A necessidade de afirmação não faz parte das prioridades de Cristóvão Borges no Corinthians. Para ele, que chegou no dia 20 de junho para substituir o treinador mais vitorioso do clube, pouco importa de quem será a cara do time. Não precisa ser de Tite, não precisa ser de Cristóvão. Para o treinador, que atendeu o UOL Esporte em entrevista exclusiva, precisa ter só uma cara. Da vitória.
Ele explica que as decisões, inclusive a mais difícil, que foi manter Cássio, só possuem um objetivo e nunca são cercadas por vaidade. Cristóvão só quer fazer a equipe ganhar. Antes do primeiro clássico, domingo diante do São Paulo, ele conta experiências ao longo de seis temporadas como treinador, alfineta o ex-jogador Juninho Pernambucano, faz planos para Alexandre Pato e assume que, aos poucos, vai mexer no funcionamento do time.
UOL - Legado do Tite, estabilidade ou estrutura de trabalho. O que de melhor o Corinthians oferece ao treinador que chega?
Cristóvão - É tudo isso, um pouco de cada coisa, um conjunto de coisas que faz com que o Corinthians tenha se estabilizado. Essa aposta na continuidade, todo mundo sabe e pouca gente banca isso. Tivemos exemplos diferentes em outras equipes sempre direcionadas à continuidade, como Cruzeiro e Atlético-MG. O Corinthians se diferencia dos outros pelo tempo que consegue fazer isso e faz isso dando boas condições ao profissional. É bem estruturado em todos os sentidos, com profissionais de alto nível e uma coisa que me chama atenção. Muita gente faz coisas parecidas de bom nível, mas aqui há uma preocupação com ambiente e relações humanas. É um diferencial.
UOL - Como isso funciona na prática?
Cristóvão - Há o entendimento de todo mundo que trabalha aqui em respeitar todos os profissionais, independentemente da sua função. Desde o rapaz que cuida do campo ao presidente, é uma coisa praticada. Muitas vezes, em clube sempre tem quebras, e aqui isso é levado, é praticado e se torna um ambiente agradável onde você tenha muito prazer de trabalhar.
UOL - Em que você evoluiu mais desde o Vasco?
Cristóvão - Eu precisei (evoluir). Sendo ex-jogador, você tem a experiência prática, e quando a gente consegue o conhecimento teórico e associa, é um crescimento. É uma busca no futebol como em profissões em que você não pode parar de estudar. O futebol é assim. Eu vi que precisava de conhecimento teórico também. Busco aprender, vejo os melhores, o que posso aprender. Leio, converso, troco ideia para aprender.
UOL - Como é a equipe que você gosta de ter?
Cristóvão - Todo mundo gosta de jogo bem jogado. Estávamos conversando um pouco (antes da entrevista, o treinador mencionava o Atlético Nacional-COL, semifinalista da Libertadores) e gosto de nível técnico bom, de qualidade, é a essência do futebol brasileiro. A diferença sempre foi a qualidade técnica e o talento. Outras escolas evoluíram nisso, mas já tinham a organização que a gente não tinha como eles. A gente investiu no talento para fazer a diferença, e já há um tempo procuramos melhorar. Gosto de troca de passes, de controle do jogo, e a organização tática porque faz parte.
UOL - Foi Andrés Sanchez quem teve a ideia de te contratar?
Cristóvão - Até hoje não perguntei a ninguém, e quando me perguntam não sei responder direito. Substituir o Tite aqui é uma tarefa difícil. Não só para quem vem, mas para quem faz a escolha. Existe um trabalho de algum tempo e vitorioso. A sequência disso faz com que se pense e se avalie as coisas. Imagino que foi (escolhido) por algo próximo à ideia, ao perfil, algo assim. Em um clube desse nível, e já trabalhei em alguns, tem que ter conhecimento e tem que ter preparo para poder dirigir. Vem junto a capacidade de gerir, de saber administrar, porque sem isso nada funciona. O Corinthians é desse jeito, não é fácil.
UOL - O Guilherme teria reclamado se tivesse sido barrado pelo Tite? Ele quis testar você?
Cristóvão - Pelo tempo que trabalharam juntos, talvez não fizesse. Não imagino que tenha feito para me testar, mas imagino que pode ser por ser um treinador recente, chegando aqui. É natural que eu desperte questionamentos de todas as partes, inclusive dos jogadores. Substituir um treinador como o Tite, e no Corinthians, não em outro lugar, não vai ser tarefa fácil. Talvez por isso (Guilherme) se ressinta. Eu conversei com ele, falo assim... eu disse porque estava fazendo as modificações e, depois falando com todos, que iriam acontecer na sequência e eu ia fazer. O trabalho tem necessidades. Tem a busca deles, tem a minha, da torcida e da diretoria...a de todos é ver o Corinthians ganhar. Na minha função, tem escolhas e decisões. Eu escolho e decido.
