O desafio é gigantesco. Vencer o Coritiba fora de casa e ainda torcer para que Avaí e Figueirense não superem Corinthians, em São Paulo, e Fluminense, em Florianópolis. Tudo isso simultaneamente, neste domingo, a partir das 17h. A tarefa do Vasco para evitar o terceiro rebaixamento desde 2008 é tão grande, que jamais foi alcançada por outro time no Campeonato Brasileiro disputado em pontos corridos desde 2004. Mas, se a equipe de São Januário conseguir fazer valer sua tradição pioneira, isto é, o primeiro a alcançar algumas conquistas, ela poderá até cumprir sua missão.
Desde 2004, quando os quatro últimos colocados da Série A passaram a ser rebaixados, apenas Goiás e Botafogo conseguiram se salvar na última rodada. Mesmo assim, sem terem necessitado de três resultados combinados, mas de apenas dois. Em 2007, o Goiás bateu o Inter no Serra Dourada e escapou graças ao empate entre Corinthians e Grêmio, em Porto Alegre. Com isso, o time paulista, atual hexacampeão nacional, foi para a Série B. Dois anos mais tarde, o Botafogo, atuando no Engenhão, derrotou o Palmeiras na última rodada. Livrou-se da queda graças ao empate entre Fluminense e Coritiba, que acabou rebaixando o time paranaense no Couto Pereira. Em 2013, na mais polêmica dessas ocasiões, a Portuguesa de Desportos havia conseguido se salvar na última rodada, ao empatar com o Grêmio, no Canindé. Entretanto, por ter escalado irregularmente o atleta Héverton, perdeu os pontos e foi parar na Segundona em 2014. O caso é apurado pelo Ministério Público de São Paulo, que busca apurar se houve suborno para a equipe lusa esclar um atleta suspenso e beneficiar a outro clube.
Em relação ao Vasco, verdade que sua torcida costuma cantar que “é o time da virada”, pela capacidade de dar a volta por cima e de, desde seu início no futebol, ganhar jogos aparentemente perdidos. Foi assim na Virada do Século, em 2000. Na final da Copa Mercosul, no Parque Antarctica, reduto palmeirense, a equipe carioca perdia por 3 a 0 no primeiro tempo. Mas reagiu, fez 4 a 3 e trouxe a taça para o Rio. Outra característica da história do clube, porém, é a de ser o primeiro a realizar alguns feitos ou a abraçar algumas causas.
Assim, por exemplo, foi o primeiro e único clube do Rio a ter tido um presidente negro, Cândido José de Araújo, em 1904, quando se dedicava ao remo e ainda não começara no futebol (só ocorreu em 1915). Mais tarde, em 1923, foi o primeiro do Rio e do país a ter sido campeão carioca da Primeira Divisão com atletas negros e oriundos das classes mais baixas, rejeitados noutros clubes, e — consequentemente — o primeiro do Rio a não ter praticado discriminação contra atletas e sócios por causa de sua raça ou classe social. No mesmo Campeonato Carioca, foi o primeiro ganhar dos clássicos com Botafogo, Flamengo, América e Fluminense. Em 2008, a Fifa destacou em seu site oficial (http://www.fifa.com/news/y=2009/m=3/news=pioneers-the-sao-januario-1040562.html) a luta do clube contra os preconceitos no artigo “The Pioneers of the São Januário” (”Os Pioneiros de São Januário”).
Após ter inaugurado em abril de 1927 o estádio de São Januário, construído sem qualquer ajuda do governo, mas apenas com a campanha de levantamento de fundos junto a sócios e torcedores, o clube foi o primeiro a ter iluminação artificial em seu campo, na época o maior da América do Sul. As luminárias foram inauguradas a 31 de março de 1928, no 1 a 0 sobre o Wanderers, do Uruguai, por 1 a 0, gol olímpico do ponta-esquerda Santana, o primeiro deste tipo de que se tem notícia no país.
