Mais de 88 anos (32.417 dias) separam o primeiro "match" realizado no "field" de São Januário do próximo confronto, marcado para o próximo domingo, às 17h, na tradicional casa cruz-maltina. Escanteio, zagueiro e meio-campo eram "córner", "back" e "center-half", mas a rivalidade, que nasceu nas águas do remo, é de berço. O primeiro duelo é de 1923, nas Laranjeiras, mas a primeira visita à casa vascaína veio quatro anos depois, mais precisamente em 15 de maio, menos de um mês após a inauguração de São Jauário. A vitória vascaína por 3 a 1 tomou a capa de "O Globo" do dia seguinte. Russinho, que ficaria marcado para sempre na história deste clássico, e Pascoal (dois) fizeram os gols dos anfitriões, e Fragoso descontou para os rubro-negros.
A história do confronto em São Januário não é extensa. Lá, os arquirrivais só duelaram por 34 vezes, com 15 vitórias dos donos da casa, 10 triunfos rubro-negros e nove empates. Chama atenção a média de gols do enfrentamento em tal palco: foram 117 gols (66 cruz-maltinos e 51 rubro-negros) - 3,44 por jogo. Em seus domínios, o Vasco estabeleceu a maior goleada em partidas entre os times, e o Flamengo venceu o "match" recordista de gols da história do Clássico dos Milhões.
VASCO PINTA O SETE
Em 26 de abril de 1931, em jogo válido pelo Carioca, o Vasco estabeleceu a maior goleada da história do Clássico dos Milhões. Fez 7 a 0 no Flamengo, e Russinho foi o grande herói, com quatro gols. Mário Mattos (duas vezes) e Santana fecharam a conta do massacre. O chocolate é lembrado em canto dos torcedores do Vasco em paródia do "Decime que se siente" argentino.
Moacir Siqueira de Queirós, o Russinho, já havia marcado no primeiro duelo entre os arquirrivais, mas em 1931 ostentava o status de "leader dos footballers do Brasil", ou seja o jogador mais popular do país. Foi eleito assim no "Concurso Monroe", promovido por uma marca de cigarros em parceria com o Diário da Noite. O voto em cada um dos representantes deveria ser feito em maços vazios. Na primeira parcial, o flamenguista Fortes era o primeiro colocado, mas aí empresários portugueses entraram com força na história e passaram a comprar maços a granel que revendiam a um preço mais acessível a seus funcionários. Estabelecimentos de lusitanos espalhavam urnas em prol da vitória do atleta que deixou o Vasco como quinto maior artilheiro da história do clube, com 225 gols.
E a mobilização portuguesa deu certo. Russinho virou o jogo e foi eleito o mais popular com 2.900.649 votos. Fortes, do Flamengo, ficou em segundo, com 2.048.483. O corintiano Filó fechou o "pódio" dos mais queridos do futebol brasileiro.
É bom destacar que o Flamengo vencera em 1927 a Taça Salutaris, troféu oferecido ao "Mais Querido do Brasil". A disputa também colocou rubro-negros e cruz-maltinos frente à frente, mas a malandragem dos flamenguistas pesou para vencer o concurso promovido por água mineral Salutaris e Jornal do Brasil. O voto era feito no rótulo retirado da garrafa e depositado na sede do jornal. Os portugueses dominavam o comércio da capital e, com muito mais "cédulas", eram favoritos ao triunfo. Ocorre que, no dia da "decisão", flamenguistas com broches do Vasco e arranhando um sotaque português se dispuseram a receber o voto dos "irmãos lusitanos". Resultado: jogaram os votos vascaínos no poço do elevador e nas privadas do prédio. Deu Fla.
Recorde de gols e vitória do Fla
Em 1939, ano em que o Flamengo encerrou seu maior jejum de títulos (não era campeão desde 27), um amistoso marcou a partida com mais gols na história do confronto. O Rubro-Negro bateu o Vasco por 6 a 4, com gols de Caxambu (três), Leônidas da Silva (dois) e Sá. Niginho (duas vezes), Luna e Alfredo descontaram. Meses depois, em setembro, a maior vitória rubro-negra - em diferença de gols - nos confrontos em São Januário: 3 a 0 pelo Carioca - gols de Leônidas (dois de novo) e Gonzales.
A ÚLTIMA VITÓRIA DO FLA: GOL DE CAJU E ENCONTRO COM DADÁ
O Flamengo não vence o Vasco em São Januário há 43 anos - foram mais quatro jogos no período, com duas vitórias vascaínas e dois empates. A última alegria rubro-negra por lá foi em 21 de janeiro de 1973: 1 a 0, gol de Paulo César Lima, o Caju. Embora o jogo tenha sido amistoso, não foram poucos os atrativos para os 10.912 torcedores que pagaram para assistir ao duelo em São Januário. Dadá Maravilha, ídolo atleticano, acabara de ser contratado pelo Fla e, antes de a bola rolar, teve seu primeiro contato com os flamenguistas. Irreverente, PC brincou com a animação de Dario e pediu para Jacaré, apelido de Dadá, cumprimentar a torcida.
