Leila Pereira não quer mais só patrocinar o Palmeiras: a presidente da empresa que patrocina o clube há dois anos agora tem vaga no Conselho Deliberativo, o que lhe dá voz nas discussões políticas e (mais) poder para influenciar os rumos da instituição.
Doze horas depois de ter sido confirmada conselheira, ao fim de um processo marcado por polêmicas e suspeitas, Leila recebeu o GloboEsporte.com em seu escritório no Jardim Europa, em São Paulo. Ela negou ter planos de assumir a presidência e elogiou o ex-presidente Mustafá Contursi – a quem chamou de "grande professor".
Numa sala de reuniões, Leila sentou-se de costas para uma parede enfeitada por dois diplomas: um de Cidadã Paulistana, outro de Cidadã Palestrina. Ofereceu pão de queijo, sanduíches, café e suco de laranja – e não tocou em nada. Em duas horas de conversa, Leila só pegou seus dois iPhones para mostrar fotos: uma delas, uma montagem do Cristo Redentor segurando uma bandeira do Palmeiras.
Durante a entrevista, a empresária chorou uma vez (ao falar sobre uma conversa com um torcedor), riu muitas, mostrou-se incomodada com as críticas e repetiu um conceito que formou nos últimos dois anos, nos quais suas empresas despejaram R$ 350 milhões no Palmeiras.
– Vale muito a pena investir em futebol.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como foi a decisão de patrocinar o Palmeiras?
Em janeiro de 2015 meu marido [José Roberto Lamacchia, também recém-eleito conselheiro do Palmeiras] havia acabado de se curar de um linfoma. E o Palmeiras havia acabado de escapar do rebaixamento. Nós estávamos tomando café e eu disse: "Beto, o Palmeiras estava numa situação péssima, você estava numa situação péssima. Você já conseguiu tanta coisa na vida, acompanha o Palmeiras desde os 10 anos de idade, por que não patrocina o Palmeiras?" Ele falou: "Liga para o Palmeiras". Eu liguei e disse: "Aqui é Leila Pereira, presidente da Crefisa, quero o telefone do presidente porque quero patrocinar o Palmeiras". A moça que atendeu não acreditou e desligou o telefone.
A sra. acreditaria?
Olha, na situação em que o Palmeiras estava, eu acreditaria. Então nós pegamos o carro fomos até o CT, falamos com o pessoal do marketing, que armou naquela mesma tarde uma reunião com o presidente [Paulo Nobre]. Eu fui com a certeza: "Vou fechar, vou fazer isso pelo meu marido". Se você me perguntar se teve algum estudo, alguma estratégia para saber o potencial da marca, eu respondo: Não teve nada, absolutamente nada. E ali mesmo, num computador do Palmeiras, eu redigi uma carta que depois virou o maior contrato de patrocínio do futebol brasileiro.
Vale a pena?
Saber que você teve um pouco de responsabilidade na alegria daquelas pessoas, isso não tem preço. Porque futebol é investimento. Sem investimento você não vai a lugar nenhum. No dia do título brasileiro, um menininho, magrinho, todo vestido de Palmeiras, devia ter uns 14 anos, me disse: "Hoje é o dia mais feliz da minha vida". E o pai dele falou: "Ele queria ser jogador de futebol, mas não pôde porque estava tratando de leucemia, teve alta há dois meses." Então você vê o tamanho, a força do futebol: o dia mais feliz da vida dele não foi quando ele se curou, foi quando o time dele foi campeão. Eu lembrei do que fiz pelo meu marido. O interesse que eu tenho é esse: expor minhas marcas e proporcionar felicidade para as pessoas. Quero o Palmeiras campeão, vitorioso.
Qual é a exigência por resultados em 2017?
O futebol não é uma ciência exata. A gente investe, ajuda, para dar possibilidade de títulos. O Palmeiras tem capacidade de disputar com chance de êxito todos os campeonatos deste ano. Mas obrigação, não. Tudo com muita tranquilidade
O investimento no ano que vem está atrelado ao resultado deste ano?
O contrato de patrocínio prevê premiação em dinheiro, bônus, em caso de título.
