Vasco ajuda São Cristóvão a reformar seu estádio, que completa 100 anos em abril, e deve fazer amistoso comemorativo

Domingo, 27/03/2016 - 06:21
comentário(s)

Em 1916, a construção do Estádio do São Christóvão Athletico Club entrou para o calendário de fatos históricos do dia 23 de abril. Ao menos nos corações sãocristovenses, até hoje palpitantes em meio às histórias de luta que permitiram ao clube modesto, de torcida praticamente regional e pioneiro no Rio, chegar de cabeça erguida rumo ao seu centenário, comemorado daqui a um mês. Ele chega bonito para o aniversário, com gramado verdinho, entre outras pequenas reformas promovidas em parceria com o Vasco, num investimento de aproximadamente R$ 120 mil. O melhor presente do clube, aspirante à Primeira Divisão, deve chegar em abril, quando o campo, hoje usado apenas para treinos e partidas dos juniores, deverá receber o alvará de liberação do Corpo de Bombeiros para se tornar novamente palco de jogos profissionais.

Da reforma no Ronaldo Nazário de Lima (antigo Figueira de Melo), os visitantes poderão usufruir de novos banheiros e de mais espaço de arquibancada. Outras melhorias, mais sutis e não menos importantes, foram feitas nos sistemas de irrigação, bomba e caixa d’água; além de adubo e fertilizante para o gramado, cuja preparação demandou um caminhão de grama.

— O campo, antes, estava na UTI — enfatiza Renato Campos, gerente administrativo do São Cristóvão, que se dedica há 22 anos ao clube.

Ele garante que já viu de tudo. Uma de suas lembranças mais antigas passa pelos mascotes da Torcida Jovem Cadete (assim conhecida pela proximidade com instalações e integrantes do Exército): os carneiros. No início, era um casal, até que vieram dezenas de filhotes e ficou insustentável mantê-los. Eles ficaram na memória também de torcedores, que os consideravam os aparadores não oficiais de grama.

— Quando chegou a mais de 20 animais, tiveram que doá-los. Tínhamos que tirá-los do campo horas antes dos jogos. Um deles ficou até famoso, chamava-se Babalu e era o que dava mais trabalho, dando cabeçadas. Uma vez ele chegou a se soltar e interromper uma partida. Que sufoco! Num bar aos fundos de onde era a arquibancada (hoje um estacionamento) tinha uma janela e os caras davam cachaça para ele. Isso faz parte da história do clube e a nossa presidência (Emmanuel França à frente) quer resgatar a tradição. Está em busca de um novo casal de carneiros — diz.

PAIXÃO DESDE A INFÂNCIA

A paixão de Campos pelo universo do clube vizinho, situado na Rua Figueira de Melo, começou ainda criança, quando brincava de bola no local. Como muitos dos torcedores que se dedicam exclusivamente ao São Cristóvão, ele recebeu o clube de bom grado como herança de família. Hoje os cuidados vão desde de a manutenção do ar-condicionado aos treinos e avaliação de jogadores. A rotina começa às 7h30m, sem hora para acabar.

— Minha mãe já lavou roupa para o clube. E eu sempre fiz de tudo um pouco. É um trabalho cansativo, mas, para mim, é uma cachaça — diz.

É com brilho nos olhos que ele relembra craques do futebol saídos de lá, como Válber (Vasco), João Paulo e Whashington (Santos) e Ronaldo, eternizado numa das paredes com a célebre frase “Aqui nasceu o Fenômeno”, de sua criação. O atacante consagrado na história da futebol brasileiro teve passagem relativamente rápida, porém marcante, entre 1990 e 1993, deixando um legado para novos aspirantes. Para Campos, ele é exemplo de superação.

— A capacidade dele é incrível. Mesmo passando por vários problemas, contusões e obesidade, voltava ao futebol. Ele fez história e representa muito para o São Cristóvão. Queremos trazê-lo aqui para entregar ao público, oficialmente, o estádio já registrado com o nome dele — diz.

