O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem acompanhado de perto as negociações do Grupo Globo com os clubes pelos direitos de transmissão de TV fechada do Campeonato Brasileiro a partir de 2019.
Documentos aos quais a Folha teve acesso mostram que há investigação preliminar do Cade em andamento para averiguar como são as ofertas da emissora para as agremiações.
Órgão vinculado à Procuradoria da Advocacia Geral da União, o Cade é encarregado de fiscalizar o mercado em busca de possíveis infrações à livre concorrência.
Em ofício enviado à Globo em 1º de fevereiro (o primeiro de uma série de comunicados enviados a emissoras e clubes), o Cade indaga a TV sobre pré-contratos ou contratos firmados com clubes para o Brasileiro a partir de 2019.
Os pontos mais críticos fazem referência a supostas vinculações entre TV aberta e TV fechada. O Cade proíbe a venda em pacote, obrigando a separação das propostas. Não se deve, por exemplo, misturar a TV aberta e a fechada na negociação, o que vale ainda para pay-per-view, internet, direitos internacionais e placas.
A reportagem apurou que a Globo ofereceu R$ 1,1 bilhão aos clubes pelos direitos de transmissão de TV aberta e TV paga. O São Paulo rejeitou, tendo aceitado proposta somente pela TV fechada.
O Palmeiras pediu que a emissora separasse as propostas, assim como o São Paulo faria dias depois.
As perguntas do Cade abordam ainda supostas retaliações da Globo caso os clubes fechem contrato de TV fechada com concorrentes. À emissora, o órgão questiona: “Caso algum clube celebre contrato de transmissão de seus jogos em TV fechada com emissora concorrente, como tal fato interferiria nas negociações em relação aos direitos para a TV aberta?”.
Em ofício aos clubes em 29 de fevereiro (quase um mês depois do enviado para a Globo), as pretensões da análise do Cade se tornam mais claros.
Presidentes dos grandes clubes de São Paulo (Corinthians, Palmeiras, Santos, São Paulo), do Rio (Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco) e do Rio Grande do Sul (Grêmio e Inter) são questionados se “houve algum tipo de ameaça ou retaliação, por parte de Rede Globo, na TV aberta, caso os clubes contratassem com concorrentes –por exemplo, Esporte Interativo (EI)– seus direitos de transmissão em TV fechada/pay-per-view”.
Além disso, o Cade também pergunta às agremiações se a Globo “facultava que a negociação fosse realizada por mídia, de maneira independente” ou “foi proposto uma espécie de pacote”.
O questionário aos clubes indaga sobre o formato da proposta feita pelo EI, mas não fala em vinculação de ofertas de TV aberta e TV fechada ou de retaliações nesse ponto.
Também em 29 de fevereiro, o EI recebeu ofício idêntico ao enviado à Globo.
PRELIMINAR E DEVAGAR
No Cade, a análise das negociações é tratada como uma investigação preliminar. Ou seja, é um procedimento preparatório, etapa anterior a um inquérito administrativo.
Há ainda um caminho burocrático até que a investigação ganhe corpo, ainda que as perguntas levantadas nos ofícios enviados a emissoras e clubes já indiquem os temas de interesse do órgão no caso –quais sejam, possíveis ofertas de pacotes que unem TV aberta e TV fechada e possíveis ameaças ou retaliações a clubes ao longo das negociações.
A lei prevê a conclusão de procedimentos preparatórios em até 60 dias.
Caso sejam encontrados indícios significativos de uma ação contra a concorrência, um processo é iniciado, que então, no limite, pode levar a intervenções incisivas, como multas altas.
“O procedimento preparatório é elaborado quando o Cade não tem certeza se existe uma questão concorrencial ou não. Se o Cade definir que é de sua competência, ele abre um inquérito administrativo, que tem um prazo mais estendido para conclusão, de 180 dias”, explica Marcelo Calliari, advogado especialista em direito da concorrência.
De acordo com o advogado, “a lei dá um grande espectro para que o Cade decida o que será feito. Ele pode negociar com as partes e chegar a um acordo sem condenação, bem como pode determinar o que será feito por cada um para regular a concorrência”.
Esta não é a primeira vez que o órgão do governo analisa questões relativas a direitos de transmissão.
Em 2011, a RedeTV! venceu licitação do Clube dos 13 pelos direitos das edições de 2012 a 2014 do torneio.
No entanto, a Globo negociou individualmente com dissidentes da entidade, o que fez com que a RedeTV! protocolasse processo no Cade, argumentando que a concorrente teve a vantagem de saber os valores da licitação para conversar com os clubes.
Tomando esse episódio como parâmetro, o prognóstico de conclusão do atual procedimento preparatório não é otimista: o processo segue em análise até hoje, sem atualizações significativas.
OUTRO LADO
Procurado pela reportagem, o Grupo Globo respondeu via assessoria de imprensa. “Não comentamos questões em andamento no Cade”, disse a emissora.
Até o momento, o São Paulo foi o único clube que divulgou o acordo e continuará a ter suas partidas exibidas na SporTV de 2019 a 2023. Clubes como Corinthians, Botafogo e Cruzeiro estão próximos de acordo.
Fonte: Folha de S. Paulo