É difícil saber exatamente quantas camisas de clubes dona Silvana, mãe de Thiago Ryan, de 24 anos, guarda na casa da família, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A coleção resume a carreira de uma das jovens promessas criadas em Xerém, pelo tricolor das Laranjeiras: apesar da pouca idade, já são nove times no currículo, ainda sem concretizar o sonho de vingar no futebol. O caso exemplifica uma dura realidade de quem chega à beira do sucesso dentro das quatro linhas: um levantamento feito pelo GLOBO mostra que os 44 titulares do último jogo dos quatro grandes do Campeonato Carioca de Juniores de 2010 já somam pelo menos 166 times na vida profissional. Só sete estão em clubes de ponta, a maioria pouco aproveitada.
— Não vou desistir. Minha expectativa é fechar em breve com algum clube europeu de novo — garante o lateral Ryan, que chegou a defender a seleção brasileira na base.
O funil até o profissional fez com que o jovem trilhasse caminhos comuns aos de muitos colegas. Jogou apenas uma partida como titular do Fluminense — um 0 a 0 com o Olaria no Engenhão, lembra-se bem — e começou a ser emprestado para equipes de menor expressão. Já foram três passagens pela Europa: HNK Rijeka, da Croácia; Rosemborg, da Noruega; e Videoton, da Hungria. Apenas nesse último time, Ryan conseguiu efetivamente jogar. A lembrança mais traumática é do período de cerca de um mês que passou na Croácia:
— Fui com meu empresário à época. Quando chegamos lá, tivemos uma reunião com o presidente do clube. Eles estavam conversando em inglês e eu não entendia nada, mas fui concordando. No dia seguinte, meu empresário foi embora e me deixou lá. Só tinha o café da manhã para comer. E precisava aguentar o resto do dia. As coisas só melhoraram quando consegui entrar em contato por e-mail com a direção do Fluminense e eles me ajudaram.
No fim do ano passado, terminou seu vínculo com o tricolor. A última camisa que vestiu foi a do Bonsucesso, no Carioca deste ano. Enquanto não consegue um novo clube, Ryan ajuda a mãe e a tia numa confecção de roupas voltada para o público jovem.
ERROS ASSUMIDOS
Outro exemplo de quem quase chegou lá e agora luta para se manter no futebol é o do meia Lorran, de 22 anos, também com passagens por seleção brasileira de base. No seu período de profissional no Flamengo, chegou a ser apelidado de “queridinho do Luxemburgo”. Hoje, soma cinco clubes de menor expressão no currículo: Audax Osasco, Madureira, Grêmio Anápolis, Passos Ferreira (POR) e Tupi-MG. O jovem está no elenco do time mineiro, que subiu para a Série B este ano, mas foi pouco aproveitado.
— Tive uma história bonita no Flamengo, desde o infantil, em 2007. Fui campeão da Copa São Paulo em 2011... Sei que eu cometi o principal erro, que foi meu comportamento extracampo. Fiquei deslumbrado, tinha carro, apartamento na Barra da Tijuca.... Agora, é recomeçar tudo do zero. Mas sei que vou conseguir. Olha o exemplo do Kayke, que voltou para o Flamengo — afirma Lorran.
Dos titulares no último jogo daquele Carioca de Juniores de 2010, o Botafogo é o que tem mais jogadores hoje no clube, mas nenhum deles com grande destaque. São três: o lateral Guilherme e os volantes Lucas Zen e Fabiano. Mas naquela equipe, também estavam futuros nômades como o meia Natan Salles, de 24 anos. Ele passou por seis times, o último foi o Mixto-MT, mas agora já começa a pensar num plano B para a vida e não descarta começar uma faculdade de fisioterapia.
— Quando você sobe para o profissional, o clube começa a te emprestar e não quer saber se é bom ou ruim. Querem se livrar de você. Cheguei a voltar no dia seguinte, quando me mandaram uma vez para um time que estava subindo da terceira para a segunda divisão do Rio Grande do Sul e só soube quando cheguei lá, por um repórter local. Tenho esperança de continuar, mas sei que é difícil.
GOLEIRO VIRA DONO DE BAR
Da lista analisada pelo GLOBO, o mais bem sucedido possivelmente é o volante Allan, formado no Vasco, hoje no Napoli. Daquela equipe, porém, vem o caso mais radical, de quem simplesmente resolveu abandonar a carreira: o do goleiro Cestaro, considerado por muitos o futuro Carlos Germano. Num momento político conturbado, ele perdeu espaço para Alessandro, vindo do Grêmio, depois de passar 30 rodadas no banco de Fernando Prass. Largou tudo, e comprou uma barraca de cachorro-quente. Hoje, é dono de um bar em Piedade, subúrbio do Rio.
— Procuro nem ver os jogos mais. Olho o nível dos goleiros e penso que era eu que tinha que estar lá. Fico revoltado com as falhas que cometem hoje — diz ele.
Fonte: O Globo Online