Paradesporto: Diretor técnico do Comitê Paralímpico Brasileiro quer mais clubes seguindo o exemplo do Vasco

Domingo, 08/11/2015 - 09:51
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Uma menina de cerca de 5 anos que não tem parte do braço direito, devido a uma doença congênita, passa com sua mãe perto da sede do Vasco, em São Januário. Coordenadora técnica do esporte paralímpico do clube, a professora Lívia Prates corre atrás da criança e pergunta à mãe se ela não gostaria que sua filha começasse na natação paralímpica. Atualmente, passada uma década, Rhayssa Santos, de 15 anos, integra a equipe paralímpica do clube e vai participar das Paralimpíadas Escolares Sub 17, no fim do mês de novembro, em Natal. Nada disso teria ocorrido não fosse o olho clínico de um importante personagem desse mundo: o técnico.

Se por vezes o futebol ainda se baseia no empirismo, isto é no senso comum e no palpite, as modalidades paralímpicas vêm tendo uma crescente base científica. Tal e qual os treinadores de esportes convencionais, os técnicos de modalidades adaptadas vêm se especializando cada vez mais. Como resultado, o Brasil foi o campeão dos Jogos Parapan-Americanos, em agosto, em Toronto, obteve bons resultados nos Mundiais Paralímpicos de Futebol de 7 e de Natação e sétimo no Mundial de Atletismo, encerrado no fim de semana anterior, no Qatar. A maior meta é ser top 5 nas Paralimpíadas do Rio, em 2016.

— O trabalho dos técnicos é de suma importância não só para nós atletas paralímpicos, como para qualquer atleta. Fico feliz com o crescimento do esporte paralímpico, e hoje já vemos treinadores começando suas carreiras no esporte adaptado — afirma o multimedalhista da natação Daniel Dias, que teve de trancar matrícula no curso de educação física para voltar depois dos Jogos Paralímpicos. — Espero continuar no paralismpismo, mas não me vejo trabalhando como técnico.

Por ser uma adaptação do esporte convencional às pessoas portadoras de deficiência — sejam congênitas ou causadas por doenças graves e acidentes — o esporte paralímpico inicialmente era difundido por técnicos que haviam trabalhado antes nas modalidades convencionais, isto é, para quem não tem deficiência.

— O atletismo em si é o mesmo. Só que o treinador tem de ter conhecimento especializado nas características da deficiência e saber como pode potencializar aquele corpo. Ele tem de ter um conhecimento extra — afirma, por telefone, de Doha, no Qatar, o protfessor Ciro Winckler, coordenador de atletismo do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB).

Para capacitar treinadores que já trabalhavam no esporte convencional ou professores de educação física, o CPB instituiu em 2010 a Academia Paralimpica Brasileira (APB). Diretor técnico do CPB, Edilson Alves da Rocha, o Tubiba, contou ter começado no esporte como árbitro de basquete (convencional), mas depois passou a trabalhar no basquete de cadeira de rodas, nos anos 90.

— A academia recebe treiandores e professores de educação física e ensina tudo sobre o esporte paralímpico. No Nível 1, trata-se das deficiências, o que é cada uma, e também de classificação funcional (para que haja justiça, os atletas são classificados de acordo com a maior ou menor gravidade de suas deficiências). No Nível 2, tratamos de treinamento esportivo, e no Nível 3, o tema é alto rendimento, com testes, nutrição, todo o detalhamento para quem trabalha com atletas de seleção — disse Tubiba, também por telefone, do Qatar.

Ainda segundo o diretor técnico, os seminários 1 e 2 são aplicados em todas as regiões do país e o de nível 3 em locais específicos. A APB promove também congessos bienais visando à especialização. Além disso, estão de pé as parcerias com estados e prefeituras, visando à capacitação de professores das escolas locais.

— As Paralimpíadas Escolares são uma grande chance de identificar talentos. Foi nelas que descobrimos Alan Fonteles (atletismo) e Talisson Glock (da natação). São 1,2 mil crianças e jovens, no maior evento do gênero no mundo, e já há três anos a Inglaterra vem como convidada — acrescentou Tubiba.

À medida que o país vem obtendo bons resultados em competições internacionais e atletas paalímpicos vêm se tornando internacionalmente conhecidos, a preparação especializada é mais e mais obrigatória. Winckler, por exemplo, começou no movimento paralímpico, assim que se formou na universidade, graças à influência de um de seus professores.

