- Não me considero um goleiro com fundamentos excepcionais. Mas acho também que não tenho grande defeito que possa chamar de ponto fraco.
A autoavaliação de Fernando Prass não foi num surto de sinceridade e, ao mesmo tempo, de modéstia pouco depois da convocação dessa quarta-feira. O "menino" de 37 anos disse isso na arquibancada de São Januário há exatos quatro anos, quando - não é exagero - não passava pela cabeça que pudesse estar a apenas seis jogos de uma inédita medalha de ouro olímpica. É pouco para quem chegou a bater recordes completando mais de 130 partidas consecutivas e tem na cabeça obsessão por cuidados com a profissão e com o corpo, além de admiração pela cultura alemã, justamente a do país que tanto maltratou o orgulho da seleção brasileira.
Elogiado pela postura de líder, como exemplo positivo e pela experiência, o goleiro do Palmeiras virou referência até mesmo em assunto que já tirou seu humor: a defesa de de pênaltis. Tanto na entrevista que fiz com ele em 2012 quanto em manifestações mais recentes - como em outra reportagem para o jornal “O Globo” -, o jogador dava de ombros para a cobrança da torcida vascaína e se saía desta maneira:
- Penso assim: na Série A, deve ter uns 40 goleiros, somando titulares e reservas. Imagina no mundo inteiro. Mas aí alguém vê na final da Champions o cara pegando três pênaltis. No fim de semana, acontece que um daqui pega também. "Ah, só o Prass não pega pênalti". É um universo muito grande para fazer essa comparação - dizia ele.
Mas Fernando Prass, o do Palmeiras, quem diria, entrou nesse universo que parecia tão distante da sua realidade há alguns anos. De quebra, ganhou a lista de Rogério Micale. Defendeu mais de 10 cobranças em três anos com a camisa verde, uma histórica formadora de grandes goleiros. No Vasco, foram cinco em quatro anos de passagem.
- Ele vem se destacando e demonstrou ser bom em pênaltis. Disputaremos um torneio que pode acontecer essas coisas - destacou o treinador da seleção olímpica.
Gaúcho, Prass é descendente de alemães. A família morava em Canoas (RS) e o avô Lúcio Valdomiro foi zagueiro do Renner. Quando era bem novo, o pequeno Fernando foi morar em Viamão e começou numa escolinha de futebol de salão da cidade. Não era alto. Espichou dos 14 para 15 anos. O pai, hoje dono de restaurante em Florianópolis, tem 1.78m e a mãe, de família alta, mede 1,70m. A baixa estatura pode ser comparada numa das fotos disponíveis em seu site, que compõe a pequena galeria separada pelo GloboEsporte.com.
O primeiro clube grande foi o Grêmio, onde ficou por 10 anos. No Olímpico, que frequentava com o pai e avô como sócios - mas também ia ao Beira-Rio assistir o ídolo Taffarel, do Inter -, ouviu conselhos de Celso Roth e esperou sua vez, que não veio. O treinador, hoje desempregado, pediu para Prass deixar o cabelo crescer, porque ele raspado ficava com cara de maluco e, com essa imagem, dizia Roth, já bastava o titular e ídolo da torcida Danrlei. Passou por Francana, de São Paulo, Vila Nova, de Goiás, e Coritiba, passagem que o levou para o União de Leiria, em Portugal. Na trajetória, ainda nos juniores, muitas lesões que atrapalharam o início da carreira.
- Operei dois joelhos e parei 11 meses. Voltei só no meu último ano de juniores, era o sétimo goleiro da categoria no Grêmio. Só de cirurgias parei por dois anos.
No distrito de Leiria, que fica pouco acima de Lisboa, região litoral-centro de Portugal, conheceu outras culturas e ficou impressionado quando visitou a Alemanha - bem antes dos 7 a 1. Em depoimento que terminou não entrando na reportagem que produzia sobre Fernando Prass - em longo papo com o goleiro que sempre deu boas entrevistas, daqueles que encabeçam lista de favoritos de assessores de imprensa para apagar fogo -, os olhos brilhavam ao falar da organização e dedicação que viu de perto nas cidades alemãs que conheceu - pelo União Leiria, jogou a Copa Uefa.
- Fiz um jogo contra o Bayer Leverkusen e até tive a chance de me transferir para um outro clube alemão uma vez, mas não deu certo. Todo mundo falava de Itália, Espanha, mas não sei porquê sempre quis jogar na Alemanha. Gosto muito da postura deles, do jeito como levam o futebol. Você chega no vestiário, tem banquete, com suco, bolo, tudo. Te levam no campo para conhecer, cuidam de tudo. É impressionante!
Exemplo em Juninho e Zé Roberto
Companheiro de Juninho por quase dois anos no Vasco e de Zé Roberto ainda hoje, Prass aprendeu com jogadores de alto rendimento perto dos 40 anos a cuidar melhor do corpo. Com alimentação regrada, evita gorduras, quase não bebe refrigerante e até nas folgas modera no churrasco, na cerveja e no vinho, que é mais chegado. Mas adora chocolates.
- O cara chegar com 37, 38 anos em alto nível tem que ter algo diferente. Se não todos estavam iguais. Uma coisa que o Juninho me falou que eu guardo muito é isso: teu corpo é uma poupança e não adianta tu querer cuidar depois dos 30 anos para jogar mais. A poupança vem desde o começo. Não adianta chegar com 35, não tem mais tempo.
Prass completa 38 anos em nove dias. A convocação parece ter rejuvenescido o goleiro que saída de Viamão de ônibus até Porto Alegre a caminhava mais 30 minutos para treinar no Grêmio. Apontado como potencial capitão da seleção de Micale, o jogador tenta, mais uma vez, contrariar as desconfianças sobre seu nome, como fez com as críticas nos tempos de Vasco.
– Embora nunca tenha ido para a seleção, é o mesmo esporte. Joguei em grandes clubes e a pressão é muito grande também. Vou tentar passar a experiência que tenho dentro e fora de campo para os meninos e também pegar muita coisa deles. O importante, em um grupo, é ter essa troca. Assim você sai fortalecido e o grupo também - disse Prass, horas depois da convocação de Rogério Micale.
Fonte: GloboEsporte.com