Contra o Brasil, Martín Silva faz nesta 5ª-feira sua partida mais importante pelo Uruguai

Quinta-feira, 23/03/2017 - 16:35
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Os 45 primeiros minutos de Vasco x Palmeiras do dia 26 de julho de 2015 foram marcantes para Martín Silva. Um chute de fora da área e duas saídas que terminaram em três gols palmeirenses levaram o técnico Celso Roth a substituir o goleiro ídolo dos vascaínos no intervalo da partida que terminaria 4 a 1 em São Januário.

Chateado, mas introspectivo como sempre, Martín esperou o fim do jogo e foi chamado por Roth para conversar. Ouviu sereno e calado, esperou a sua vez de falar e respondeu:

- Eu respeito sua decisão, mas não concordo com a maneira que saí - pontuou o goleiro ao técnico.

Com passagem em todas as categorias de base da seleção uruguaia - mas apenas oito jogos pela seleção principal, três deles oficiais -, o goleiro que faz a partida mais importante pela Celeste nesta noite contra o Brasil - às 20h, no histórico estádio Centenário, em Montevidéu - é assim. Poucas palavras, poucos sorrisos. Na intimidade com - os poucos - amigos, com a família, num churrasco na sua cobertura na praia do Pepê, na Barra, nas férias, é um Martín mais à vontade.

O apaixonado marido da Paola, pai de Rocío, Sofia e Pilar, as três filhas que encantam o reservado goleiro de 33 anos, era assim desde muito novo. Leva luvas para casa e ele mesmo faz a limpeza de seu material de trabalho. Um ex-companheiro de Vasco diz que Martín era autoridade e liderança no grupo sem precisar abrir a boca. Apenas no olhar já se faz entender.

- Era impressionante o respeito que ele provocava. Era raro, mas quando ele levantava o dedo para falar, todos silenciavam e olhavam para ele - confidenciou um funcionário do Vasco.

- Tinha um grau de maturidade impressionante. Firme, super profissional. Era referência no grupo, não fazia barulho, mas era uma pessoa que falava no momento certo com o diretor, com o grupo de jogadores - conta Jorge Etcheverry.

Capitão aos 19 anos no Defensor

“El Flaco” Etcheverry é espécie de síndico do estádio Luiz Franzini, casa do Defensor e a primeira que recebeu o garoto Martín. Foi no estádio, do lado do Parque Rodó e bem próximo da Rambla Presidente Wilson, que o filho único de um carpinteiro - que hoje trabalha na administração do futebol local - e de uma funcionária de laboratório em Montevidéu chegou antes de completar 14 anos depois de se arriscar até como atacante em escolinha do bairro Aires Puros. De família torcedora do Peñarol, Martín fez teste no clube carbonero, mas não quis ficar. Escolheu e fez história no Defensor. Foi campeão uruguaio da temporada 2007/2008, do “Apertura” em 2010 e participou de boas campanhas na Libertadores 2007 e na Sul-Americana de 2009.

O técnico Gustavo Ferrín conheceu Martín aos 13 anos, na base do Defensor, e também o dirigiu nas divisões inferiores da seleção do Uruguai. Quando assumiu o comando do Defensor comunicou a Martín que sem Juan Castillo, então titular absoluto do Defensor com o técnico anterior, ele era o novo titular. "Comigo joga Martín Silva", avisou à direção.

- Não tivemos uma conversa profunda. Ele tinha 19 e eu já o conhecia há seis anos. Com 13 anos ele já era assim. Sabia pela personalidade dele que não ia ter mudança profunda de comportamento. E ele sempre teve a mesma resposta, de muita tranquilidade, que é condição necessária para um goleiro de elite. Há jogadores que ficam nervosos com responsabilidade. Ele transmitia segurança - lembrou Ferrín, hoje com 57 anos e treinando o Fénix da capital.

O drama no nascimento da filha

Martín chegou em São Januário num hiato de goleiros de confiança do torcedor - entre a saída de Fernando Prass, que não era a unanimidade que Martín hoje é, até a chegada do uruguaio, no início de 2014, quem pusesse as luvas era criticado e muitas vezes vaiado. Empresário do jogador desde os tempos de Olimpia - o uruguaio o procurou para cobrar dívida do presidente paraguaio e depois terminou ajudando Martín a sair com seu passe pela Justiça, após novo débito no Olimpia -, Regis Marques conhece bem Martín. São vizinhos na Barra da Tijuca. O goleiro e a esposa são apaixonados por animais - tem dois cachorros (Mac e Lola) e um gato (Mel) - e recentemente presentearam o agente com a cadela Martina.

- Ele é fechado, mas não é tão sério quanto parece com quem conhece melhor. Mas não é fanfarrão. Não pula na frente das câmeras para ficar aparecendo - conta Regis Marques.

Ex-companheiro de seleção, Loco Abreu, hoje de volta ao futebol carioca para defender o Bangu, define o amigo de forma parecida.

