Após sucesso na Ásia, ex-vascaíno Muriqui quer voltar, mesmo ganhando menos: 'Quero vencer dentro do meu país'

Terça-feira, 09/02/2016 - 07:27
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Na tela da TV, o Barcelona vence o Levante pelo Campeonato Espanhol. Logo em seguida, uma partida do Campeonato Inglês para movimentar a tarde de domingo. No sofá de um luxuoso apartamento em Doha, resta a um dos maiores salários do futebol do Catar passar o tempo vendo as estrelas do futebol mundial em campo enquanto aguarda a definição do seu futuro. Com contrato de US$ 3 milhões (R$ 11,7 milhões) por temporada, válido por mais um ano e meio, o atacante Muriqui soube na última segunda-feira que está fora dos planos do Al Sadd e não sabe onde jogará em 2016. Sua vontade é voltar para o Brasil e tentar repetir em casa o brilho que teve bem longe. Mas, com a situação atual do país e a alta do dólar, algum clube teria tanto dinheiro assim para investir em um jogador não tão badalado no mercado nacional?

- Para me pagar o que eu ganho aqui, não. Eu teria que abrir mão de muita coisa. Eu tenho uma situação confortável financeiramente e, hoje, estou vendo mais meu lado profissional que financeiro. Minha esposa não quer voltar, viver aqui é muito melhor. Temos segurança, meu filho pode aprender outras línguas... Seria mais prático continuar aqui, mas tenho desejo no meu coração de voltar. Não sei se vou conseguir agora. Conquistei muita coisa na Ásia, coletivamente e individualmente. Tenho esse desejo de voltar. Quero ser campeão, brigar para ganhar a Libertadores, o Brasileiro. Creio que no futebol asiático eu venci, mas agora quero vencer dentro do meu país – disse Muriqui.

O atleta que trocou o Galo aos 24 anos pelo então desconhecido mercado chinês, em 2010, hoje colhe os frutos da aposta no futebol asiático. Na China, virou ídolo ao ajudar o Guangzhou Evergrande a sair da Segunda Divisão e tornar-se o bicho papão do continente: foram quatro títulos nacionais e uma Liga dos Campeões com o clube, que hoje já soma mais um Chinês e outra Champions da Ásia. Em julho de 2014, um ano antes de Xavi desembarcar no Al Sadd, Muriqui chegava ao Catar contratado por US$ 8 milhões. Mora em uma cobertura do badalado bairro Pearl e tem como vizinhos, por exemplo, lojas da Ferrari e da Rolls Royce. Dentro de campo, o brasileiro estava fazendo a sua parte. No ano passado, marcou os dois gols da vitória de 2 a 1 sobre o El Jaish na final da Copa do Emir de 2015, que garantiram o título e a classificação para a Liga dos Campeões desta temporada. Porém, no dia do fechamento da janela de contratações no Catar, o atleta soube que estava fora da relação de inscritos no torneio continental e que não disputaria mais nem o campeonato nacional.

- Estou fora da competição que eu ajudei o time a se classificar... Se eu soubesse não tinha feito os gols (risos) – brincou o atacante, hoje com 29 anos.

Durante a janela, Muriqui recebeu proposta para voltar à China e defender o Shanghai SIPG. No final, o time treinado por Sven-Goran Eriksson acabou acertando com Elkeson, ex-Guangzhou, e encerrou as negociações. Desde a última segunda, a rotina do ex-jogador de Vasco, Vitória, Avaí e Atlético-MG é treinar sem saber quando voltará a disputar uma partida oficial – nesta quarta, o Al Sadd enfrenta o Al Jazira, pela Champions, nos Emirados Árabes, e o brasileiro verá só pela televisão.

Com apenas 29 pontos na quarta posição, o Al Sadd está fora da briga pelo título do Catar (o Al Rayyan lidera com 48, faltando nove rodadas). O duelo com o Al Jazira é mata-mata e, se perder, o time catari estará eliminado da Champions. Com poucas ambições na temporada, a diretoria decidiu reduzir a folha de pagamento e escolheu pela retirada de Muriqui, sem contratar nenhum outro estrangeiro para o lugar. Ao brasileiro, resta esperar.

