É decisão. Verdade que só para o Vasco, que precisa vencer o Santos neste domingo, em São Januário, para continuar respirando no Campeonato Brasileiro, em sua saga contra o rebaixamento. Mas, embora a tendência seja a de que os santistas se apresentem com um time misto ou reserva, por causa das finais da Copa do Brasil, contra o Palmeiras, os 88 anos do confronto entre esses dois clubes não permite pensar em jogo fácil. Dois times de muita história, que usam as mesmas cores preta e branca e têm ligados a si de alguma forma o personagem mais importante da história do futebol: Pelé. Tudo isso faz de qualquer Vasco x Santos ou Santos x Vasco o Jogo do Rei.
Para que se entenda esses laços é preciso voltar a junho de 1957, quando os dois times formaram o Combinado Vasco-Santos para realizar quatro amistosos, com Belenenses (Portugal), Dinamo de Zagreb (extinta Iugoslávia), Flamengo - estes três no Maracanã - e São Paulo, na capital paulista. No Rio, o combinado usou uniformes vascaínos e em São Paulo, os do Santos.
O combinado ficou invicto: 6 a 1 no time português; e três empates por 1 a 1 com os demais. Pelé, que iria fazer 17 anos em outubro e ainda não era conhecido nacionalmente, fez três no Belenenses e um em cada um dos adversários restantes. Ele próprio comentaria mais tarde que por causa daquelas atuações foi convocado para a seleção brasileira pela primeira vez para a Copa Roca contra a Argentina. Um ano depois, em junho de 1958, seria coroado Rei do Futebol na Copa do Mundo da Suécia.
A ligação de Pelé com os dois rivais deste domingo vai até sua infância, em São Lourenço, Sul de Minas, onde seu pai, seu Dondinho, era goleiro do Vasco daquela cidade. Há uma versão de que o futuro Rei, muito criança, não conseguia falar direito a palavra Bilé, apelido de um jogador daquele time, e daí teria surgido seu apelido Pelé. De qualquer forma, sempre que indagado sobre seu clube na infância, Pelé costuma dizer:
- O time do meu coração sempre foi o Vasco. Eu gostei muito do Vasco. Gosto muito do Vasco.
Foi pelo Santos, porém, que o jovem antes apelidado de Gasolina se consagrou. Ganhou dois Mundiais, duas Libertadores, cinco Taças Brasil e um Roberto Gomes Pedrosa (o Brasileiro da época), dez Paulistas e quatro Rio-São Paulo. Isso sem falar do tricampeonato mundial pela seleção brasileira.
Embora vascaíno na infância, Pelé marcou nove gols contra o time carioca, alguns deles em momentos decisivos. Em 1965, por exemplo, no 1 a 0 da conquista da Taça Brasil, no Maracanã, e em 1969, a 19 de novembro, no mesmo estádio, numa partida “comum” de campeonato, o Rei assinalou seu milésimo gol, no 2 a 1 sobre o Vasco, e dedicou o feito `as crianças. Anos mais tarde, em 1974, no quadrangular das finais do Brasileiro, no mesmo palco lotado, Pelé fez o dele, mas viu o Santos ser batido pelo Vasco de Roberto Dinamite por 2 a 1. Na sequência, o time carioca conquistaria ali seu primeiro título nacional.
O próprio local da partida deste domingo, o Estádio de São Januário tem muito a ver com o clássico. Construído pelos sócios e torcedores vascaínos sem qualquer apoio de governo, foi inaugurado a 21 de abril de 1927, num amistoso entre esses adversários. Foi na realidade o primeiro confronto entre os times. O Santos levou a melhor por 5 a 3, gols de Evangelista (2), Feitiço, Omar e Araken. Pelo time da casa, descontaram Negrito, Baiano e Paschoal.
Os santistas levaram para a Vila Belmiro um troféu, atualmente exposto no Memorial de Conquistas.
Um dos pontos em comum na trajetória desses clubes é exatamente o fato de que na maioria das vezes procuraram atuar em seus estádios: Vila Belmiro e São Januário, os dois mais antigos do país ainda em atividade. O do Santos foi inaugurado em 1916.
Ao longo da história, santistas e vascainos têm travado duelos interessantes, ao mesmo tempo em que se encontram em momentos importantes para ambos, como a inauguracão de São Januário e a formação de um combinado por meio do qual Pelé começou a aparecer para o Brasil. Tratam-se também de dois clubes com histórico no exterior, tendo se apresentado ao menos uma vez em todos os continentes do planeta. Graças a Pelé, o Santos jogou em 70 países. Já o Vasco atuou em 54.
Desde 1927 até este ano, houve 114 jogos entre os adversários. De acordo com o atualizado site acervosantosfc, levando-se em conta Brasileiros, Rio-Sao Paulo, Supercopa da Libertadores e amistosos, foram 41 triunfos vascaínos, 39 santistas e 34 empates. Em finais, o Santos venceu a Taça Brasil-1965, e o Vasco, o Rio-São Paulo de 1999.
Curiosamente, no que diz respeito `as torcidas, estas chamam suas equipes de “time da virada e time do amor”, cantando uma paródia de um samba-enredo da Beija-Flor. Mesmo que o confronto deste domingo entre o Gigante da Colina e o Santástico Show da Vila - como as torcidas exaltam seus clubes - seja decisivo mesmo apenas para o Vasco, o que se pode esperar é mais um grande duelo, digno da tradição do Jogo do Rei.
Fonte: O Globo Online