UOL - Você tem medo, se preocupa, em acharem que se o Corinthians ganhar, foi legado do Tite, e se empatar ou perder, foi culpa do Cristóvão?
Cristóvão - Já ouvi isso, alguns ficam sem jeito de perguntar. Fui perguntado direto por vocês pela primeira vez. Não tenho a menor preocupação com isso porque não tenho a menor vaidade. Se eu tivesse a necessidade...o que existe em relação a isso é uma pressa e o desejo de vocês da imprensa, porque o que mais fui perguntado é se time tem a cara do Cristóvão. Não tenho menor preocupação com isso.
UOL - O que você quer para o time?
Cristóvão - Quero que o time tenha qualidade para jogar bem e continuar ganhando. Claro que vou colocar alguma coisa, mas seria pouco inteligente se eu quisesse chegar e mudar. Seria pura vaidade com uma coisa que está dando certo. Não tenho preocupação nenhuma em dizer que o Corinthians tem a minha cara. Quero que o Corinthians tenha a cara da vitória. É um time ganhador e espero trabalhar para que continue ganhador. Isso vai acontecer, agora está ganhando e ainda vou ouvir vocês, mas para mim não afeta em nada porque ainda vou ouvir que quando eu não for bem é a hora de falar da saudade do Tite. É normal, o contexto é esse.
UOL - Quero falar sobre o Juninho Pernambucano. Futebol e jornalismo são dois meios corporativistas, e ele foi corajoso ao afirmar que não achava você uma boa escolha para o Corinthians. Você, que trabalhou com ele no Vasco: como se relaciona e o que achou do comentário?
Cristóvão - Minha relação com ele é muito boa, mas ele às vezes...eu o vejo trabalhando, comentando, e conheço ele bem, convivi por um ano. Ele acha uma necessidade de opinar sobre tudo e acaba se atrapalhando um pouco.
UOL - Como foi no Vasco?
Cristóvão - É interessante, o Vasco, onde trabalhei com ele, foi minha primeira experiência, é a mais valiosa para minha carreira. Foi um teste de fogo. Entrei nas circunstâncias que todos vocês sabem, em um clube daquele porte, com cobrança, com dificuldade econômica muito grande, com jogadores consagrados, experientes, com história no clube e em um ambiente que, como eu falei a vocês no começo, não adianta só conhecimento técnico e tático. Tem que saber lidar com isso. Foi minha primeira experiência. Hoje, num clube desses você ficar um ano, você responde (se tem preparo).
UOL - Quais as maiores dificuldades por lá?
Cristóvão - Se você não tiver capacidade de administrar e conhecimento, você não dura dois meses. Por ser a primeira (experiência), foi dificílima. Passamos esse tempo (de dois meses) e mais. Trabalhamos com quase três meses de salários atrasados, quando ia completar o terceiro o clube pagava um. Tivemos que não nos concentrar por condições econômicas, para o clube não aumentar a dívida. As dificuldades são muitas, com jogadores desse nível, experientes, que têm manias, vícios, que contestam bastante.
UOL - O que você se lembra do momento em que o Ricardo Gomes teve o AVC?
Cristóvão - Muitas coisas. Primeiro, eu não vi. Eu estava no camarote assistindo ao jogo e, quando prestei atenção - ele gosta de assistir ao jogo de pé, como eu - e não vi ninguém na pista. Estávamos no Engenhão e achei aquilo estranho. Me chamaram no camarote, porque ele não estava passando bem e, quando entrei no campo, ele já estava a caminho do hospital. Pela sensação, pelo ambiente, se percebia que era uma coisa difícil. Foi muito difícil tudo aquilo, porque eu trabalhei como assistente por sete anos e somos muito amigos por muito tempo. Foi muito duro conviver com aquilo por um tempo. Tomei como uma missão a cumprir.
UOL - Você assumiu clubes quase sempre em condições difíceis.
Cristóvão - Depois do Vasco, trabalhei no Bahia, e quando cheguei era uma confusão também muito grande, trabalhei sob intervenção. O presidente (Marcelo Guimarães Filho) tinha saído. Eu trabalhei nesse clima. O Bahia havia perdido para o Vitória na final estadual, com goleada, e o suporte que aprendi no Vasco me fez fazer um trabalho muito bom. No Fluminense, quando eu cheguei, era tido no Brasil como investimento de quase R$ 100 milhões por ano. Eu cheguei, e o patrocinador que bancava 70% ou 80% dos atletas estava se separando. Vivi desse jeito. Nesse clima. Com jogadores de nome, de seleção. Em ambientes desses você tem que estar atento todo dia. Todo dia tem que resolver, tem que decidir...depois no Flamengo também. Passar por esses clubes te dá uma casca boa para encarar qualquer coisa.
