Martín Silva fala sobre vida no Rio, política, futebol brasileiro, Uruguai e Vasco

Sábado, 23/04/2016 - 18:51
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Se fosse brasileiro, Martín Silva talvez seria rotulado de “petralha”. Eleitor de partidos de esquerda no Uruguai, acompanha atentamente o desenrolar da crise política no Brasil, onde vive desde 2014. Em São Januário, o clima é outro, de calmaria. O goleiro não se preocupa com o dia em que o Vasco perderá a invencibilidade, atualmente de 21 jogos, contanto que não seja amanhã, contra o Flamengo. Para o clássico, faz o alerta: é preciso esquecer a vantagem do empate na semifinal do Estadual.

No terceiro ano de Rio, o que mais lhe agrada na cidade?

Gosto de muita coisa aqui. A cidade é muito bonita, tem o clima agradável o ano todo. Quando você cresce em um lugar com muita chuva e frio, você aprecia esse tipo de clima do Rio de Janeiro, especialmente com crianças pequenas. Eu também me senti muito à vontade com as pessoas, tanto no clube quanto na rua. Minha família e eu. Essa parte humana faz com que a gente se sinta muito bem na cidade.

E do que não gosta?

É um problema que existe em toda grande cidade. A única coisa que atrapalha no Rio de Janeiro é o trânsito. Ele é ruim demais, perdemos muito tempo indo de um lugar para o outro. Fico tempo demais dentro do carro para vir treinar. Isso é algo com que eu não estava acostumado antes de vir para cá.

Você gosta de política? Como vê essa crise no Brasil?

No Uruguai temos um ditado, que todo uruguaio é técnico de futebol e crítico de política. Aqui eu gosto de assistir aos programas para saber o que está acontecendo. Fiquei muito surpreso com as notícias políticas, de corrupção. É difícil acreditar que a crise econômica e política chegou a esse ponto. Para ficar assim, as coisas já estavam erradas há muito tempo. O que me chama a atenção é que as pessoas deveriam ter ligado o alerta muito antes de chegar a esse ponto. Não existe um culpado apenas. Foi o povo que elegeu os atuais políticos e ele tem o direito de cobrar. Mas não deve ser apenas para achar culpados. Deve ser para fazer a coisa certa, para que isso não se repita.

E o futebol brasileiro também está em crise para você?

Para mim não perdeu qualidade, só que os outros times evoluíram muito. Antes, o Brasil era referência em tudo. Agora as referências estão na Europa. O Brasil é tão grande que é difícil olhar para fora, pensar em pegar as coisas certas que estão fazendo e trazer para cá. O Brasil sempre vai ser o Brasil. Nós, uruguaios, sempre falamos, “esses caras são os melhores do mundo, ponto". Vamos sempre querer vencer, mas precisamos aceitar isso. Mas não é o fato de ser o Brasil que vai ganhar de todo mundo. Tem que pensar: o que podemos fazer para melhorar? Outras seleções fizeram isso e melhoraram. O Brasil, quando fizer isso, voltará para aquela época em que quase não tinha rival. Porque o potencial da matéria prima daqui é enorme.

O Uruguai, com o mesmo técnico há dez anos, é exemplo?

Depende. O futebol vive de vitórias. Você pode trazer o técnico certo, falar que vai deixar o cara trabalhar por cinco anos, que se nos dois primeiros ele não for bem, ainda mais em um país como o Brasil, vai ter a troca. A seleção do Uruguai também trocou muito antes do Óscar Tabárez chegar e os resultados têm acompanhado o trabalho dele desde o início. Foi um técnico que, apesar de não ser novo, pelo contrário, teve a percepção do que o futebol uruguaio precisava para evoluir. Precisávamos de um centro de treinamento melhor, de crescer na parte científica e na base. Conseguimos resultados que, para um país pequeno como o Uruguai, significam muito.

Você teve propostas para sair do Vasco após a queda?

Eu cheguei a pensar o que seria de mim se o Vasco fosse rebaixado. Mas isso não passou de dois dias. Até o fim eu acreditei que seria possível escapar e quando não foi possível, eu só pensava em voltar a jogar e dar a volta por cima. Sou muito cabeça dura neste sentido. Então eu falei para o meu representante, não negocie nada, não ouça nada, porque vai ser perda de tempo. Eu quero a minha a revanche. Quero jogar de novo a Série A pelo Vasco.

Estar invicto há tanto tempo é um peso a mais em campo?

Para mim, a invencibilidade é sempre uma coisa boa. Além disso, vai chegar o dia em que perderemos e nada vai acontecer, contanto que não seja em um jogo decisivo, como é esse contra o Flamengo e as finais do Estadual. Fora isso, será normal, todo mundo ganha e perde. Mas vai haver um reconhecimento, porque não é fácil, em um futebol competitivo como o brasileiro, ficar tanto tempo sem perder. É uma demonstração do valor do trabalho que fazemos no Vasco.

Na última derrota do Vasco para o Flamengo, teve aquele lance da reposição de bola sua que parou na poça. Como você reage num caso assim?

Durante o jogo, você percebe na hora: “fiz m...”. Falhar, na minha posição, pode fazer muita diferença. Mas com o tempo, você aprende que tem um jogo inteiro pela frente e a primeira defesa depois de uma falha é a mais importante, para passar confiança aos companheiros. Depois do jogo sou autocrítico, fico batendo naquela tecla até a outra partida.

Depois, você só brilhou contra o Flamengo. Como seguir assim e ir à final do Estadual?

Sabemos que não podemos jogar de olho no empate em Manaus. Em clássicos tudo é diferente. Na nossa cabeça, só existe a vitória para garantir a vaga para a decisão.

Neymar ou Suárez?

Suárez.

Churrasco brasileiro ou churrasco uruguaio?

Uruguaio. O daqui é bom, mas não tem como (risos).




Fonte: Extra Online