Em 1931, a equipe viajou a Portugal e Espanha, cumprindo 12 compromissos, tornando-se a primeira do Rio a ter excursuionado à Europa. Antes, em 1925, apenas o Paulistano, atualmente afastado do futebol profissional, havia atuado naquele continente. Até 1933 o futebol era oficialmente amador no país, embora vários atletas já recebessem remunerações para jogar. Ao assumir o poder naquele ano, Getúlio Vargas determinou que o futebol se tornasse profissional. Já na década de 40, os vascaínos se tornaram os primeiros campeões cariocas invictos dentro do sistema profissional, em 1945. Foi a primeira conquista do grande time conhecido como Expresso da Vitória, também campeão carioca invicto em 1947 e 1949. Entre essas campanhas vitoriosas, o Expresso fez história em 1948, no Chile. Tornou-se o primeiro campeão sul-americano, também invicto, e trouxe para o país o primeiro título do futebol verde-amarelo no exterior, antes da própria seleção.
Ao Expresso também estava reservado mais um troféu pioneiro: o de primeiro campeão carioca no Maracanã, que havia sediado partidas da Copa do Mundo de 1950. No campeonato daquele ano, encerrado em 1951, bateu o América por 2 a 1 e levou a taça, além de ter assegurado na época o direito a que sua torcida se posicionasse à direita da Tribuna de Honra. Um dos destaques do Expresso e da seleção brasileira Ademir Menezes foi o primeiro artilheiro do Maracnã: com 9 gols no Mundial e 25 no Carioca. Foi dele também o primeiro gol vascaíno em partidas naquele estádio, no 3 a 2 sobre o Bangu, pelo Carioca.
A década de 50 deu novas conquistas inéditas a São Januário. Em 1957, superou por 4 a 3 o poderoso Real Madrid, ganhador dos cinco títulos europeus entre 1956 e 1960 (atualmente tem dez), para erguer o troféu do primeiro Torneio de Paris. A competição foi uma das precursoras dos mundiais de clubes. No mesmo ano, em La Coruña, Espanha, se tornou a primeira equipe brasileira campeã do Troféu Teresa Herrera. Em 1958, mais troféus inéditos. No Carioca, foi o primeiro e único supersupercampeão. No campeonato por pontos corridos, terminou empatado com Flamengo e Botafogo. Houve um turno extra, o supercampeonato, com nova igualdade. Por isso, foi necessário um segundo turno extra, o supersupercampeonato, em que os vascaínos foram vitoriosos. Além disso, ganhou o Rio-São Paulo e foi o primeiro do Rio a ser campeão carioca e do Rio-São Paulo (embrião do Campeonato Brasileiro) numa mesma temporada.
Atualmente, a Taça Guanabara é o primeiro turno do Estadual do Rio. Mas, quando de sua criação, era independente e servia para indicar o representante carioca na Taça Brasil, outro precursor do Campeonato Brasileiro. Na decisão da primeira Taça Guanabara, o Vasco bateu o Botafogo por 2 a 0. Em relação a competições nacionais, embora tenham ocorrido outras como Taça Brasil, Roberto Gomes Pedrosa e Taça de Prata, o primeiro campeonato denominado de Brasileiro foi o de 1971, ganho pelo Atlético Mineiro. Mas coube ao Vasco ser o primeiro carioca a ser campeão nacional, em 1974, com 2 a 1 no Cruzeiro, no Maracanã.
Mais recentemente, o clube quebrou uma escrita, a de que os times que chegavam ao centenário não ganhavam troféus. Em 1998, ao completar cem anos, foi campeão estadual e ergueu a Copa Libertadores da América. Foi o primeiro clube do país a assegurar um título importante em seu ano de centenário. Em 2013, quando da reabertura do novo Maracanã (após quase três anos de reformas), pronto para a Copa das Confederações daquele ano e para a Copa do Mundo, foi o primeiro vencedor de um clássico, com 1 a 0, gol de Juninho Pernambucano, autor do primeiro gol no novo estádio.
Noutras modalidades, foi o primeiro carioca vencedor do Nacional Masculino de Basquete, em 2000 (e bi em 2001), antes da criação do NBB, e o primeiro campeão da Liga Sul-Americana Feminina, em 2002. Em 1999, foi o primeiro brasileiro campeão da Liga Sul-Americana masculina (e bi em 2000). Graças a isso, jogou o McDonald´s Open (espécie de Mundial de Clubes), em Milão, Itália, onde se tornou o primeiro time brasileiro a ter enfrentado uma equipe da NBA, o San Antonio Spurs, na final do torneio. No ano de 2000, foi o primeiro e único carioca vitorioso em edição da Liga Futsal, e em 2011, ganhou o primeiro Mundialito de Clubes da Fifa de futebol de areia, em São Paulo.
Fonte: O Globo Online