UOL - Por que o Atlético-PR demite tantos treinadores?
Cristóvão - O histórico do clube é esse, fiquei cinco meses lá e é contado como façanha. É um grande clube, que assim como Corinthians mostraram ter uma estrutura sensacional, espetacular, e do que conheço não deve nem a clube da Europa. Agora é claro que existem outras coisas que faltam, poucas, para despertarem. Ali é um gigante adormecido.
UOL - Você conhece o Marquinhos Gabriel há bastante tempo e ele oscilou muito ao longo da carreira. Ele está pronto para ser um dos melhores jogadores do país? Você vê essa qualidade nele?
Cristóvão - Vejo, muito boa. Ele é talentosíssimo. Os jogadores jovens passam por vários momentos na carreira e, às vezes, isso acontece muito na maioria das vezes, são dificuldades extracampo. O Marquinhos, além disso, teve problemas de contusões, teve comigo quando trabalhou e foi muito importante lá e me ajudou muito. Aqui, ele está conseguindo, como no Santos, e está muito bem. Se ele não tiver problema físico, tem condição para ser um dos destaques também, porque o período de organização da vida fora do campo ele tem passado. Hoje eu vejo evoluir.
UOL - A reintegração do Pato foi uma decisão difícil?
Cristóvão - Para mim não é difícil o Pato, não. Ele é um jogador que, se colocar aí (no mercado), todo mundo deseja e quer. É um talento, não é difícil. Claro que tem um histórico de alguns acontecimentos que também a gente tinha que pensar em tudo isso. Já falei a ele também que jogador, na verdade, resolve as coisas no campo. Eu falei para ele. Se ele entender isso, vai ter a possibilidade de alcançar as coisas melhores para ele. Ele vai ter oportunidade e tem que aproveitar.
UOL - Ele pode ficar mais que cinco meses, período de contrato que resta?
Cristóvão - Eu não penso nisso porque estou pensando, claro que normalmente é olhando na frente, mas minha chegada ao Corinthians, tudo na minha frente é logo ali, é muito próximo. Já tenho muitas coisas a resolver. Estou pensando mais próximo (que 2017).
UOL - Por falar em pensar próximo, a defesa alta é uma marca dos seus trabalhos e você não colocou no Corinthians. Está nos planos?
Cristóvão - O que a equipe já tem me dá confiança a fazer isso. Ontem (quarta) até tive uma conversa muito longa com eles, e fazendo balanço das coisas que tinham acontecido e mostrando a eles minhas decisões e porque as tomei. Mesmo sabendo que eles têm hábitos de usarem algumas coisas (táticas e estratégias). É natural que, na minha chegada, eu tivesse um excesso de zelo, porque eu estava chegando e tinha preocupações. Desde adversário eu sei da capacidade do time e eu vou fazer isso, eu vou jogar com a linha alta porque o time tem capacidade. Em alguns jogos não comecei assim e depois adiantei. Sei que o time tem capacidade pra isso, já trabalhei um pouco e conforme a possibilidade eu vou usar.
UOL - No Rio de Janeiro, muitos te criticam por não ter montado boas defesas. Essa é uma dificuldade?
Cristóvão - São coincidências. No Fluminense eu tive um jogador que tinha problemas...quando eu quis montar a defesa que desejava, o Henrique veio da França e tinha um problema no joelho. Quando ele jogou, ajudou bastante. O Gum teve uma fratura no pé, depois fez uma cirurgia de emergência...essas coisas atrapalharam. No Flamengo tentamos fazer isso contratando jogadores, e o tempo não foi suficiente para que eles dessem resposta. No Vasco não foi assim, naquela época eu tinha a melhor dupla de zaga do Brasil, e que seria com toda certeza a dupla que jogaria a Copa. O Anderson (Martins) foi para o Catar e o Dedé se machucou, mas era a melhor do Brasil. Não tive problema aí.
UOL - Alecsandro, Fernandão, Fred, Guerrero e Walter foram centroavantes puros que você escalou. Aqui, pela primeira vez, faz diferente, com Luciano. É pela falta de um jogador de área também?
Cristóvão - A busca é pelo que seja mais eficiente. Cheguei, estava sem um jogador de referência e então joguei com alguém que fizesse aquela função, mas que não precisasse ser referência e continuasse eficiente. Foi um primeiro jogo que me deu muitas informações. Na estreia contra o Atlético, nós tomamos 20 minutos de sufoco (no primeiro tempo) que poucas vezes eu tomei, mas o Cássio não tocou na bola. Eu falei: 'esse time aguenta bem, sabe sofrer bem'. No jogo seguinte, a gente precisava de equilíbrio, de força, de peso no ataque, e mudei a escalação para isso. É a busca que estou tendo, para que a equipe seja eficiente com os jogadores que tem.
