Dida foi um dos maiores pegadores de pênaltis do futebol brasileiro entre o final da década de 90 e começo dos anos 2000. Além do grande talento e da intuição aguçada, o camisa 1 contou com um trabalho de estudos fora dos gramados para ajudar o Corinthians e a seleção brasileira a conquistarem títulos importantes.
O principal braço direito do baiano nascido em Irará era o então preparador de goleiros Paulo César Gusmão, que era responsável por coletar as informações dos adversários para o pupilo.
"Eu já usava a análise de desempenho dos goleiros lá atrás. Eu filmava os treinos e os jogos para corrigir as coisas. Isso deu muito certo porque as pessoas foram se envolvendo e hoje tem departamento de inteligência nos times", disse Gusmão, atualmente sem clube, ao ESPN.com.br.
Na primeira passagem pelo Corinthians, Nelson de Jesus Silva pegou seis penalidades, quatro delas forma consecutiva.
"Ele sempre foi muito profissional. Era até difícil dar um descanso para ele depois dos jogos. Ele vinha no outro dia cedo para treinar com quem não tinha jogado (risos). Era um baita profissional e goleiro espetacular", acrescentou.
Um dos momentos mais gloriosos de Dida ocorreu na primeira partida da semifinal do Campeonato Brasileiro de 1999 contra o São Paulo. O Corinthians vencia o rival no Morumbi por 3 a 2, quando o clube tricolor teve um pênalti anotado a seu favor.
Aos 18 minutos da etapa final, Raí pegou a bola embaixo dos braços e foi cobrar. Garantia de gol certo? Nada disso...
"Eu estava atrás do gol e não costumava opinar porque tem momentos de intuição. Só que o Dida me ouvia muito. Ele olhou para mim enquanto andava em direção ao gol e falou assim: 'E ai? Qual canto dele?' Eu só indiquei com o dedo (risos). Eu tinha estudado os últimos seis pênaltis e sabia como o Raí gostava de bater", relatou.
Com a dica de Gusmão, o arqueiro voou para o canto esquerdo e espalmou a bola. Antes do apito final, aos 46 minutos, outra penalidade.
"Na primeira batida, o Raí foi canto de segurança dele. No segundo pênalti eu não falei nada. Aí foi a intuição do Dida de perceber que ele ia trocar. Ele foi lá e pegou de novo", prosseguiu.
"Nunca vi um jogador tão frio como o Dida. Ele era contido até nas comemorações (risos). Tinha um programa do Juca Kfouri chamado Bola na Rede [da RedeTV] e fui convidado porque o Dida não quis participar. Não gostava de dar entrevistas", divertiu-se.
Com a vitória por 2 a 1 na segunda partida, o Corinthians eliminou o São Paulo e depois foi campeão brasileiro contra o Atlético-MG.
Herói do Mundial
Poucos meses depois, O goleiro mostraria toda sua capacidade durante o Mundial de Clubes, disputado em janeiro de 2000. Contra o poderoso Real Madrid, no Morumbi, a partida estava empatada por 2 a 2 até os 37 minutos do segundo tempo.
Pênalti para os merengues.
O atacante Anelka tinha em seus pés a chance de garantir a vitória e a classificação para a final do torneio. O francês chutou no lado esquerdo, mas Dida pegou.
Após derrotar o Al-Nassr, dos Emirados Árabes Unidos, o Corinthians foi disputar a decisão no Maracanã contra o Vasco. Empate sem gols no tempo normal e na prorrogação.
Era hora de Dida se consagrar outra vez.
"Eu tinha trabalhado com Edmundo, Romário, Gilberto e muitos outros como treinador de goleiros. Eu comandava os treinos de pênaltis com essas feras e sabia como cada um cobrava. Eu estava no pré-olímpico em Londrina com a seleção brasileira sub-23. Na véspera do jogo eu estava conversando com o Candinho quando o Dida me ligou: 'E aí pai, o que tem do Vasco? O que você sabe deles?' Eu respondi: 'Está com papel e caneta aí? Então, anote'. E falei para ele o canto de preferência de cada um deles", contou.
Dida defendeu a penalidade de Gilberto no lado direito e ainda acertou o canto de Romário, mas a bola passou por baixo de seu braço. Contra Edmundo, na última cobrança da série, ele não teria a mesma sorte. Mas nem precisou.
