Uma longa fila de espera. São camisas e camisas do Palmeiras alinhadas na loja Academia Store do Shopping Mooca, na Zona Oeste de São Paulo. Edmundo, mesmo com uma crise de rinite, atende os fãs com carinho. Entre uma tosse e um espirro, pega uma caneta, autografa uma camisa e a entrega ao dono. Um abraço, um click. Pronto, a alegria está feita.
Ao lado da fila, de aproximadamente 300 pessoas, uma garota acompanha o evento desde o início, às 18h — já passa das 22h. Edmundo não tem ideia do quanto representa na vida de Mariana Santos Thomé.
O craque se acostumou a mudar o destino das pessoas. Afinal, um gol marcado pode determinar a alegria (ou a tristeza) de muita gente. Uma provocação, uma comemoração, um drible... Ele se tornou um ídolo por tudo o que praticou em campo. Um sentimento que vem à tona nos eventos dos quais participa. São pais levando os filhos pequenos; os filhos levando os pais idosos. Há quem traga foto de 20 anos atrás com o jogador para ele assiná-la. Há quem esteja lá para comemorar a cura de uma doença conhecendo o eterno camisa 7 do Verdão. É a chance de se aproximar de alguém querido, por mais que este alguém não faça parte de seu cotidiano.
A idolatria de Mariana pelo ex-jogador ultrapassa a barreira do clubismo. Em 1995, então com 9 anos de idade, ela torcia para Edmundo, não para o Palmeiras. Vestir o uniforme verde e branco era um detalhe. Só importava usar a roupa do herói.
Não sem motivo. O Palmeiras vivia o auge da Era Parmalat. Clube bicampeão brasileiro e bicampeão paulista. O Animal com sangue nos olhos. Gols, assistências, jogadas marcantes e o grito “Au, au, au, Edmundo é o Animal” vindo da arquibancada cada vez que ele subia para o Jardim Suspenso, no antigo Palestra Itália.
“Sou fã demais dele desde 1993”, relembra Mariana, enquanto o ídolo conversa com outros fãs. Instantes antes, eles haviam se visto pela segunda vez. Parece pouco, mas foi o suficiente para o craque nunca mais se esquecer dela.
Sem nem sequer ter visto o rosto da ainda pequena torcedora, o Animal foi o seu salvador. Não é força de expressão. Edmundo foi o anjo da guarda que ajudou a curar Mariana de uma grave doença.
“Ele me tirou do coma no dia do meu aniversário de 10 anos”, conta, 21 anos depois, visivelmente emocionada.
Internação/ Dia 16 de março de 1995, em Santos. Mariana sofreu uma crise de apendicite, que a forçou a ser operada às pressas. Parecia algo simples. Voltou para casa no dia seguinte. A recuperação estava normal. Permanecia em repouso com o irmão mais novo, Marcos Vinicius, então com 6 anos, e a babá. O pai, Marco Antônio Thomé, trabalhava. A mãe, Margaret Santos Thomé, saíra para comprar um presente. Os dois iriam a um casamento na noite do dia 25. Na volta, Margaret percebeu que havia algo de estranho na residência.
“Quando abri a porta de casa, senti um cheiro diferente, horrível. Entrei correndo para ver o que era. As duas (Mariana e a babá) estavam no banheiro, desesperadas. O ponto da cirurgia havia se aberto. Foi uma correria. Como não dirigia, chamei o padrinho e a madrinha dela e corremos de volta para o hospital. Os médicos não conseguiam descobrir o que minha filha tinha”, recorda-se Margaret, angustiada.
Depois de alguns dias de internação, uma nova cirurgia evitou o pior. Já era 19 de março, um domingo. Foi preciso lavar o intestino da garota, pois o seu apêndice também se abrira, jogando sujeira para o resto do corpo. O órgão estava comprometido. Era questão de vida ou morte. Houve uma piora antes do procedimento. Saiu da sala cirúrgica diretamente para a UTI infantil, onde permaneceu estado de semi-coma — quando não é preciso induzir o paciente ao sono profundo. O estado de consciência, porém, estava afetado. Sem reação.
“O médico que a atendeu dizia que ela tinha 15% de chances de viver quando terminou a segunda cirurgia. Coincidentemente, era um amigo meu, já falecido. Ele disse: ‘Fiz o que estava ao meu alcance’. Daí para frente, era com a Mariana”, conta Marco Antônio, que saiu correndo do trabalho quando soube da notícia ruim.
Foram cinco dias de internação na UTI. Ela se recuperava lentamente às vésperas do aniversário de 10 anos, que completaria em 3 de abril. Os pais não sabiam mais o que fazer até uma inesperada ideia surgir.
“O Edmundo sempre foi uma paixão dela de infância. Ela o idolatrava desde os 7 anos. Um dia antes do aniversário dela, 2 de abril, decidimos ir atrás dele para convencê-lo a vir visitar a Mariana. Era justamente o aniversário dele”, recorda-se Margaret. O problema era como encontrar Edmundo. Pior: como levá-lo até Santos, no hospital onde ela estava?
Gravação/ Márcia Regina Thomé, a madrinha, assumiu a missão. Acionou um jornalista esportivo do qual era amiga em busca do socorro do Animal.
“Ela estava muito mal. Antes, falava dele 24 horas por dia. Era muito fã. Conversei com um amigo, Paulo Schif. Expliquei a situação e ele foi atrás, pois iria cobrir um jogo do Palmeiras na capital e fez o que pôde. Não o trouxe a Santos, mas conseguiu uma gravação dele em uma fita cassete. Naquela época, não tinha celular. Meio contrariado, o Edmundo gravou e foi a salvação dela”, lembra-se Márcia.
O atacante nem precisou de muito para se tornar um anjo da guarda. Rápido nos gramados — às vezes, com um único toque na bola, já passava pelo zagueiro adversário —, em 19 segundos, fez o suficiente para mudar a vida de Mariana. Um depoimento simples. Simples? Não para uma fã incondicional de 9 anos que teve de encarar tão cedo o risco de morrer .
Foi uma correria. Com o áudio em mãos, a família partiu para o hospital. Pediram para os médicos colocarem a mensagem para ela ouvir. Alguns diziam ser perda de tempo. A pequena não reagiria. Tolice.
“Foi uma coisa surreal. Caiu como o remédio certo na hora certa. Era o ídolo dela, no auge da carreira... Os enfermeiros e médicos correram para ouvir juntos, no quarto dela. Ficou aquela aglomeração. Foi uma injeção de ânimo que a salvou. Depois disso, ela recuperou a consciência e, daí para frente, foi só melhora”, diz o pai, com a voz embargada.
OUÇA A GRAVAÇÃO:
Edmundo ainda ajudou nos passos seguintes. Enfermeiros e familiares o usaram para injetar ainda mais ânimo na garota. Diziam que, se ela se esforçasse na recuperação, na fisioterapia, iria conhecê-lo pessoalmente. Não aconteceu em 1995. Foi duas décadas depois, em dezembro do ano passado. Em um evento similar da Academia Store, em um shopping.
“Aquela princesa fez a loucura de tatuar o meu nome. Disse que mandei um recado e ela saiu do coma. Não sabia... Não temos noção dessas coisas”, disse Edmundo, antes dar um longo abraço em Mariana.
Fonte: Diário de S. Paulo