Luan estava eufórico quando a tristeza apagou de sua mente os fragmentos da vitória. Na saída do Engenhão, o zagueiro do Vasco conversava ao telefone com a mulher, Clarisse, até então grávida, e a quem tinha dedicado seu gol, o único do clássico com o Fluminense em fevereiro, no Carioca deste ano. A ela e ao bebê de dois meses. Seria o primeiro do jovem casal. Começava com aquela chamada uma grande operação para impedir que seu gol, um tão sonhado momento de orgulho, virasse um estorvo.
— Até agora eu não falava sobre isso. Seria ruim a Clarisse ver aquilo toda hora na TV. Eu não sabia, porque estava concentrado com o time e ela não quis atrapalhar, então comemorei com a bola sob a camisa, dedo na boca... Nosso assessor ligou para as emissoras, conversou, insistiu para não passarem o “replay”. Ela perdeu o bebê. Foi algo que me fez amadurecer demais, na vida e no futebol — revelou Luan.
Demorou para, enfim, tirar de letra o maior problema de sua vida. Aos 22 anos, perto do que passou, o risco de rebaixamento nem de perto é comparável. Às vésperas de nova decisão, amanhã, desta vez contra o virtual campeão Corinthians, em São Januário, Luan começa a entender que seu destino, dentro e fora de campo, é marcado pela capacidade de dar a volta por cima.
— Em 2013 eu era muito novo e joguei aquela reta final que acabou com o Vasco rebaixado. Superei. Estou aqui novamente, brigando pelo time para não sermos rebaixados. Diziam que ninguém prestava naquele time, como ninguém presta agora. Eu respeito o Corinthians, mas que eles sejam campeões lá com a torcida deles — disse o zagueiro.
Ao trocar o discurso reticente pela narração completa da tragédia com Clarisse, Luan exorciza o episódio, assim como espera fazer com os críticos ao fim do Brasileiro:
— Eu vejo e leio todos. Não havia um comentário que não desse o Vasco já como rebaixado. Debochavam, perguntando se iríamos continuar acreditando (na fuga). Isso machucou o grupo. Há sofrimento na campanha e, por isto, vamos sair, e eles terão que dizer que estavam errados se permanecermos.
EM SÃO JANUÁRIO DESDE OS 13 ANOS
Luan deixou a família em Vitória aos 13 anos para morar em São Januário. Trocou os irmãos Bruno e Lucas pela companhia de Nego e Renan, amigos que não seguiram no clube. No braço esquerdo, carrega as datas de nascimentos dos irmãos, tatuadas em conjunto com com uma imagem sacra. Há espaço para o filho que ainda não veio.
— Sempre falei para ele que tudo tem o seu tempo. Luan, apesar da pouca idade, aprendeu a lidar muito bem com essas situações desagradáveis — contou Rosemeri, mãe do jogador, criado, até a saída de casa, com uma dieta vale-tudo:
— Ele comia carne, lasanha, tutu, galinha ao molho pardo...
Preocupada com a violência do Rio de Janeiro, Rosemeri diz ter sido corajosa ao deixá-lo sair de casa tão novo. Se não dava bobeira na cidade, principalmente nos raros passeios na Quinta da Boa Vista, onde foi feita a foto para esta reportagem, em campo ele também se vira bem. Começou na frente, no ataque. Passou pelo meio e recuou até a zaga. Com a bola no pé, olha para frente e gosta de sair jogando. Faz poucas faltas e fala manso, ao contrário do explosivo Rodrigo, seu companheiro de setor. Não chega a fazer duas faltas, em média, por jogo. Ocupa a 121ª posição no ranking dos mais faltosos do Brasileiro.
— Mas não sou um zagueiro gentil (risos). É que não entro para machucar. E as pessoas no Brasil desacostumaram com zagueiro que sai jogando. Mas estamos evoluindo — afirmou.
Em constante evolução, Luan quer concluir a faculdade de administração, trancada logo no início. Vai ficar para depois. Os projetos mais urgentes são salvar o Vasco e aumentar a família:
— Já recuei muitos passos. Tenho dado voltas por cima todo tempo. Chegou a hora de ir adiante.
Fonte: O Globo Online