NR.: Após a estreia com derrota,, Guilherme deu lugar a Luciano e a equipe passou a ter dois atacantes de origem
UOL - Há quem diga que era difícil ser treinador do Fluminense e trabalhar com o Fred. Você teve algum problema com ele, alguma interferência?
Cristóvão - Todo mundo fala isso. Outra coisa que falo, desde o começo da minha caminhada, é que não tive o menor problema com ele. Me relacionei muito bem e somos amigos. Não tem essa, não faço concessões em relação a isso (autonomia). Por ter sido jogador, nesse momento me ajuda bastante e tenho facilidade de me relacionar com qualquer tipo de jogador. Problema eu tenho se o jogador ficar descontente, e se ficou deixa ficar, vamos conversar. Mas não me atrapalha. Tenho que tomar decisões e tenho que fazer o grupo ficar forte o suficiente. Quando cheguei no Fluminense, ele antes da Copa era artilheiro, e aconteceram aquelas coisas, foi responsabilizado por quase tudo de ruim que aconteceu, foram o Felipão e ele. Ele voltou e foi artilheiro do Brasileiro.
UOL - É ruim para quem está na CBF ter um presidente que não pode viajar? O Brasil mudou algo após o 7 a 1?
Cristóvão - Existem tentativas (de mudar). A gente passou vergonha, e quando fica com vergonha você procura melhorar. Só que, até então, são só tentativas. Nossa esperança é agora com o Tite. A CBF, claro...se todos nós temos um patrão, queremos ter orgulho do patrão. São acontecimentos que fazem com que não tenhamos esse orgulho. Isso interfere e não é bom. A imprensa às vezes é injusta, ou pega pesado, porque quando existe uma desclassificação da competição se questiona quem joga fora do Brasil. Esquecem que, junto com os jogadores que jogam no Brasil, precisam ter orgulho de quem dirige também. Isso influencia também, é muito importante, quero que meu patrão seja o melhor porque ele vai cobrar de mim o melhor.
UOL - Estamos próximos da Olimpíada e poucos se lembram, mas você era auxiliar na seleção que perdeu a vaga nos Jogos de 2004. O que houve ali?
Cristóvão - Tivemos algumas dificuldades. Foi uma geração maravilhosa, tanto que daquela geração há um percentual alto de jogadores que se consagraram em clubes pelo mundo. Também existia naquele tempo certa dificuldade dentro da CBF. Alguns componentes da nossa delegação, que eram importantes também, não foram em consequência dessas coisas.
UOL - Que outros problemas vocês tiveram?
Cristóvão - Tivemos dificuldades com liberações de jogadores. A base que seria da seleção havia jogado a Copa Ouro no México (foi vice-campeã em 2003) e alcançamos o melhor estágio naquela seleção. Perdemos muitos para o Pré-Olímpico e trocamos por jogadores campeões mundiais sub-20 no Emirados Árabes. Trocamos força por experiência e juventude, e era uma competição de alto nível também. Não é desculpa, tinha time e geração para passar. Era pra passar. Foi um momento bem difícil.
NR.: Luisão (zagueiro), Adriano (lateral esquerdo), Thiago Motta, Carlos Alberto (meia), Kaká, Júlio Baptista e Ewerthon foram baixas em relação a 2003.
UOL - O jogador negro é aceito normalmente no futebol. O treinador negro não?
Cristóvão - O jogador de linha, porque havia dificuldade com goleiro negro. Isso acabou com a demonstração de grandes talentos. É fácil de ver que alguma coisa não está certa. Em três divisões, dá para contar nos dedos de uma mão e não há treinadores negros, como eu.
UOL - Você é muito calmo, educado. O que tira você do sério no futebol?
Cristóvão - Eu brigo com eles (jogadores). Já avisei que eles vão ouvir sempre, vou ser repetitivo nisso. Erro de passe eu não suporto. Para mim, é a essência do futebol. É o passe. Eu prezo, exijo, quero ver a equipe trocando passe com qualidade. Ainda mais quando tem potencial para isso. Ou então, me irrita se o jogador erra a jogada e fica se lamentando, se reclama ao invés de tomar o jogo, porque passou. Eu odeio isso (sorri).
UOL - E fora do campo?
Cristóvão - Bobagens, coisas de amizade, se você tem desacordos...não de opiniões, mas de coisas que acontecem com os amigos. Normalmente eu vivo bem.
Fonte: UOL (texto), Reprodução Internet (foto)