Batizada de Gol Contra, uma operação do Ministério Público devassa nesta segunda-feira a rotina de trabalho na Assembleia Legislativa do RS de um deputado que fez fama no futebol pela quantidade de gols marcados: Mário Jardel (PSD).
Em dois meses de apuração, tendo o deputado e ex-jogador como principal investigado, o MP apurou indícios de crimes como concussão, peculato, falsidade documental, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Também é investigado o financiamento ao tráfico de drogas com dinheiro público desviado do parlamento.
A partir dos indícios coletados na Operação Gol Contra, o MP obteve na Justiça a ordem de afastamento de Jardel das funções parlamentares por 180 dias. A medida de suspensão do exercício da função pública foi uma alternativa a um pedido de prisão temporária, já que parlamentar só poderia ser preso por crime inafiançável, segundo o MP.
Tudo seria feito sob o comando de Jardel, 42 anos, que teve o telefone interceptado com autorização judicial. Outras oito pessoas também tiveram os telefones grampeados. Em abril, Jardel já havia se envolvido em polêmica ao demitir todo o seu gabinete e se afastar da Assembleia.
Na manhã desta segunda-feira, estão sendo cumpridas buscas no gabinete e na casa de Jardel, na casa do chefe de gabinete, Roger Antônio Foresta, e em endereços de funcionários fantasmas, que receberiam salário do parlamento sem trabalhar, além de emprestar os nomes para outros desvios.
Há indícios de que Jardel exigiria percentuais dos salários dos funcionários de seu gabinete e da bancada do PSD e fraudaria diárias de viagem e valores de indenização veicular, além de manter funcionários fantasmas no gabinete. Com o esquema, ele lucraria entre R$ 30 mil e R$ 50 mil mensais. Até o aluguel do apartamento em que vivem a mãe e um irmão do jogador seria pago com dinheiro extorquido dos funcionários.
Na investigação consta uma gravação em vídeo feita dentro do gabinete em que aparecem funcionários contando e guardando maços de dinheiro. Segundo o MP, as imagens registraram justamente o dia em que o recolhimento de dinheiro dos servidores foi feito, no mês de novembro. Um funcionário tenta entregar a sua parte diretamente ao deputado, que não pega, mandando repassar ao chefe de gabinete, Roger. Ele seria o responsável por ficar com a soma total e, supostamente, entregar a Jardel.
Além disso, foram identificados na apuração pelo menos quatro casos de funcionários fantasmas: uma empregada da família trazida de Fortaleza, terra natal de Jardel, a esposa de um homem identificado como fornecedor de drogas para Jardel (anos atrás, o então jogador assumiu publicamente o vício em cocaína, chegando a dizer que estava curado), outra mulher amiga do deputado e um advogado.
Depois de denúncia, em setembro, investigadores grampearam telefones e ambientes
A investigação começou no final de setembro, quando uma pessoa procurou o MP para denunciar irregularidades no gabinete. Como o deputado tem foro privilegiado, o caso precisava ser apurado pela Procuradoria-Geral de Justiça. O chefe do MP, Marcelo Dornelles, designou para o trabalho o promotor Flávio Duarte, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Uma vantagem desta investigação em relação ao caso recente do deputado Diógenes Basegio (PDT) — suspeito de também exigir dinheiro de funcionários e manter servidores fantasmas _ é que a apuração ocorreu em tempo real. A partir da denúncia de um funcionário, o MP obteve autorização de interceptação telefônica e ambiental e, com isso, captou negociações que visavam a ganhar diárias irregulares e uso de dinheiro público em benefício de interesses particulares do deputado e de sua família.
Além do aluguel do apartamento da mãe, por exemplo, o MP constatou que a fatura do cartão de crédito da mulher do parlamentar pode ter sido paga com dinheiro desviado da Assembleia por meio de salário de fantasmas. Para quitar o aluguel da mãe do ex-jogador, de cerca de R$ 2,4 mil, os servidores declaravam diárias falsas a fim de obter o dinheiro. Também foram monitoradas viagens em que, apesar de haver assuntos de interesse pessoal do deputado a serem tratados, foram feitas com diárias da Assembleia sob a alegação de algum evento ligado a atividade parlamentar.
— O deputado fraudou todas as verbas disponíveis para uso do gabinete — diz o promotor Duarte.
Nos pedidos feitos à Justiça, o MP fala de uma "organização criminosa" estruturada dentro da Assembleia a fim de praticar desvios. Também destaca que os crimes, apesar de não estarem no rol dos que são praticados com violência, são tão ou mais graves por permitirem que "agentes sustentados pela sociedade façam exatamente o oposto de suas obrigações". A investigação ainda não está concluída. O MP pretende verificar todas as diárias pagas ao gabinete desde o começo do mandato.
Antes de as buscas começarem no Parlamento, o chefe do MP se reuniu com o presidente da Casa, deputado Edson Brum (PMDB), para comunicar os procedimentos autorizados pela Justiça.
Além de Jardel e do chefe de gabinete, são investigadas mais 10 pessoas, entre elas, um irmão do deputado e o advogado de Jardel e também funcionário da Assembleia, Christian Vontobel Miller. O advogado é apontado pelo MP como um dos principais articuladores das fraudes com verba pública.
Miller, que também ocupa um cargo de confiança no gabinete do ex-jogador, informou que não teve acesso, até o momento, ao conteúdo da investigação e que só irá se pronunciar após tomar ciência das acusações.
Na manhã desta segunda-feira, o deputado não quis conversar com a imprensa. ZH ainda tentou contato com o chefe de gabinete, mas ainda não obteve retorno.
Fonte: Zero Hora (texto), Reprodução Internet (foto)