O uniforme do time é todo branco, da camisa aos calções e meiões; somente as de treino são cor-de-rosa.

— Eu sou tão São Cristóvão que acho que a camisa do time tem que ser toda branca mesmo, sem detalhes, só com o símbolo. O atual inclui apenas um passarinho (da Reserva) — diz.

O QUE O ESCUDO DEVE CONTER

Afeito a simbolismos, Campos explica detalhadamente o que o escudo original da agremiação deve conter: na parte inferior, seis listras pretas e cinco listras brancas, representando a composição de jogadores no ano da fundação; na parte superior, 14 raios (sete pretos e sete brancos), saídos de um círculo rosa onde estão uma âncora, um timão e dois remos cruzados; atravessando o escudo, numa faixa branca diagonal, a denominação São Cristóvão F. R. Todo o escudo é limitado por uma linha cor-de-rosa, um símbolo da devoção dos remadores a Nossa Senhora dos Navegantes.

Diante das dificuldades de um clube de pequeno porte, eis o segredo da longevidade daquele que jamais deixou de disputar um Campeonato Carioca — independentemente de divisão, série ou liga — e tem como seu maior amuleto o título de Campeão de 1926: uma dose cavalar de amor e doação, no amplo sentido da palavra. Desde aquela época, houve, assim como Campos e seus familiares, outros representantes e seguidores oferecendo-se como mão de obra voluntária para tarefas de rotina ou cedendo dinheiro do próprio bolso quando era necessário para quitar as contas. De tijolo em tijolo, de madeira em madeira — era este o material da arquibancada de antigamente —, o estádio cresceu e se modificou ao longo dos anos, inclusive em sua disposição, hoje vertical para quem o avista do viaduto na Linha Vermelha. Já o placar é ainda manual.

GERENTE LINHA DURA

Pode anotar aí: uma mistura de cloro gel Vim e sabão em pó Ariel é o segredo para deixar o uniforme do time do São Cristóvão branquíssimo, dica da gerente de futebol do Clube, Silvani Maria. Ela coloca mesmo a mão na massa e até lava roupa de jogadores ou prepara o café da manhã, quando necessário. Mas engana-se quem pensa que o comando, por ser feminino, é suave. A loura, frequentemente vista com as sobrancelhas franzidas, sem maquiagem e com roupas mais soltas, segue um regime “linha- dura” no trabalho. Não à toa é apelidada pela equipe administrativa de Capitão Nascimento ou Mão de Ferro, numa alusão a Margaret Thatcher, principalmente quando está na TPM. Ela corta um dobrado com os marmanjos:

— De todos com quem trabalhei até hoje, 10% concordam comigo. Ainda tem muita gente que entra no futebol levando na brincadeira, no amadorismo, mas eu cobro mesmo; gosto de ver tudo bem feito. E tenho que lidar com o preconceito que ainda existe (por ser mulher). Trabalho com quase 50 homens; tenho que me impor para me fazer ouvir.

Recém-chegado ao elenco, o goleiro Fernando Cunha já se adaptou ao ritmo disciplinador imposto pela nova chefe.

— Cheguei aqui no início do ano para a disputa da série B. Assim que recebi a proposta fiquei muito feliz, o São Cristóvão tem muita história, é um time campeão carioca. Temos tudo para conquistar o objetivo que é o acesso à série A. A estrutura está ótima, o estádio tem tudo para se trabalhar, estamos no caminho certo. Todos se esforçam bastante para o crescimento do clube. A Silvani faz muito por nós no dia a dia do clube — afirma.

Funcionária do São Cristóvão há pouco mais de um ano, Silvani começou carreira no ramo há 12, quando largou o bufê que mantinha para se especializar em gestão de desporto. Ela passou pelo Santa Cruz, o Mangaratibense e o São Pedro da Aldeia. Toda semana, atravessa Cabo Frio, de mala e cuia, para cumprir o expediente no clube, onde dorme de segunda a quinta-feira. A dona de casa só assume o próprio lar, de fato, aos domingos.

