Jorginho e Muricy Ramalho têm trajetórias tão parecidas quanto inversas. Enquanto o primeiro ganhou praticamente tudo como jogador, ao outro só falta o título de campeão mundial de clubes no currículo de treinador. Na lateral direita, o carioca de Guadalupe, 51 anos, levantou 16 canecos, entre os quais a Copa do Mundo de 94 pela Seleção e Brasileiros por Flamengo e Vasco. O paulista sessentão, na área técnica de boné e mascando chiclete, hábito que herdou do "mestre" Telê Santana, levou seus times a 15 conquistas oficiais. O antagonismo se repete quando trocam de lado. O habilidoso meia do São Paulo botou só três faixas no peito quando atleta, e o "professor" Jorginho tem apenas dois títulos à beira do campo, ambos conquistados no Japão.
Em comum, os técnicos de Flamengo e Vasco, adversários do próximo domingo, às 16h, em Manaus, têm a lealdade por treinadores de Seleção dos quais foram auxiliares como marca. É verdade que Muricy integrou comissão técnica de Telê Santana no São Paulo, mas Telê foi justamente o comandante do Brasil nas Copas de 1982 e 1986. O paulistano de 60 anos credita grande parte do sucesso de sua trajetória fora das quatro linhas a Telê, a quem dá tratamento de pai. E repete isso constantemente. Brinca que até herdou do mestre hábitos como mascar chiclete e ser pão duro.
- Eu e Serginho Chulapa íamos nos bares depois do jogo, sempre saía com Chulapa, meu parceiro inseparável. Esse negócio de pagar não é bom, cara. Aí quando vinha a conta eu dizia: "Não é possível, Chulapa, não bebemos tudo isso não, é muita grana". (Risos). Aí nas outras vezes ele começou a ir na frente pegar a conta para não me deixar brigar com o garçom. Eu tenho muitas coisas do Telê, peguei muitas coisas do Telê, inclusive de não gastar. Para mim, ele é tudo. Telê foi o cara que me deu oportunidade, o cara que me fez treinador, o cara que me fez gostar de futebol, o cara que foi a sequência do meu pai - disse Muricy Ramalho, em entrevista ao Esporte Espetacular em fevereiro.
Auxiliar de Dunga entre 2006 e 2010, Jorginho é amigo do atual técnico da Seleção, e sai em defesa do companheiro de profissão. Porém, quanto mais se distancia do ex-volante, mais independência para mostrar sua faceta. Não esconde, aliás, que a serenidade que sempre o marcou desde os tempos de atleta foi deixada de lado quando perguntas mais incisivas surgiram.
- Leve e flexível eu sempre fui. Em alguns momentos, temos que ter a postura de acordo com o que estamos caminhando. Na Seleção, meu treinador era o Dunga, vocês sabem como ele é. Eu nunca deixei de ser flexível, mas eu dava pouca entrevista por ser uma norma da CBF de modo geral. Talvez, em algum momento, como na convocação (para Copa), por ter uma entrada incisiva em relação a Neymar, Ganso, pode ter ficado uma imagem deturpada. Mas sempre fui esse cara de diálogo. Agora, não tenha dúvidas que sou outro cara, outro profissional. Aprendi muito, cresci muito. Não poderia ficar parado. Meus treinamentos são muito melhores, mais criativos, mais jogo... - afirmou, em recente entrevista ao GloboEsporte.com.
Trajetórias
Jorginho ainda carece de um título em seu país como treinador, mas o próprio Muricy, dono de quatro Brasileiros, sete estaduais e uma Libertadores, demorou a emplacar sequência de troféus no Brasil. Iniciou a carreira de técnico em 1993, no mexicano Puebla e no ano seguinte, como interino de Telê Santana - à época de férias -, ganhou a Copa Conmebol. Desvinculou-se do São Paulo em 1996 e, enfim, foi efetivado no Guarani. A partir daí teve de esperar até 2001, quando assumiu o Náutico, para enfileirar campeonatos, incluindo um com o São Caetano. Foram oito anos colocando faixa no peito, série interrompida somente em 2009. Depois, emplacou triunfos de 2010 a 2012, ano de seu último título.
