos, sempre que cruzava comigo na rua mostrava o semblante cansado. Foi assassinado na esquina da rua onde moro, à noite, sentado num sofá velho. Eu tinha acabado de chegar de um dia de cobertura no Vasco. Luizinho também estava em casa. É por isso que ele valoriza a chance de recomeçar.

- Para a gente é sempre mais difícil porque a gente mora em comunidade. Mas é na comunidade que você vai encontrar pessoa honesta, que não pega nada de ninguém. Hoje em dia o traficante está de terno e gravata. Você vai olhar para a minha cara e achar que eu sou ladrão porque vim de comunidade. Na concentração eu vi muito isso. Lidei com moleque que tinha condição mas gostava de pegar troço dos outros. A gente vai estar sempre mal visto. Vão gostar da gente quem viu a gente crescer. Aqui no Vasco, estão fazendo coisa comigo que meu pai não fez. Antes de morrer, ele disse que eu ia ser traficante. Só tenho a agradecer pela oportunidade que estão me dando.



Fonte: GloboEsporte.com