- É um cara tranquilo, que gosta da resenha e é brincalhão, mas apenas na intimidade do grupo. É muito profissional, com personalidade e caráter, além de ser um ótimo goleiro - afirmou Loco.

Logo que chegou ao Rio, Martín viveu um drama familiar. A pequena Pilar - filha mais nova - nasceu prematura, teve problemas respiratórios e precisou de cuidados especiais ao lado da esposa em Montevidéu. O goleiro treinava no Rio e pegava o avião para ver Paola e a pequena Pilar. "Não sei como ele conseguiu jogar bem", lembra Regis. Num empate por 1 a 1 no clássico com o Fluminense, os vascaínos na arquibancada gritaram o nome de Pilar.

- Foi muito emocionante. Precisei até de alguns minutos para me concentrar novamente - disse Martín, num raro momento em que falou da vida pessoal.

A má fase do Vasco - Martín pegou o rebaixamento de 2015 e a campanha irregular do ano passado na Série B - não influi no dia a dia do uruguaio, que leva a seriedade da profissão aos companheiros no clube.

- Martín é um cara que gera zero estresse. Não fica ligando enchendo o saco, pedindo isso, aquilo. Nunca pediu para se transferir, para sair do Vasco, porque o time está mal. Tem jogador que vai bem uns jogos e fala que quer ir para o Barcelona, para o Real Madri. Preferia ao invés de ter 200 jogadores, ter 10 que nem ele - afirma o empresário do jogador.

Não gosta de perder nem no videogame

No livro-perfil da geração uruguaia da Celeste do “Maestro” Tabarez, a jornalista Ana Laura Lissardy intitula o capítuto de Martín como “O família” e traz a descrição de Paola sobre o marido. “Nunca o vi irritado. Se queima uma cortina, o máximo que ele pode dizer é: ‘bom, vamos jogar água’”.

O GloboEsporte.com ouviu descrições parecidas. Mas a cena muda quando o assunto é o trabalho. Sem ser invasivo ou expor jogador, não raro era vê-lo pedindo concentração ao jovem Jordi, seu reserva imediato. Mesmo nas vitórias, costuma entrar insatisfeito e de cara fechada no vestiário quando entende que o time vascaíno não jogou nada. Ainda mais se o adversário for muito inferior.

Martín Silva não costuma atender jornalistas para entrevistas exclusivas. O GloboEsporte.com fez pedido com antecedência para a assessoria de imprensa do Vasco, mas o goleiro preferiu não falar. A discrição é uma marca do goleiro. No Uruguai, se comporta exatamente igual.

- Ele não fala à toa. Não fica de brincadeira. Via até nos treinos em São Januário que torcedores pediam autógrafos, chamavam e tudo mais. Ele dizia “depois” e não parava de treinar. Lembra o Jefferson (do Botafogo) no temperamento. Quando tem que se colocar é pontual, mas é muito na dele realmente - conta Flavio Tênius, preparador do Botafogo que esteve com Martín em 2015 no Vasco. - Domingo (após o empate de Vasco e Botafogo) encontrei com ele e falei “vai jogar?”, ele disse “não sei, vamos esperar”.

Em três temporadas no Olimpia, onde foi vice-campeão da Libertadores, campeão paraguaio e virou o “Super Martín Silva", chegou a fazer gol de pênalti de tanto que os torcedores o pediam nas cobranças. Apesar do estilo discreto, um áudio com Martín a plenos pulmões no túnel de entrada faz sucesso no Youtube. Foi antes de enfrentar o Tigre da Argentina na Libertadores de 2013.

- Vamos para o campo com humildade e o sacrifício de sempre, que nos trouxe até aqui. Temos que dar a vida lá dentro, tem que saber o tamanho do Olimpia. Vamos, c…. - gritou na corrente final.

Ajuda a sanatórios e crianças no Uruguai

A jornalista Ana Laura Lissardy conta um pouco desse espírito de competição de Martín fora das quatro linhas também. “Desde criança que quero ganhar tudo. Futebol, pique-pega, cartas…” Jogando videogame com sobrinho de quatro anos grita “Vamos!” e “Toma!” como se estivesse dentro de campo.

Morando no Rio há três anos, Martín e Paola saem pouco. Não foi aos jantares oferecidos pela diretoria do Vasco nos dois títulos estaduais (2015 e 2016). O casal fica com as crianças em casa, vez ou outra vai ao cinema, mas o goleiro gosta mesmo é de fazer churrasco, adora misto quente no café da manhã e toma mate - com a mala e cuia inseparáveis. Não se frustra por não ser titular do Uruguai - prega respeito às decisões de Tabarez - e nem por não ter jogado na Europa.

- É um cara de “buena madera” (boa praça, firme), como dizemos aqui. Ajudava um sanatório que ficava ao lado do estádio Centenário e fazia outras ações em Dias das Crianças para crianças com câncer. Uma pessoa excepcional, que gostamos de acompanhar depois de sair daqui, que sentimos orgulho depois de ver crescer - lembra, com carinho, Etcheverry.



Fonte: GloboEsporte.com