Além dos títulos, ídolos e vitórias, o torcedor do Vasco se orgulha, em geral, do crescimento do clube ao longo da história. Do erguimento de São Januário por apaixonados até a inclusão de negros e operários, a trajetória cruz-maltina no futebol completa 100 anos nesta terça-feira com um episódio simbólico: em 3 de maio de 1916, no primeiro jogo competitivo da equipe, o Vasco foi derrotado por 10 a 1 pelo Paladino, no campo de General Severiano.
Ali, na Terceira Divisão da Liga Metropolitana de Sports Atléticos, a principal do Rio de Janeiro na época, começava o caminho de um grupo que apenas seis meses antes havia oficializado a prática do novo esporte. O início do Vasco foi do zero: jogadores pouco experientes, dirigentes ainda “crus” e estrutura econômica modesta. Para se tornar o gigante atual, precisou, primeiro, aprender com as derrotas.
A criação do futebol
No primeiro time do Vasco, a maioria era originária do Lusitânia, outro clube da colônia portuguesa que, em meados da década de 1910, caminhava para o desaparecimento. Naquela entidade, eram admitidos apenas lusitanos e seus descendentes – nada de brasileiros, conceito oposto ao do Cruz-Maltino. Muitos deles migraram para a nova equipe de futebol sem precisar entregar joias, a forma de admissão nos clubes da época.
Em novembro de 1915, uma assembleia extraordinária decidiu pela criação da seção de futebol no Vasco. A definição não foi unânime – representantes do remo, o principal esporte do clube na época, eram contrários à novidade. O surgimento foi impulsionado por Raul Campos, partidário do futebol, que assumiu a presidência.
- Ele era um dos defensores do futebol. Um de seus primeiros atos foi convocar a assembleia e solicitar a reforma do estatuto para incluir o futebol - explicou Walmer Peres, historiador do Centro de Memória do Vasco.
A derrota
Com a seção criada, o próximo passo foi mais difícil. Na época, apenas os sócios dos clubes podiam jogar. A base do Lusitânia não foi suficiente para garantir uma grande equipe desde o princípio. Em dois amistosos preparatórios, o Vasco venceu o Parque Royal e empatou com o Catete. No primeiro para valer, porém, a inexperiência cobrou seu preço. Após a goleada sofrida, a lenda conta que os jogadores cruz-maltinos foram recebidos na sede do clube sob chuva de laranjas pelos adeptos do remo.
- Foi difícil montar o time. Existia a dificuldade financeira de começar um esporte do zero. O futebol já era extremamente competitivo, havia competidores mais experientes. A Liga Metropolitana já tinha 10 anos de campeonato. Os jogadores do Vasco não eram tão qualificados. Os próprios dirigentes precisaram aprender a identificar bons jogadores. Foi preciso um amadurecimento institucional. O Vasco precisou lutar para chegar aonde chegou. Não ganhou de bandeja - ponderou Walmer.
O gol de honra do Vasco foi marcado por Adão Antônio Brandão. Português, ele dedicou sua vida ao clube. Disputou outras modalidades e permaneceu no elenco até ser campeão carioca em 1923 – com um time muito diferente daquele inicial, já com negros e operários descobertos em outras ligas. Brandão ainda se tornaria benemérito do clube. Hoje, tem seu nome estampado na sala de imprensa em São Januário, ao lado de outros ídolos cruz-maltinos.
- Ele era um atleta multidesportivo. Adão foi um grande desportista do Vasco. É uma figura eternamente marcada por ter feito o primeiro gol do Vasco - completou Walmer.
Olho no subúrbio
Vencedor daquele jogo, o Paladino não durou muito tempo – seu último registro de torneio disputado é do final da década de 1920. O que diferenciou o Vasco dos outros tantos clubes daquela época? Algo que definiria a identidade cruz-maltina nos anos seguintes: a ideia de admitir em seus quadros atletas negros e representantes da classe baixa da sociedade, algo impensável nos rivais.
Desde o início de sua seção de futebol, o Vasco virou suas atenções para outras ligas disputadas no Rio de Janeiro, especialmente no subúrbio. O expediente possibilitou a montagem de times melhores. Em 1916, a equipe ficou em último lugar na Terceira Divisão. Uma reformulação da Liga Metropolitana colocou o Cruz-Maltino na segunda divisão em 1917, onde permaneceu até 1922, melhorando gradativamente suas posições até conquistar o acesso naquele ano. Em 1923, conquistaria pela primeira vez o Campeonato Carioca. Daí para ser gigante, não demorou.
Fonte: GloboEsporte.com