Por uma dessas ironias do destino, o último campo de competição que ficará pronto para os Jogos Olímpicos de 2016 já existia desde antes da fundação do Rio de Janeiro por Estácio de Sá, no século XVI. Ao contrário de arenas como o velódromo ou o Centro de Tênis, problema visível pelo acabamento externo ainda incompleto, a Lagoa Rodrigo de Freitas representou um desafio silencioso e submerso para a organização dos Jogos. A pista de ciclismo e a quadra principal de tênis, por exemplo, já foram testadas por atletas do modo como estarão na Olimpíada. Já as raias de competição na Lagoa só estarão preparadas de fato para as provas olímpicas de remo e canoagem nesta semana, após a conclusão do processo de desassoreamento.
Colleen Orsmond, diretora de remo no Comitê Rio-2016, lembra que os eventos-teste de remo e canoagem, em 2015, foram realizados com profundidade aquém do ideal, de 3 metros. Atletas que treinam na região diziam que trechos na largada e na chegada não chegavam sequer a 1 metro. O desassoreamento, que consiste na retirada de sedimentos do fundo da Lagoa, foi iniciado apenas em abril deste ano.
— Identificamos inicialmente duas áreas, na largada e na chegada, que não tinham a profundidade ideal. Hoje, a largada está boa. Até o fim da semana devemos receber a batimetria da chegada. Acredito que tudo ficará perfeito — explicou Orsmond.
O plano do comitê e do poder público nunca foi realizar o desassoreamento muita antecedência, devido ao risco de as condições piorarem novamente até a Olimpíada, exigindo nova intervenção. Devido à crise financeira, o governo do estado jogou a obra no colo da Prefeitura. Orçadas em R$ 10,2 milhões, as intervenções tiveram que acontecer 24 horas por dia “para que fossem entregues no prazo necessário”, de apenas três meses, como reconheceu em nota a Secretaria Municipal de Saneamento e Recursos Hídricos (SMAR).
A Dratec Engenharia, empresa que venceu a licitação em abril, também havia sido responsável pelo desassoreamento para os Jogos Pan-Americanos de 2007. Ainda antes daquela competição, o Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) apontou falhas na execução dos procedimentos previstos em contrato. Em 2013, a Dratec e o governo do estado foram condenados a devolver aos cofres públicos um valor de R$ 42,8 mil, valores de 2007. Na correção para 2016, a sanção chegaria a R$ 73,5 mil. Procurado pelo GLOBO, o representante da Dratec não foi encontrado até o fechamento desta reportagem.
— Não fizeram o que deveriam no Pan-Americano, mas desta vez eles cavaram mesmo. Dá para sentir a diferença, o barco ficou mais veloz. Nos últimos anos estava cada vez mais difícil fazer tempos rápidos na Lagoa — avalia Thiago Almeida, atleta de remo que treina no local há uma década, primeiro pelo Flamengo e atualmente pelo Vasco.
ALGAS PREOCUPAM
Além da profundidade, a Lagoa causou preocupação em delegações estrangeiras por conta da qualidade da água. A equipe de remo dos EUA anunciou, na última semana, que treinaria com roupas antimicróbios no Rio. A preocupação, contudo, é vista como exagerada por alguns. Em contato com o GLOBO, o alemão Sebastian Brendel, da canoagem, que disputou evento-teste em setembro, não reclamou de sujeira na Lagoa. Um possível problema, para ele, é justamente o excesso de verde na água:
— No ano passado, havia muitas plantas aquáticas na raia. Espero que ela esteja limpa quando a competição começar. Também é importante que todas as raias tenham mais do que três metros de profundidade. Espero que os organizadores trabalhem nisso — frisou Brendel.
Thiago Almeida é outro que vê como excessivas as críticas à poluição, e diz ter visto até namoradas de competidores do Mundial Júnior de Remo, em setembro de 2015, pulando na água da Lagoa nas comemorações das vitórias. Assim como Brendel, o remador do Vasco aponta as algas como principal ameaça, mas não crê que elas afetarão os atletas na Olimpíada.
— Se eu te falar que a Lagoa não está poluída é mentira, mas está dentro de um padrão aceitável. Em relação há três ou quatro anos, é outra Lagoa, muito melhor. O que me preocupava eram as algas. Já perdi competição por causa de algas, imagina se acontece em uma prova olímpica? Mas não estão crescendo agora. Elas costumam aparecer mais no verão — tranquiliza.
OUTRAS INTERVENÇÕES
Enquanto o desassoreamento ficou a cargo da Prefeitura, as outras intervenções para as provas de remo e canoagem na Lagoa, como o estaqueamento das raias de competição e a reforma do Estádio de Remo, couberam ao governo do estado. De acordo com a Secretaria de Casa Civil, as obras já se encontram concluídas.
O partidor eletrônico, que não foi usado nos eventos-teste justamente pela pouca profundidade da área de largada à época, será instalado pelo Comitê Rio-2016 no início de agosto, logo antes dos Jogos. A instalação de 5 mil assentos temporários, somando-se aos quase 2 mil lugares fixos do Estádio de Remo, também está sendo conduzida pelo Rio-2016 e encontra-se em estágio avançado, segundo o comitê.
Fonte: O Globo