A intimidade com a área adversária faz parte do passado para Julio dos Santos. Titular absoluto do Vasco em 2016, o paraguaio passa por nova etapa de um processo de adaptação que dura toda sua carreira. De clássico camisa 10 nos primeiros passos no Cerro Porteño, o meio-campista recuou e ganhou atributos defensivos. Apesar de contestado pela torcida, é o líder de desarmes do Campeonato Carioca, segundo dados do site FootStats: 31, contra 29 de Wellington Silva, do Fluminense, segundo colocado. Também é quem mais cometeu faltas: 27.
A caminhada “para trás”, na verdade, representou evolução para Julio. Ele surgiu no Cerro Porteño como grande promessa, atuando mais avançado. Não fez muitos gols em sua primeira passagem, mas mostrou qualidade nos passes, o suficiente para fazer o Bayern de Munique contratá-lo. Na Europa, passou ainda por Wolfsburg e Almería, mas não engrenou, assim como no Grêmio e no Atlético-PR.
Para reerguer a carreira, Julio recuou. Em sua segunda passagem pelo Cerro Porteño, virou volante. Ali, teve sua melhor fase: com liberdade para avançar e moral no elenco, bateu pênaltis, faltas e foi o artilheiro da Libertadores em 2014, com cinco gols. Técnico do paraguaio na época, o ex-jogador Francisco Arce explicou a transição do antigo pupilo.
- Quando eu comandei a seleção paraguaia, em 2011 e 2012, ele ainda atuava mais à frente, como armador, atrás do centroavante. Depois, quando cheguei no Cerro, já o encontrei atuando como volante. Tinha liberdade para sair, chegar na frente, para aproveitar a visão dele, o lançamento, o passe, que é o melhor que ele tem. Chegava para concluir e fazia gols de cabeça.
Mesmo atuando recuado, Julio marcou 16 gols em 2014, muitas vezes em cobranças de pênalti e de faltas. Contraste com outros momentos de sua carreira e, principalmente, com o tempo de Vasco: nenhuma bola na rede desde que chegou, no início de 2015. Como o próprio apontou, o protagonismo que tinha no Cerro, onde é considerado ídolo, fez a diferença.
- Eu jogava mais centralizado, mais adiantado. Lógico que tinha outra responsabilidade, totalmente diferente do que sou aqui. Tudo que eu fazia lá, o Nenê faz aqui (no Vasco) – explicou Julio.
- Ele nunca foi um goleador. Era um cara que servia os outros, organizava o jogo, dava o último passe. Sempre fez gols na carreira, mas nunca foi um matador – completou Arce.
Idolatria no Cerro Porteño
O fato de ser coadjuvante no Vasco pode explicar o novo momento de Julio. Para o jornalista paraguaio Federico Villalba, o fato de não estar no clube onde foi revelado e é ídolo contribui para certa timidez do meio-campista.
- Julio fez muitos gols no Cerro, era mais protagonista, mas a situação era distinta. Nasceu futebolísticamente ali, foi ídolo, foi vendido, voltou e seguiu sendo ídolo. Não o vi jogar no Vasco, mas suponho que, por não ser um clube “seu”, jogue de outra maneira – analisou Villalba.
Esta idolatria teve altos e baixos. Julio surgiu como grande promessa, mas, desde que voltou, dividiu os torcedores do Cerro Porteño, apesar dos bons números - ele é o segundo maior artilheiro da história do clube, com 88 gols.
- Há sentimentos conflitantes por ele. Embora seja um dos ídolos do Cerro, nos últimos anos já não gostavam tanto dele. Seu rendimento nos últimos jogos pelo Cerro não foi o melhor, ele desaparecia em partidas importantes. Mas sou agradecido pelo que ele deu ao clube e o considero um dos ídolos da instituição – disse Tito Alarcón, torcedor do Cerro.
Importância tática no Vasco
No Vasco, Julio ainda está longe de ser ídolo. Os torcedores criticam, principalmente, sua lentidão. Mas, dentro do clube, o paraguaio é valorizado. Foi titular em todas as partidas da equipe nesta temporada e é visto como peça-chave na estratégia montada por Jorginho. No início de sua passagem no Cruz-Maltino, ele chegou a ser utilizado mais à frente por Doriva, aberto no trio de meias do 4-2-3-1, mas depois recuou. O que permaneceu foi a parceria com Madson pela direita.
- Tento usar a velocidade dele com o passe que eu tenho. Não sou um cara rápido, meu jogo é mais de passe. É bom ter um jogador rápido que gosta de chegar bem no fundo - explicou Julio.
No início deste ano, Julio experimentou outra função: a de primeiro volante. A ideia de Jorginho tem base no levantamento de dados do atleta. Além da capacidade de armar o jogo, o paraguaio mostrou bom rendimento na hora de pressionar e ganhar disputas com o adversário – é dos líderes do elenco no primeiro quesito.
Com a chegada de Marcelo Mattos, Julio ganhou mais liberdade, mas segue como coadjuvante, pelos menos para as arquibancadas. O gol, neste caso, é apenas um detalhe.
Fonte: GloboEsporte.com