Vocês não poderiam obter a mesma exposição gastando menos dinheiro?
Poderia. Mas, com menos dinheiro, eu não poderia ajudar o clube a contratar jogadores. O Palmeiras não teria um time tão forte, não seria tão vitorioso. Queremos que isso sirva de exemplo para outras empresas do porte da Crefisa, para que também patrocinem. Imagina a qualidade do campeonato, se todos tivessem investimentos assim. Imagina se Corinthians, São Paulo, Santos, Vasco, Bahia, todos, também tivessem investimentos assim
Nenhum deles veio pedir ajuda?
Todos vieram.
Houve uma conversa mais adiantada com o São Paulo?
O São Paulo nos procurou, sim. Mas não tinha condição. A gente entrou no futebol por causa do amor pelo Palmeiras. A exposição de marca a gente tem nas mídias que a gente faz.
Mais alguém além do São Paulo procurou a Crefisa?
Todos. Santos, clubes do Rio, todos. Tudo depois de fechado com o Palmeiras. Mas nossa relação de amor é com o Palmeiras.
Hoje vocês já sabem o tamanho do retorno que o Palmeiras deu em dois anos de patrocínio?
É possível ter esse cálculo, mas eu não tenho. A exposição da marca é absurda. Eu poderia quantificar, mas não fiz esse cálculo, porque não me interessa. Eu tenho feeling. Estou aqui há 25 anos. Eu sei quando um negócio é bom
O envolvimento com o Palmeiras mudou sua rotina?
Sou a principal executiva da Crefisa e da Faculdade das Américas. Eu arregaço as mangas, toco essas empresas. Do Palmeiras eu trato, claro, mas minha prioridade são minhas empresas. Quem tem que se dedicar ao Palmeiras é o presidente, a diretoria. Mas quando me chamam, estou à disposição. O que mudou é que minha exposição é maior.
Por exemplo: se um cliente importante pede uma reunião numa quinta-feira de manhã e sra. percebe que na véspera o Palmeiras vai jogar a final da Libertadores em Bogotá, por exemplo. Desmarca a reunião?
Vou perguntar: "Você é palmeirense? Quer ver o jogo com a gente em Bogotá?"
O Palmeiras influencia sua vida a ponto de alterar seu humor, afetar o trabalho?
Não, de jeito nenhum. Sou profissional, a gente tem que ser racional. O Palmeiras tem muito do coração, mas a minha prioridade é tocar minhas empresas, estou aqui para isso. Se as empresas não foram bem, eu não posso contribuir com o Palmeiras.
Qual é sua primeira lembrança relacionada a futebol?
Minha família é carioca. Meu pai e meus irmãos são vascaínos, aí dizem que eu sou vascaína, que eu sou flamenguista... poxa, imagina se eu não fosse palmeirense! Quando era pequena, meus pais me levavam ao Maracanã, essa é minha primeira imagem. Mas comecei a ter mais contato com futebol quando fui trabalhar no departamento de esportes da TV Manchete, como estagiária, aos 17 anos. Ali comecei a ter mais contato com o Palmeiras. Eu conheci meu marido com 18 anos, ele sempre foi muito palmeirense.
Já morava em São Paulo?
No Rio. Mas eu vinha muito para São Paulo, e ele sempre ia aos jogos do Palmeiras no Rio. Minha relação com futebol se deu mais por meio do meu marido. Foi ele que me direcionou, que me fez entender o amor pelo clube. A gente namorava e eu já sabia que em dia de jogo do Palmeiras não tinha outro programa. Meu marido é sócio do Palmeiras desde os anos 1950, um tio-avô dele foi fundador do clube [mostra a foto de uma placa com o nome Giovanni Lamacchia].
Qual é seu maior ídolo no futebol?
Tem vários. Mas é o Marcos. Leão foi um espetáculo, mas o maior foi o Marcos. O Marcos é o máximo.
O uniforme do Palmeiras não poderia ter menos marcas?
Quando adquirimos as propriedades, o Palmeiras indica o local. Nem o tamanho da marca eu defino. Só digo qual marca vai em cada espaço Se não vendessem os espaços para mim, venderiam para outro.