- Paulinho, não há glória sem sacrifício. Minha alegria é dar alegria à torcida, a essa gente humilde que faz do futebol um meio de esquecer as dificuldades. Confiem no Dadá. Eu sou o gol, logo sou a vida. Confiem no Flamengo, na sua raça e na mística de sua camisa. Você querem gols? Podem deixar com o velho Dadá, que sempre cumpriu sua promessa - disse, inspirado, Dario, em dia que seria de Caju.
Do lado vascaíno, outra atração, esta internacional. Após dez anos na Itália, onde vestiu as camisas de Milan, Fiorentina e Roma, Amarildo, o Possesso, retornava ao país para defender a Cruz de Malta. Foi bem no duelo, com direito a jogada em que fez fila e só parou numa defesaça praticada pelo goleiro Renato.
Amarildo ficou no Vasco até 1974 e terminou como o único campeão mundial de 1962 que conseguiu conquistar um Campeonato Brasileiro. Porém, como não atingiu seu ápice físico, jogou de graça. Pelo menos é o que garantiu em entrevista ao Sportv, em 2012.
- Fiz um contrato em branco, sem ser remunerado. Foi uma maneira de agradecer a eles que me deram a oportunidade de encerrar a carreira em um grande time como o Vasco e retribuir o que fizeram comigo - contou.
NO FIM DE TOSTÃO, ENFIM UM GOL
Craque de bola e hoje em dia das letras - como colunista da Folha de S. Paulo -, Eduardo Gomçalves de Andrade, o Tostão, veio para o Vasco numa das transações mais caras do futebol brasileiro na época. O time de São Januário superou o Fluminense e levou para a Colina o campeão do mundo, camisa 9 da seleção de Pelé e companhia na Copa do Mundo de 1970. Apesar de toda a fama, um grave problema de visão no olho esquerdo atrapalhava o desempenho de Tostão - e terminaria abreviando a sua carreira. Em 44 jogos, Tostão fez apenas sete gols pelo Vasco. Mas pode contar que um deles foi num clássico dos milhões.
Foi no dia 10 de fevereiro de 1973, em jogo que tinha dois garotos que se tornariam ídolos da torcida. No ataque do Vasco um tal Roberto - pouco depois seria consagrado como o garoto Dinamite. Pelo Fla, um menino franzino chamado Zico. Mas a maior atração vascaína não era nem Tostão nem o promissor Roberto. O meia Zanata estreava naquele dia. A vitória vascaína foi um dos últimos jogos da carreira de Tostão. Contratado em abril de 1972, ele anunciou a aposentadoria aos 26 anos, em fevereiro de 1973, pouco depois de marcar naquele amistoso em São Januário contra o Flamengo. Ele ainda tentou fazer nova cirurgia, mas não conseguiu seguir jogando. Azar do futebol e mais ainda dos vascaínos.
DE EDMUNDO A ROMÁRIO, COM AJUDA DE JUNIOR BAIANO
No Carioca de 1992, com o Maracanã fechado para obras - após queda de torcedores do Flamengo em superlotação da arquibancada na final do Brasileiro de 1992 contra o Botafogo -, São Januário foi a casa do futebol carioca e palco do início da conquista inédita do clube - o tricampeonato estadual. O time do veterano Roberto Dinamite tinha jogadores experientes, como os laterais Luis Carlos Winck e Eduardo e o meia Luisinhos, e revelações de primeira do futebol brasileiro, como Bismarck, Carlos Germano e, claro, Edmundo, um dos destaques vascaínos. Nos confrontos no estádio do Vasco, que terminou invicto a competição pela quinta vez em suas 23 conquistas, dois empates por 1 a 1. Dirigido por Joel Santana, o time da casa jogou já campeão em 6 de dezembro e viu Junior ser expulso após acertar cabeçada no árbitro e dois gols bonitos - um do Animal e outro de Marcelinho. No fim, volta olímpica em São Januário.
O temor por violência para a partida do próximo de domingo tem base no último duelo entre Vasco e Flamengo em São Januário, realizado em 22 de outubro de 2005. A torcida do Fla, apesar de em número bem menor, começou o confronto com bombas atiradas contra os vascaínos, que responderam na mesma moeda.
Em campo, com ambos ameaçados pelo rebaixamento, o Vasco levou a melhor. Com 2 a 0 no placar aos 36 minutos do primeiro tempo, o Cruz-Maltino navegou em mares tranquilos, mesmo com Ramírez descontando aos 21 do segundo tempo. Júnior Baiano, com gol contra, e Romário, marcaram para os anfitriões. O resultado afundou o Fla na 20ª colocação e culminou na demissão de Andrade. Joel Santana assumiu e, com uma arrancada heroica, o Rubro-Negro escapou do rebaixamento. (veja vídeo acima).
A partida registrou 15 feridos, e três torcedores pararam no hospital. Dois policiais, após confronto com os rubro-negros, também tiveram de ser atendidos durante os confrontos.
Fonte: GloboEsporte.com