O basquete está no sangue de Demétrius Ferracciú. Filho do ex-jogador Edson Ferracciú, seu grande incentivador, trilhou desde cedo o caminho entre as linhas de quadra da modalidade. O agora técnico do Paschoalotto/Bauru inicia nessa segunda-feira (2) o que define como maior o desafio de sua carreira de treinador.
Com 34 anos de basquete, entre atleta e técnico, sua jornada na modalidade foi iniciada aos oito anos, na Luso Bauru, onde deu os primeiros passos em quadra e aprendeu os fundamentos que o levariam a ser titular de algumas das principais equipes do País e a integrar a seleção brasileira, entre equipes de base e adulto por mais de duas décadas. Demétrius tem uma galeria de troféus e medalhas de campeonatos nacionais e internacionais por clubes e seleção.
Encerrou a carreira de jogador em 2006 e, desde 2011, está nas comissões técnicas da seleção brasileira. Demétrius, que trocou o Minas pelo Paschoalotto e “voltou para casa”, inicia amanhã a missão de levar o time bauruense ao único título que faltou na temporada passada, o NBB, obsessão da diretoria do Bauru. Confira a entrevista:.
Jornal da Cidade – Você é paulistano. Como veio morar aqui na região de Bauru e iniciou na base da Luso?
Demétrius – Minha família morava em São Paulo. Meu pai recebeu uma proposta para trabalhar em uma empresa em Lençóis Paulista. Eu vim com sete, oito anos para Lençóis. Meu pai foi jogador de basquete, inclusive jogou em Franca e na seleção brasileira, e eu sempre o acompanhava nos jogos e treinos. Em Lençóis não tinha escolinha e o lugar mais perto era a Luso de Bauru. Meu pai era amigo do Caetano (dos Santos Neto, ex-técnico da Luso) e fui fazer um teste. Tinha oito anos, passei e comecei a fazer parte da equipe de Bauru para disputar campeonato do Interior e fiquei até os 14 anos. Viajava todo dia de Lençóis para cá. Naquela época (a rodovia Marechal Rondon) ainda não tinha pista dupla e levava um bom tempo para vir. Foram seis anos nos quais diariamente eu estava em Bauru para treinar.
JC – Quem foram os seus professores na Luso? E o que destaca dos ensinamentos no seu processo de querer ser jogador de basquete?
Demétrius – Além do Caetano, o Nélson Médici (Pescoço) e o Cássio Cerimelli. Só tenho a agradecer a maneira como eles nos colocaram os fundamentos, o ensinamento da importância da disciplina no dia a dia. Tudo isso vai dando uma formação importante para levar para o resto da vida. Hoje, a gente briga para qualificar técnicos para a base. Se você começar bem, teoricamente, a chance de se tornar um jogador de qualidade é muito grande. A maneira como eles ensinavam os fundamentos do basquete fazia com que tivéssemos facilidade. Na época, éramos referência em relação ao Campeonato do Interior. Tanto é que em todo campeonato sempre chegávamos às finais. E eram campeonatos equilibrados.
JC – Que lembranças marcantes você traz deste início?
Demétrius – Tenho amizade até hoje em relação àquela época com gente que jogou comigo. Fomos cultivando e foi ficando um amizade muito sincera. A gente sempre se falou e sempre quando eu vinha para cá, se encontrava. Acaba enraizando. Tenho recordações muito boas. A gente viveu momentos dentro da quadra, onde ganhamos e perdemos títulos. Choramos na alegria e na tristeza e isso fortalece a amizade, que levamos até hoje.
JC – Você permaneceu até os 14 anos em Bauru. Depois da Luso, foi jogar onde?
Demétrius – Fui para o Corinthians, em São Paulo. Fiquei longe da família e foi muito difícil. Morávamos em uma república com nove jogadores e era bem diferente do dia a dia que eu tinha. Meu pai falou: “se você repetir de ano na escola, vai voltar para casa”. Como eu gostava muito de basquete, me dediquei o máximo possível para não voltar e continuar jogando. Foram três anos de muito aprendizado. Eu tinha que ter uma responsabilidade de morar sozinho, uma independência onde tem que ter uma responsabilidade muito grande e saber o caminho certo para tomar sua decisões. Foi um momento de crescimento muito grande. Com 16 anos, já fiz parte da seleção brasileira no Campeonato Sul-Americano, na época infanto-juvenil, referente hoje ao sub-16. E, depois, recebi um convite para ir para Franca, que era a nata do basquete e todo mundo tinha o desejo de ir pelo treinamento e pela referência que era.
JC – E foi o “divisor de águas” em sua carreira?
Demétrius – Em Franca, ou você vira jogador ou não serve. Eu achei que era um momento de decisão na minha carreira. Ou eu virava jogador naquele momento, em nível de seleção brasileira e de jogos internacionais, ou não seria este jogador que eu imaginava. Vai afunilando a carreira, aos 17, 18 anos, mas, ao mesmo tempo, eu me sentia muito confiante. Passei por um momento muito difícil de, às vezes, não participar dos jogos do adulto, mas acreditava muito no meu objetivo, no meu sonho e comecei a ter espaço maior. O mais importante é estar preparado quando se tem a oportunidade. Se for assim, as chances de dar certo são muito grandes. Eu estava pronto e aproveitei.