Mas se suas empresas compraram todos, o uniforme não poderia ser mais limpo?
Poderia. Mas é uma fortuna. E o que justifica esse valor é a exposição da marca: de qualquer ângulo que o jogador seja fotografado ou ou filmado, as marcas vão aparecer.
A sra. teve alguma interferência na data de estreia do Borja?
Imagina. Essa gestão é respeitosa com o patrocinador. Não defino nada. O presidente pediu a contribuição para comprar o Borja, nós contribuímos. Depois, o técnico pediu para antecipar a apresentação para poder escalar o jogador. Eu estava nos EUA, ele seria apresentado de qualquer jeito. Só me comunicaram: "Leila, o Borja vai ser apresentado". Eu falei: "Tudo bem, claro". Foi isso que aconteceu.
Quando a sra. entrou no futebol, se surpreendeu com os valores envolvidos, com os salários de jogadores, por exemplo?
Não me assusta, com toda sinceridade, porque eu acho que vale. A carreira é extremamente curta, e se ele se machuca acabou a carreira. Em outras profissões as carreiras são longas, estáveis. Olha o dinheiro que o futebol gira. Quem faz o show é o artista. Eles são as estrelas, quem se destaca tem que ter salário alto. E salário é o mercado que faz. Se alguém está pagando, é porque vale.
Algo a surpreendeu no mundo do futebol?
Todas as surpresas que eu tive foram gratificantes. Eu comecei a patrocinar o Palmeiras, o clube estava em situação péssima. Você vê que o investimento faz a diferença. Só tive surpresa positiva, é por isso que indico para outras empresas
Já teve esse tipo de conversa com concorrentes, com com outras empresas?
Não. Mas eu já estive com o presidente da FPF, com o Reinaldo, ele sabe que eu acredito no futebol. Quem quiser conversar comigo, estou à disposição. Porque vale a pena investir, vale a pena para a imagem. A gente precisa resgatar a imagem do futebol.
O que mudaria no futebol brasileiro, se tivesse esse poder?
Nunca pensei no que eu mudaria. Porque para mudar eu teria que estar dentro dos clubes. Só posso falar do Palmeiras, que hoje é muito saudável. Mas é impossível eu opinar sobre os outros, ou sobre futebol em geral. Mas com investimentos e com administração séria, pode-se resgatar o futebol.
Faz 12 horas que a sra. foi confirmada no Conselho Deliberativo do Palmeiras. Quais são seus planos para o cargo?
Foram notórios os problemas que eu tive para conseguir ser eleita. Em qualquer lugar do mundo, se a maior patrocinadora quer uma cadeira, não teria essa celeuma. Ao contrário: estenderiam um tapete vermelho. Ninguém nunca fez pelo Palmeiras o que nós fizemos. Todo o processo foi regular, mesmo após a minha inscrição na chapa, ainda foram lá questionar. Isso me machucou muito, por tudo o que eu fiz pelo Palmeiras.
A sra. é sócia desde quando?
Desde dezembro de 1996. Meu processo foi completamente regular.
Como conselheira, o que pretende fazer?
Falei para o presidente Maurício Galliotte: "Você vai fazer uma era de ouro no Palmeiras, conta comigo". Sou só uma conselheira no meio de 300, sozinha não decido nada. Quero colaborar com o presidente, inclusive no clube social, mas preciso saber o que o clube precisa.
Valeu a pena enfrentar esse desgaste todo?
Eu queria ajudar o Palmeiras. Entrei porque de dentro eu acho que posso ajudar mais. Eu comecei com o patrocínio. Sempre era chamada a contribuir financeiramente. O prédio do ginásio tem o nome da Crefisa, a sala de imprensa fomos nós que fizemos. E isso não tem nada a ver com o patrocínio. Acho que posso ajudar mais sendo conselheira. O Mustafá [Contursi] me deu oportunidade de disputar pela chapa dele, foi uma honra muito grande, ele é um grande professor. Eu costumo dizer que eu não perco gol. Se dão a oportunidade para mim, eu sou o Borja, eu faço o gol.