— Os professores (de educação física) já estão vendo (no paralímpico) uma possibilidade de mercado, de inserção no mercado de trabalho, e a Rio-2016 vai potencializar muito mais isso. O Brasil tem mais de 40 milhões (segundo o censo do IBGE de 2010 são 45,6 milhões) de pessoas com deficiência. Esse é um amplo mercado — observa.

Ex-técnico da natação olímpica do Corinthians, Leonardo Tomasello trocou há dois anos esse cargo no Parque São Jorge pela função de coordenador técnico da natação paralímpica do CPB. O comitê tem um centro de excelência para a natação em São Caetano, onde ele trabalha.

— Este é um campo que tem um potencial maior para crescer, porque ainda há poucas equipes paralímpicas em comparação às olímpicas. Talvez professores de educação física ainda não tenham aentado para isso, mas é possível crescer profisisonalmente no paralímpico tanto ou mais que no olímpico — ressalta Tomasello. — No caso da natação paralímpica, as peculiaridades das deficiencias interferem no treinamento, e cabe ao técnico se adaptar. Por exemplo, atletas amputados desenvolvem sua própria técnica para se deslocar na água. Cabe a mim como treinador, ajudá-lo.

Além da rotina de treinos, Tomasello procura manter seu grupo de atletas unido também nos momentos de folga:

— Nos momentos livres, vamos ao boliche, por exemplo, e ao Ibirapuera. No boliche, alguns atletas cadeirantes fazem seus arremessos, o que não é comum num boliche, e uma atleta que é deficiente visual costuma andar de bike no Ibirapuera, comigo guiando. Isso descontrai e relaxa o grupo.

Se um atleta convencional por vezes não quer treinar ou se desanima diante de um mau resultado, como se comporta alguém que além das adversidades próprias do esporte, ainda tem de lidar com a deficiência? Para os treinadores, esses atletas dão aulas de motivação.

— O atleta com deficiência tem uma capacidade muito maior de adaptação. Já sofreu a vida toda, com um país sem acessibilidade e por vezes, não tem parte do corpo. Enfrentar um adversário é bem menos que lidar com as dificuldades da vida e do dia-a-dia — ensina Winckler.

Coordenadora do paralimpismo do Vasco, Lívia Pares concorda. No clube, além do futebol de 7, para paralisados cerebrais (bicampeão brasileiro) e da natação, há uma equipe de vôlei paralímpico, na qual nove dos 12 atletas ou foram vítimas de acidente ou de tiros.

— Acabou aquela coisa de trabalhar com eles como se fossem coitados. Algo que dá muito certo é fazer com que os atletas paralímpicos treinem junto com os dos esportes convencionais. Quando alguém vira atleta, chega à equipe com a cabeça de atleta — destaca a profissional, que havia trabalhado como técnica de natação convencional de 1999 a 2010 e treinadora das versões paralímpica e convencional entre 2004 e 2010, quando passou a se dedicar exclusivamente ao paralimpico.

Ao contrário das maiores potências olímpicas mundiais, o país ainda não dispõe de um CT nacional. No paralimpismo, porém, a situação é diferente. Está em fase final a obra do CT nacional paralímpico, próximo à Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo, com 15 modalidades (15 modalidades paralímpicas: atletismo, basquete em cadeira de rodas, bocha, natação, esgrima em cadeira de rodas, futebol de 5, futebol de 7, goalball, halterofilismo, judô, rúgbi em cadeira de rodas, tênis de mesa, tênis em cadeira de rodas, triatlo e vôlei paralímpico) e alojamentos capazes de receber até 300 pessoas. A ideia é que o local comece a ser utilizado no começo do ano que vem, servindo à fase final da preparação para as Paralimpíadas de setembro.

— Lá teremos uma piscina rápida, como as melhores do mundo, e uma pista de atletismo igual às de Londres-2012 e da Rio-2016. Algumas modalidades,como remo, canoagem, vela, hipismo, tiro esportivo, tiro com arco e triatlo, não terão treinos lá, mas as partes física e médica vão funcionar no CT — diz Tubiba. — Vamos viabilizar o CT já pesnando em Tóquio-2020, e ele irá formar futuros campeões.

O diretor técnico do CPB espera que mais clubes se unam ao movimento:

— Realmente, ainda não temos tantos clubes de camisa e de futebol. O Vasco tem um trabalho, o Pinheiros, também. Agora, com a mudança da Lei Agnelo/Piva (pela qual um percentual da verba repassada aos clubes tem de ir para o esporte paralímico),, Corinthians, São Paulo, Paulistano e Paineiras do Morumby vêm demonstando interesse.



Fonte: O Globo Online