— A placa da minha sala diz Departamento de Esporte, mas parece que as pessoas leem “solução de problemas”. Essa coisa de ser muito eficiente às vezes me traz prejuízo. Tem dia que eu piro — diz Silvani, enquanto recebe ligações consecutivas ao telefone.

Com o centenário à vista, ela acredita que é chegada a hora de concentrar todos os esforços para retomar os jogos (hoje realizados em Olaria), atrair visitantes e transformar o módico campo, atualmente com estrutura precária, em um caldeirão do bairro, como faz o vizinho mais famoso. Faltam ainda recursos financeiros para uma grande reforma, frisa ela.

O gerente administrativo Renato Campos afirma que hoje há mais times que clubes, pois estes estão falindo, sem apoio da federação.

— Não é má administração. Todos os dias tenho que lembrar às pessoas que o São Cristóvão existe; ele tem pouca presença na mídia. A prestação de contas num clube associativo é complicada, diferente de um clube-empresa — diz.

LEMBRANÇAS DA ARQUIBANCADA

Foi em 1943 que o São Christóvão Athletico Club se fundiu oficialmente com o Clube de Regatas São Cristóvão (criado em 1898), e assumiu a denominação atual de São Cristóvão de Futebol e Regatas. Seus treinos e jogos amistosos eram realizados no Campo de São Cristóvão, antes da construção do espaço atual. Além do futebol, naquela época as atividades abrangiam basquete, vôlei e futebol de salão.

Um dos poucos torcedores fiéis que acompanham o São Cristóvão em sua caminhada na Série B do Campeonato Estadual, o comprador de suprimentos Alexandre Biar, de 45 anos, mantém vivas na memória as lembranças dos bons momentos nas arquibancadas do alçapão que, há três anos, ganharam antigos assentos azuis do Maracanã. Foi no desgastado cimento que ele viu o seu time ser campeão pela primeira vez, na Segundona de 1991.

— O técnico era o Jairzinho Furacão, campeão da Copa do Mundo de 1970. Enfrentamos a Cabofriense na decisão e vencemos por 1 a 0. A diretoria pagou chope para toda a torcida na comemoração, como os times grandes faziam. Foi um momento especial — afirma.

O ex-treinador lembra com carinho da conquista, mas recorda as dificuldades que encarou como jogador do Botafogo, quando enfrentava o São Cristóvão na Figueira de Melo.

— O campo era pequeno, como é até hoje, e a torcida ficava muito próxima. Não era raro alguém levar um tapa de um torcedor, já que a distância do alambrado para a linha lateral era mínima — diz.

O regimento interno da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) dá ao São Cristóvão a preferência no uso do uniforme branco contra qualquer adversário. O clube fez valer o direito durante a disputa do módulo branco da Copa João Havelange, equivalente à Terceira Divisão, em 2000, na única vez que o clube do Bairro Imperial disputou uma edição do Campeonato Brasileiro.

Para celebrar o centenário do estádio mais antigo do Rio, o clube organiza um amistoso com o Vasco. Data e local não poderiam mesmo ser outros.

ESTILO WESLEY SAFADÃO

A partida entre o América Football Club e o São Cristóvão de Futebol e Regatas, em 2009, marcou o último jogo em que o estádio teve os ingressos esgotados. Apesar de comportar até três mil pessoas, foram postos à venda somente 500 bilhetes. Neste dia, teve hino em alto e bom som: “São Cristóvão, São Cristóvão. Teu passado é tão cheio. Aos teus rivais inspiras sempre receio”. Foi um verdadeiro espetáculo para quem assistia ansioso à disputa na qual o primeiro time jogava, ineditamente, a Segunda Divisão. Sem ingressos, uma plateia de cerca de mil torcedores — a maioria do América, que comemorou a vitória rubra por 3 a 1 — ocupou a mureta do viaduto da Linha Vermelha.

— Foi bem no estilo Wesley Safadão — comenta o gerente administrativo Renato Campos, relembrando um recente evento com o cantor no bairro, no qual os fãs fizeram da via expressa um disputado camarote.



Fonte: O Globo