O comandante cruz-maltino teve início promissor também. Assumiu o America-RJ no fim de 2005 e levou o time à final da Taça Guanabara do ano seguinte, contra o Botafogo. Os rubros até hoje reclamam muito da atuação do árbitro Willian de Souza Nery, que anulou um gol legal de Robert. Segundo torcedores do clube de Campos Salles, o juiz aliviou o lado alvinegro em jogadas duras. Após isso, veio o cargo de auxiliar técnico de Dunga, e a parceria durou por quatro anos. Voltou aos clubes em 2010, no comando do Goiás e não se deu bem. Em 2011, porém, obteve muito destaque com o Figueirense, lançando mão de jogadores que vinham de passagens sem sucesso pelo futebol carioca. Recuperou, inclusive, Wellington Nem, hoje no Shakhtar Donetsk, e Maicon, em alta no Grêmio atualmente. Quase foi à Libertadores.
Na sequência, títulos no futebol japonês, uma passagem ruim pelo Flamengo e um vice-campeonato da Sul-Americana pela Ponte Preta, em 2013. O trabalho de reconstrução do Vasco é o terceiro que merece muitos elogios em sua carreira.
Gostos em comum por defesa forte e estilos diferentes fora do trabalho
Muricy Ramalho e Jorginho têm trabalhos que ficaram marcados por defesas consistentes. No São Paulo, onde foi tricampeão brasileiro, o primeiro não abria mão de esquema com três zagueiros, com os volantes Josué e Mineiro com liberdade para saírem jogando. Jorginho, no Figueirense, usava dois no miolo de zaga, mas estes eram protegidos pelos ex-vascaínos Ygor e Coutinho. O meia Maicon também tinha papel de marcação. Hoje o ex-lateral tem solidez com Luan e Rodrigo sendo auxiliados pelo "volantão" Marcelo Mattos. Muricy, por sua vez, diz que os volantes de hoje têm de saber jogar. Por isso aposta em Cuéllar e Willian Arão.
Embora tenha distribuído respostas ríspidas em entrevistas coletivas nas quais dificilmente sorria enquanto técnico do São Paulo, Muricy Ramalho é da resenha. Em exclusivas, basta desligar o microfone para ele se soltar e contar causos da bola com muito humor. Mais brincalhão ainda é Tata, auxiliar do comandante rubro-negro. É comum em fotos vê-lo sorrindo ou implicando com alguém. São amigos de longa data e se conhecem desde o tempo em que disputavam campeonatos de várzea na capital paulista.
Também de sorriso fácil e, assim como Muricy e Tata, "irmãos" há bastante tempo, Jorginho e Zinho são menos adeptos dos palavrões e desde o tempo de jogador não escondem que são "Atletas de Cristo". O auxiliar técnico, também tetracampeão do mundo com a Seleção, costuma dar mais as caras e até concede entrevistas coletivas. Apesar de todo o entrosamento, Jorginho garante que não há "duplo comando".
- O Zinho tem uma experiência larga. Foi treinador nos EUA, assumiu o Nova Iguaçu em algumas oportunidades. É alguém muito importante porque transcende o campo. Somos amigos, nossas famílias são amigas, nossos filhos são amigos, cantam juntos. Além disso, é alguém que conheço muito bem. São muitos anos juntos em clube e Seleção, campeões do mundo. É um cara com uma visão mais ampla. Em primeiro lugar, é importante como auxiliar. Sabe muito do campo, da parte técnica, de treinamentos, tem uma leitura muito boa de jogo. Por isso, conversamos muito. Falam que há duplo comando e não tenho preocupação com isso. O Dunga não tinha isso comigo. É uma parceria, amizade. Fazíamos juntos, mas o treinador decide. Era o Dunga e aqui sou eu. Ele sabe e esse respeito é muito legal - afirmou Jorginho.
Tão parecidos e diferentes, Muricy e Jorginho duelam neste domingo, às 16h, na Arena da Amazônia, em Manaus, pela semifinal do Carioca. Enquanto o técnico que é conhecido pelos muitos títulos precisa da primeira grande vitória à frente do Flamengo para classificar seu time à final e interromper série invicta do arquirrival, o mais jovem do confronto precisa de um empate para estender a lua de mel que vive com os vascaínos.
Fonte: GloboEsporte.com