JC – Nesta transição entre base e adulto, qual foi o primeiro jogo que você disputou entre os profissionais?
Demétrius – Foi em Franca, em um Campeonato Sul-Americano. O meu começo de adulto foi tudo na “fogueira”. Cheguei em Franca e disputei um Sul-Americano, competição internacional. Participei de todos os jogos logo de cara. Na minha primeira participação em seleção brasileira adulta fomos campeões sul-americanos. Eu como armador titular, uma posição que eu nunca tinha jogado. Eles estavam tentando fazer com que eu jogasse de armador.
JC – Mas você jogava de ala/armador?
Demétrius – Sim e eles estavam querendo que eu jogasse de armador, porque não tinha armador no Brasil. Quer dizer, joguei um Sul-Americano dentro de casa, uma pressão gigante. Lembro até que os jogadores da Venezuela passavam e davam cotovelada. Eu ia cobrar lance livre e os adversários chutavam meu pé. Aquela coisa de Libertadores mesmo (risos). Era uma pressão muito grande e eu menino, 18, 19 anos... Mas, ao mesmo tempo, isso dá uma bagagem muito grande. As coisas foram meio de surpresa para mim o tempo inteiro e sempre consegui aproveitar as oportunidades. Voltei para Franca praticamente como armador.
JC – Quer dizer que a passagem de ala/armador para armador foi na seleção?
Demétrius – Foi. Voltei para o clube e tinha o Raul (Togni) que era o armador principal na época. Joguei com o Dexter (Shouse, norte-americano ex-armador de Franca nos anos 90) e ele foi embora, o time entrou em reformulação e o titular era o Raul. E o Raul era muito bom jogador. Falei para o Hélio (Rubens, técnico do Franca, na ocasião): “não quero saber se vou jogar cinco ou 30 minutos, quero ser armador”. Ele pensou... e falou que era difícil. Eu falei que queria ser armador, minha chance na seleção era como armador e não como lateral, até pela minha estatura (1,92m). E aí fui treinando, ganhando espaço e acabei efetivado de armador.
JC – E ficou quantos anos em Franca?
Demétrius – De 1990 a 1998. Foram nove anos e fui para o Vasco.
JC – Foi uma experiência maravilhosa...
Demétrius – Ganhamos praticamente tudo. Jogamos no Mundial contra o San Antonio Spurs. E era um campeonato diferente, chamava-se McDonald’s Championship. Um campeonato onde você jogava contra o campeão da Oceania, contra o campeão europeu e contra o campeão da NBA. Por fases. Ganhamos do campeão da Oceania, ganhamos do campeão europeu, que hoje era como se fosse o Real Madrid (atual campeão europeu), e fomos para a final contra o Spurs. Ninguém acreditava, um time do Brasil fazer a final. Fizemos a final com o Spurs em 1999.
JC – Você estava no Vasco no célebre episódio do patrocínio do SBT no uniforme (o presidente do clube, Eurico Miranda, por divergências com a Rede Globo, que detinha os direitos de transmissão dos campeonatos esportivos, determinou que todos os times do Vasco jogassem com patrocínio do SBT)?
Demétrius – Sim. A gente estava no vestiário, já de uniforme, prontos para entrar em quadra, e chegou o Eurico com uma caixa de uniformes. Falou: “pode tirar e põe este uniforme aqui”. Quando colocamos, tinha o símbolo do SBT. Era final de Campeonato Nacional e iria passar no Sportv (risos).
JC – E o restante da carreira de jogador?
Demétrius – Saí do Vasco e fui para o Fluminense. Depois fui para Belo Horizonte, no Minas, e fiquei um ano e meio. Voltei para Franca, fui para Mogi (das Cruzes) e encerrei a carreira em Rio Claro, inclusive o Guerrinha era técnico lá. Tive hérnia de disco e precisei operar. Já estava com 34 anos e realizado na carreira como atleta. Até por questões de saúde resolvi encerrar. E foi quando recebi convite do Cássio (Roque, diretor do Limeira e presidente da LNB) para virar técnico. Foi o cara que me abriu as portas.
Os bons companheiros
Entre os amigos que jogaram com Demétrius nas categorias de base da Luso, estão dois com os quais o técnico do Paschoalotto vai se reencontrar e voltar a trabalhar na mesma equipe: Vítor Jacob, gestor do Bauru Basket, e Hudson Previdello, auxiliar técnico.
Jacob lembra com carinho a época em que todos iniciaram no basquete e a brincadeira recorrente é que o amigo Demétrius era seu reserva naquele time. Entre risos, o gestor trata de resgatar a verdade. “Ele era lateral e eu armador. Jogávamos nós dois, tinha espaço para todo mundo no time. Ele só foi se tornar amador no profissional”, diverte-se. Jacob afirma que Demétrius já se mostrava promissor nos primeiros anos de basquete.
“O Demétrius é um ano mais novo do que a gente, ele é de 1973 e nós de 1972. Ele jogava na categoria de cima e já se destacava. Tinha uma jogadinha manjada, que ele usava muito e sempre dava certo. O Hudson era o destaque principal, mas o time todo era muito bom tecnicamente. Tanto que ganhamos três anos seguidamente o campeonato do Interior”, lembra Jacob, referindo-se aos títulos de 1985, 86 e 87, nas categorias mirim e infantil.
Fonte: Jornal da Cidade (texto), Reprodução Internet (foto)