Em 1942, Antônio Mendes, fundador do Vasco, dizia: 'O meu sentimento de vascaíno não está na razão direta das vitórias do futebol'

Terça-feira, 08/12/2015 - 16:39
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O VASCO DE ONTEM É O VASCO DE HOJE

"O meu sentimento de vascaíno não está na razão direta das vitórias do futebol" (Antonio Mendes - sócio fundador do Vasco)

Há determinadas horas em que o amigo do passado é o bálsamo ou o estimulante necessário para se compreender o porquê nos tornamos vascaínos. Este é um deles.

Revelaremos a memória vascaína de um dos pais fundadores do nosso clube em entrevista concedida ao Jornal dos Sports, publicada a 7 de outubro de 1942, quando o clube não passava por seu melhor momento. Confira:

"Vamos dar a palavra ao senhor Antonio Mendes, sócio fundador do Vasco da Gama.

Foi um dos heróis que ajudaram a construir a célebre ponte da Ilha das Moças, que representou para o esporte o mesmo feito que Paulo de Frontin, trazendo em seis dias água para a Capital da República.

Foi Antonio Mendes quem ajudou a construir a rampa da Travessa Maia, que o mar destruiu horas depois da sua conclusão. Durante quase meio século assistiu à evolução do Vasco da Gama, Conheceu o esporte como recreio e no seu sentido elevado e patriótico. Assistiu às suas mais variadas metamorfoses, desde o "Mercado das Vaidades" à Escola dos Políticos e desta última ao football profissional, para depois chegar aos nossos dias, onde as competições de mando e as lutas pela supremacia clubista empolgam mais os desportistas que o preparo físico da mocidade, única razão da existência dos grêmios atléticos.

Não vamos falar aqui do lampião de querosene, do remo de faia ou das pesadas baleeiras de nossos avoengos.

O passado traz recordações aos velhos e exemplos aos novos. Mas o "Passado" é quase sempre representado por um velho de casaca poeirenta, com longas barbas brancas, uma espécie de Papai Noel, de quem as crianças só querem brinquedos, não desejando vê-lo para não correrem assustadas...

A voz do "Passado" é sempre a voz da experiência, soturna e cáva na pronúncia, mas sincera e reta nos conceitos.

Antonio Mendes, o vascaíno do passado, vai falar sobre o esporte do presente, ou para dizer melhor, sobre o Vasco dos nossos dias, enquadrando-o na paisagem esportiva do momento.

Ei-lo falando aos leitores do JORNAL DOS SPORTS:

- O clube representa para os desportistas uma espécie de mealheiro onde depositamos diariamente uma pequena moeda. Como nunca retiramos desse pequeno cofre o que lá depositamos, quanto mais anos se passam, mais se avoluma a importância. Os que como eu, passaram pelo Vasco de ontem e vivem o de hoje, dedicando diariamente alguns momentos ao nosso clube, guardam no mealheiro da recordação as mais gratas lembranças, que nasceram na juventude e nos acompanharam através dos anos.

O VASCO DE ONTEM É O MESMO VASCO DE HOJE

Com a palavra o Sr. Antonio Mendes:

- Não há diferença entre os vascaínos de ontem e os de hoje. O que se nota é uma transformação natural de ambiente. A evolução transformou o clube e os homens. Os problemas de hoje são mais difíceis. Administrar um clube de 500 ou 600 associados é muito mais fácil que estar à frente de uma organização com mais de dez mil, um patrimônio considerável e uma série de casos a resolver. A evolução do Vasco foi excessivamente rápida. Em pouco tempo passou de pobre a milionário. Essa transformação rápida, dependia, como é natural, de uma organização. Esta só veio mais tarde. Mesmo porque, quando se constrói uma casa, os detalhes e o mobiliário ficam sempre para o fim. Hoje estamos perto da perfeição em matéria de organização. Não invejamos ninguém.

SUBIMOS PELO NOSSO ESFORÇO

Prossegue o Sr. Antonio Mendes:

- Os que acompanham a trajetória do Vasco, sócios ou não do clube, devem reconhecer o nosso esforço. Nunca fomos bafejados pela sorte, ou auxílio alheio. No football, o Vasco é o único clube que iniciou a sua carreira na última divisão e lutou durante sete anos para ascender à serie de honra. Em 1916, pertencemos à 3.ª divisão; de 1917 a 1920, jogamos na segunda divisão; de 1921 a 1922, disputamos a série B da primeira divisão; em 1923 ascendemos a divisão de honra.

O MEU SENTIMENTO DE VASCAÍNO NÃO ESTÁ NA RAZÃO DIRETA DAS VITÓRIAS DO FOOTBALL

Ainda com a palavra o senhor Antonio Mendes:

- Como vascaíno, regozijo-me com as vitórias do Vasco em qualquer setor esportivo. No entanto, as derrotas nunca me abatem, quando os nossos adversários conseguem triunfos nítidos. Nunca condicionei à minha situação de vascaíno sincero às vitórias ou às derrotas esportivas.

Os clubes passam as suas fases boas e más, principalmente no que concerne aos esportes. Um clube como o Vasco pode modificar de um instante para outro o seu panorama esportivo. Devemos confiar nos nossos dirigentes, que, mais do que nós, sofrem as consequências da atual situação do quadro de football profissional.

A diretoria do Vasco é composta de autênticos vascaínos e vem cumprindo com regularidade e zelo a grande missão que lhe confiamos.

E terminando:

- É isto o que pode dizer um velho vascaíno, que admirou a administração de Pedro Novaes e jamais regateará aplausos ao Sr. Aranha, um dirigente que procura orientar o clube dentro das normas traçadas pelos seus fundadores."

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Vascainidades:

Histórias do Charuto

"Lá pelos idos de novembro de 1898, acabara o Vasco de se mudar para sua nova sede na Ilha das Moças, junto à Praia Formosa, constituída de um amplo barracão chalet.
Para ligar a ilha à Praia Formosa houve necessidade de construir uma ponte de madeira, que foi feita pelos sócios. Quando a ponte já estava concluída, os policiais rondantes costumavam amarrar ali os cavalos no corrimão. Como o terreno era lamacento, os cavalos obstruíam a pequena passagem seca do local. Num domingo de janeiro de 1899, cheio de sol, o Antonio Mendes(*) apareceu na ilha das Moças de terno e sapatos brancos. Na hora da saída acendeu um charuto e ao chegar ao fim da ponte encontrou um cavalo amarrado. Como não podia passar sem enlamear os sapatos, desamarrou o cavalo e enfiou-lhe o charuto acesso no ouvido. O Cavalo saiu numa disparada louca. O policial que de longe assistia aquela cena, vendo a sua montada correndo e relinchando, dirigiu-se ao Antonio Mendes e perguntou-lhe:

- O que fez você ao cavalo?

- Eu, nada "seu" guarda.

- Como é que o animal saiu feito doido? retrucou o policial.

- Coitado! É um animal de sentimento!... Comuniquei-lhe o falecimento da genitora e ele saiu louco. Deve ter ido à casa do Armando Tavares de Oliveira(*) tratar do enterro..."

Zé da Praia(*)

(*)sócios fundadores do Vasco



Fonte: Memória Vascaína