Teve que abrir mão de algum prazer pessoal?
Todos! Fazer uma ginástica... eu parei. No final da campanha, cataloguei com quantas pessoas eu falei: 633 pessoas. Eu fiz vários eventos, jantares, reuniões aqui, telefonemas. Eu ligava para os conselheiros, para os sócios, investi tempo e dinheiro nisso. Então eu fui eleita não só porque eu sou patrocinadora, mas porque eu trabalhei para isso.
Vamos ver Leila Pereira na cadeira de presidente do Palmeiras?
Essa pergunta já me causou problemas. Não tenho tempo.
Mas isso hoje, em março de 2017...
Hoje eu não tenho tempo, porque toco a Crefisa, a Faculdade das Américas, acho que posso ajudar muito se continuar com o patrocínio e como conselheira. É um time de um gigantismo muito grande. Eu não teria condição. Tem pessoas gabaritadas para tocar o Palmeiras. Eu vou ajudar.
Como poderia ajudar mais? Emprestando avião, por exemplo?
Não tenha dúvida. O avião é usado para trabalho na Crefisa. E só por isso ele não foi usado na contratação do Borja. O que estiver ao nosso alcance, vamos fazer. Sempre com o pé no chão, com a autorização do presidente. Mas se eu posso facilitar a vida do clube que eu patrocino e do qual sou conselheira, por que não?
Quando vê jogo do Palmeiras, chuta cadeira, xinga juiz?
Em casa eu xingo, mas quando vou ao estádio tenho que manter a elegância.
E seu marido?
Ele é tranquilo. Não dá escândalo. Ele não expõe.
O calendário, a situação da CBF, dirigentes presos, essas questões do futebol são objeto do seu interesse?
Não. Meu interesse é fazer o Palmeiras vitorioso.
Mas quando jogador se machuca porque o calendário é muito apertado, isso preocupa?
Eu opino onde eu posso ser ouvida.
Pretende ir ver o Palmeiras fora do Brasil?
Sim. Neste [contra o Tucumán] não fui porque não posso. Mas a todos os outros eu vou.
A sra. tem uma relação próxima com a organizada do Palmeiras. Na semana passada houve um assassinato de um ex-líder dessa torcida. Quando você lê esse tipo de notícia, qual é sua reação?
Eu conheço a torcida, a parte da festa que eles fazem, que ninguém faz uma coisa daquelas. É essa torcida que eu admiro. Não posso dizer que por causa daquilo toda a torcida tem que ser apedrejada. Eu lamento, é muito triste. É horrível, mas o que eu posso fazer? Quem tem que resolver isso é a polícia.
Como era a relação com a gestão anterior?
Eu gostaria de deixar a gestão anterior no passado. Gosto de olhar para a frente. Tivemos muitos problemas, então aguentamos firme, pelo Palmeiras. Sabíamos que aquilo teria fim. Felizmente teve. Agora é uma nova gestão, que respeito demais, [o atual presidente, Maurício Galliotte] é uma pessoa dedicada, humilde, respeitosa, que se relaciona bem, sabe da importância dos parceiros. Estamos num caminho muito bom. Vai ser a Era de Ouro do Palmeiras.
Que vai durar quanto tempo?
O contrato é de dois anos. Depois disso, vamos voltar a conversar. Espero que Maurício seja reeleito, terá todo o nosso apoio.
Em algum momento vocês pensaram em romper o patrocínio?
Tive vários problemas com a gestão anterior. Mas sempre avaliamos que valeu a pena.
O que está achando do time?
Estou muito confiante. O time é de primeira linha, a gente tem que dar um tempo para o Eduardo.
Como se sente num ambiente tão masculino como o futebol?
Deve ter umas cinco mulheres no Conselho do Palmeiras, no máximo. Vou falar uma coisa: nunca senti nenhum preconceito, nem no futebol nem no mercado financeiro, onde meu relacionamento profissional é quase todo com homens. Nunca tive problema, nunca tive dificuldade.
Fonte: GloboEsporte.com