Samuel tem 18 anos. Baiano de origem, ajuda seu pai nas contas do bar e na venda de acarajés de sua mãe. Com o dinheiro que arrecada por lá, conseguiu comprar um par de chuteiras pela internet. Era com elas que o jovem embarcava num ônibus, percorria os 50 minutos de trajeto todo dia, e se transformava, em treinos e jogos, no volante da equipe sub-20 do Macaé (RJ). Já bastante surrados, os calçados entraram em campo pela última vez na quarta-feira passada, em São Januário, pelo Campeonato Carioca da categoria, por um motivo nobre e incomum.
Nas últimas, tais chuteiras rasgaram de vez em meio ao placar adverso que o dono delas enfrentava já no segundo tempo. Ao seu lado, Mateus Pet, meia do Vasco, também de 18 anos, com quatro jogos pelos profissionais e de vínculo renovado recentemente com o Cruzmaltino, carregava seu reluzente calçado da marca que é patrocinado. Instintivamente e em meio a bola rolando, o vascaíno questionou:
"Quanto você calça?".
Samuel respondeu:
"Entre 40 e 41".
E Pet emendou:
"Após o jogo vou te dar chuteiras novas".
Seria um deboche do meia cruzmaltino?
"No segundo tempo eu comecei a marcar o Pet quando fui para a lateral direita. Minha chuteira estava aberta e, quando abaixei para consertar, ele viu. Então ele perguntou quanto eu calçava e era justamente o mesmo número dele. Ele olhou e sentiu que elas não tinham mais condições e ofereceu. Fiquei surpreso. Primeiro achei que tivesse sido em tom de deboche, mas ele tinha agido com personalidade e humildade. Depois do jogo fiquei meio envergonhado de chegar nele, mas ele me chamou e me deu as chuteiras. Fiquei grato e muito feliz com este gesto", disse Samuel ao UOL Esporte.
O volante do Macaé é mais um caso de um jovem em busca de um lugar ao sol no mundo da bola. De família humilde, se mudou de Salvador (BA) para Macaé (RJ) ainda criança acompanhando seus pais, que miravam dias melhores. Na cidade petrolífera do interior do Rio, seu pai arrumou um emprego como técnico em fibra. Foi com tal renda que abriu o bar onde sua esposa trabalha e que Samuel passa algumas horas do dia antes de se transformar em jogador.
A caminhada no futebol, porém, começou cedo. Antes de retornar para Macaé, o volante passou nas divisões de base por clubes como Bahia, Vitória, Criciúma, entre outros.
"Até tinham categorias para a minha idade no Macaé, mas o rapaz que me ajudava só tinha contatos para fora do Rio. Eu não tenho aquela condição que muitos têm", diz, se referindo aos empresários que agem livremente na base.
Em sexto lugar no Campeonato Carioca sub-20 e com chances de classificação para as semifinais, Samuel sonha em, quem sabe, atuar ao lado do seu "novo amigo" Mateus Pet.
"Eu sempre tive vontade de fazer pelo menos um teste no Vasco. Falta uma oportunidade e eu não tenho uma pessoa para me ajudar, pois hoje no futebol sabemos que é preciso ter um empresário. Se for da vontade de Deus que aconteça, vou ficar muito feliz", disse.
Ainda agradecido pelo presente, o jovem já sabe o que fará caso encontre Pet novamente:
"Se encontrá-lo de novo, agradeceria muito e daria um abraço forte nele pelo gesto que teve comigo. Foi humilde, teve caráter e não agiu em tom de deboche, quis me ajudar".
No Instagram, Mateus deu um recado:
"O topo da inteligência é alcançar a humildade. Que Deus te abençoe, irmão!"
Fonte: UOL