- Vou treinar e depois fico em casa. Eu trabalho com o time, mas treino à parte também, com um profissional que eu contratei. Treino, mas não posso mais jogar. Eles querem me negociar. A situação é chata para mim. Não posso jogar, tenho que treinar e esperar a boa vontade deles para aceitarem e me negociar. Podem bater o pé e não aceitar. Paciência. Não adianta se desesperar. Eles também estão numa situação delicada, pois têm que me pagar e não é um salário baixo.

A decisão de afastar Muriqui pegou até a maior estrela do Al Sadd de surpresa. Ao saber que o brasileiro deixaria a equipe, Xavi entrou em contato para prestar apoio:

- Ele me mandou uma mensagem desejando sucesso, falando que foi muito bom ter me conhecido, como pessoa. Você vê a humildade do cara, respeita todo mundo, não tem vaidade, treina como todo mundo. Todo mundo acha que o Xavi vem para cá para ganhar dinheiro dos caras. Mas não, ele treina mais que todo mundo, cobra muito quando a gente perde. Hoje eu vejo por que ele venceu tanto na vida, se acostumou a ganhar e não gosta de perder. Eu o vejo com um sofrimento grande, pois vivemos um momento difícil na temporada e sei ele está chateado com a situação.

Segundo Muriqui, o telefone do seu empresário tem tocado várias vezes com sondagens de clubes brasileiros, japoneses e chineses – países onde as janelas de transferência ainda estão abertas. O atacante sabe que o alto salário que conseguiu no Catar poderá dificultar sua volta ao Brasil e que o Al Sadd tentará recuperar parte do investimento que fez para tirá-lo do Guangzhou em 2014.

- Posso ficar um ano e meio treinando, mas é ruim para mim. Não adianta querer brigar com eles. Quero sair daqui pela porta da frente. Eles pagaram 8 milhões de dólares por mim. Você consegue imaginar eu saindo livre?

Filho chinês, idolatria no Guangzhou e “bicho” de US$ 250 mil

Em quatro anos no Guangzhou Evergrande, Muriqui liderou a caminhada da equipe rumo ao topo do futebol chinês e asiático. Da estreia com o título na Segunda Divisão, o brasileiro deixou o clube em 2014 com o tetra do Chinês, uma Liga dos Campeões, uma Copa da China e uma Supercopa do país. Não à toa, o ex-jogador do Galo é adorado pela torcida.

- A média era de 40 mil por jogo, independentemente do dia. Como fui o primeiro jogador que a empresa contratou, ainda na Segunda Divisão, eu participei de todo o crescimento do time. Por ter essa relação de ter subido junto com o time, eu tive uma aceitação muito grande. Tinha muito respeito da torcida, de todo mundo. Foi muito bacana. Eu nunca tive isso no Brasil. No Atlético-MG joguei seis meses, no Avaí... Lá eu fiquei quatro anos. Nos outros, eram seis, sete meses. Lá foi onde eu fiquei mais. Tive uma afinidade grande com o pessoal, por isso as coisas tomaram essa proporção – disse Muriqui.

Além dos títulos, o atacante levou da China um troféu ainda mais especial: seu filho Gabriel, hoje perto de completar três anos de idade, nasceu em Guangzhou. Muriqui chegou a ser sondado para se naturalizar e defender a seleção do país, mas a hipótese não virou realidade.

- Eu seria o primeiro atleta a ser naturalizado na China, um país comunista. Você não vê isso lá. Seria bom para mim, todo mundo ia saber quem eu era. Mas eu teria que abrir mão da cidadania brasileira, pois não aceitam dupla cidadania. Seria bacana, pois teria oportunidade de jogar numa seleção. Seria legal, mas não aconteceu – lembrou.

A passagem pelo Guangzhou também foi recompensada financeiramente. Com a empresa Evergrande bancando o clube após sua chegada, o objetivo passou a ser a conquista da Ásia. Logo em sua estreia na Liga dos Campeões do continente, o time venceu o Jeonbuk, da Coreia do Sul, e os atletas foram agraciados com US$ 250 mil de “bicho” pelo feito fora de casa. Sim, US$ 250 mil como prêmio por uma vitória apenas na primeira rodada de uma competição.

- Jogamos fora de casa e vencemos por 5 a 1. Havia um valor pela vitória e por gol marcado. Juntou tudo e deu esse valor (risos).



Fonte: GloboEsporte.com