"O Edmundo trocou o canto de preferência e errou. O Dida tinha voado para o lugar que ele costumava bater. Eu já conhecia muito o Edmundo desde os tempos de Vasco e seleção brasileira. Era o lado que tinha passado para ele", afirmou.
Alguns meses depois, o arqueiro seria decisivo nas oitavas de final da Copa Libertadores da América, quando a decisão entre Corinthians e Rosario Central-ARG foi para as penalidades.
"Eu tinha estudado todos os cobradores deles. Mas o juiz não me deixou ficar atrás do gol. Então, os caras do Corinthians me arrumaram um colete de imprensa. E consegui ficar lá (risos). Eu tinha todas as anotações dos caras numa prancheta. Eu passava todos os cantos para ele. Mas a decisão era sempre dele", analisou.
Dida pegou uma cobrança e o Corinthians chegou às semifinais do torneio contra o Palmeiras. Assim como foi em 1999, outra decisão no tiro de 11 metros.
Desta vez, porém, nem todo estudo e talento do arqueiro foram suficientes para que o time de Parque São Jorge chegasse à final contra o Boca Juniors.
"Eu estava com Alex no pré-olímpico e passei ao Dida o canto de preferência dele. O Alex lembrou que eu era preparador do Dida, trocou o lado e acabou fazendo o gol. Isso mostra o quanto ele é um cara diferenciado e sabia usar as informações".
Marcos defendeu a última cobrança de Marcelinho Carioca e classificou o time alviverde.
Adversário e seleção
"Eu era treinador de goleiros do Corinthians e o Edílson Capetinha não conseguia fazer gol de jeito nenhum. No terceiro jogo da decisão eu falei: 'Edilson, se você entrar de frente e chutar, o Dida vai defender. Ele é grande para caramba e sabe usar a envergadura. Se você balançar na frente dele e driblar você vai marcar'".
Dito e feito. Aos 25 do segundo tempo, Dinei deu um lançamento nas costas da zaga cruzeirense e o Capetinha não desperdiçou.
"Ele chegou na cara do gol, driblou o Dida e marcou. Ele saiu na comemoração me procurando para me abraçar, mas eu estava nas cabines. Naquela época, o treinador de goleiros não podiam ficar no banco. Ele me disse: 'Na hora que cheguei na cara do Dida eu lembrei de você e fiz aquilo'".
Corinthians acabou vencendo por 2 a 0 o jogo e conquistou o torneio. Poucos meses depois, Gusmão e Dida começariam a trabalhar juntos. O arqueiro vinha de um processo na Justiça contra o Cruzeiro e praticamente não atuava pelo Lugano, da Suíça. Mesmo assim, era chamado para a seleção brasileira.
"O Vanderlei me perguntava: ‘Como vou convocar o Dida se ele não está jogando?' Eu respondia: ‘Pode convocar que eu o coloco em forma. O Dida é muito profissional'. Ele chegou, treinou e foi tão bem que não saiu mais do gol".
Antes da Copa América de 1999, o arqueiro estava sem ritmo de jogo e foi treinar com Gusmão na capital paulista.
"Ele ficou trabalhando comigo em Itaquera um mês sem ninguém saber antes da apresentação. Isso facilitou muito a contratação dele pelo Corinthians logo depois".
Nas quartas de final da competição sul-americana, a Argentina conseguiu um pênalti no final da partida, quando o Brasil vencia por 2 a 1. O zagueiro e capitão Ayala foi para cobrança.
"O cobrador deles era o Palermo, que tinha errado três pênaltis contra a Colômbia. Eu imaginei que eles fossem trocar o batedor. E vi que o Ayala poderia bater, mas não tinha nada dele na seleção. Tive que ir pesquisar os pênaltis dele no Atlético de Madri. Descobri que ele gostava de bater no canto direito baixo e forte".
"O jogo estava difícil e o Dida foi lá e pegou exatamente ali. Lembro como se fosse hoje. A bola ainda passou por baixo do braço, mas ele pegou. Os argentinos foram lá e pisaram na mão dele".
Fonte: ESPN.com.br (texto), Reprodução Internet (foto)