Pedrinho relembra embaixadinha e gesto de 'silêncio' em goleada contra o Urubu

Os vascaínos se lembrarão das embaixadinhas de Pedrinho na goleada do Vasco sobre o Flamengo por 5 a 1 na final da Taça Guanabara de 2000, certo? E o que dizer sobre o gesto de silêncio que o meia fez na mesma partida para a torcida rubro-negra? Sem dúvidas o torcedor sente falta desta época que não volta mais.

Criado e revelado em São Januário, o ex-jogador subiu para os profissionais com 18 anos e logo se destacou pela sua habilidade e carisma. Porém, apesar das graves lesões que perseguiram o meia durante toda a sua carreira, não o impediram de conquistar títulos importantes com a camisa do seu time de coração.

Pedrinho, que esteve presente na conquista da Copa Libertadores de 1998, mas também presenciou o primeiro rebaixamento do clube para a Série B do Campeonato Brasileiro, conversou com a Goal na véspera do Clássico dos Milhões, e relembrou momentos marcantes de sua carreira. Inclusive o 'chocolate' inesquecível aplicado sobre o rival em pleno domingo de Páscoa em 2000.

Você fez parte de uma geração muito vitoriosa no Vasco. Qual título foi mais especial?

O título que mais me marcou foi a Copa Libertadores apesar de não ter sido o meu primeiro título. O primeiro foi o Campeonato Brasileiro [de 1997] e depois o Estadual. Mas como eu era muito jovem e pela importância da Libertadores, então considero esse título.

Você sofreu com lesões que além de interromper um ótimo momento no Vasco, o tiraram inclusive do Mundial de Clubes e da convocação da Seleção Brasileira. Você ainda pensa no que poderia ter sido caso o Jean [jogador do Cruzeiro] não tivesse entrado tão forte na jogada?

A lesão realmente mudou a trajetória da minha carreira. Na época o Milan estava interessado, eu também tinha acabado de ser convocado para a Seleção Brasileira, e dois dias depois da convocação eu me machuquei. Pelos problemas que eu comecei a ter devido a essa lesão, com desequilíbrio muscular, e pelas cirurgias que eu tive que fazer no joelho, eu acho que mudou bastante.

A sensação que eu tenho é que eu poderia ter ido muito mais longe, mas não posso reclamar não. Só tenho que agradecer porque eu ainda consegui voltar para a Seleção e continuei dando sequência na minha carreira.

Vasco x Flamengo, decisão da Taça Guanabara de 2000. Vocês golearam por 5 a 1, com direito a embaixadinha e gesto de silêncio para os rubros-negros. Faria de novo tudo aquilo?

Naquele momento eu fiz porque achei que tinha que fazer. Em nenhum momento eu pensei em menosprezar alguém. Eu dominei a bola, ela subiu, e eu achei que tinha que fazer. A questão do silêncio depois do gol foi porque no ano anterior eu estava machucado, e fui assistir ao jogo. Eu estava sofrendo muito porque eu não sabia se ia voltar a jogar e os torcedores do Flamengo me viram, xingaram, falaram que eu não ia voltar a jogar nunca mais, cantaram algumas músicas.. e aquilo ficou marcado. Então foi natural, do ser-humano. Quando você é atingido, você quer reagir. Eu reagi, e hoje tem até um bandeirão com esse gesto de silêncio. Isso também fez com que eu tivesse uma identificação muito maior com o clube e é muito legal isso. Ser reconhecido e receber esse carinho é muito emocionante.

O clássico com o Flamengo é mesmo o mais gostoso de disputar? O clima realmente muda na semana?

O clima é diferente tanto para o Vasco quanto para o Flamengo. Sabemos da rivalidade independente da situação dos clubes. Os torcedores se provocam bastante também. É uma semana agitada, porém muito boa, e que eu sinto muita saudade de ter esse sentimento de novo.

O torcedor do Vasco se via representado quando você estava em campo. E uma das cenas mais marcantes de quando o clube caiu para a Série B em 2008, foi quando você chorou copiosamente no banco de reservas. O que passava na sua cabeça naquele momento?

Para mim foi um dos piores momentos da minha carreira juntamente com a lesão, porque eu fiquei pensando tudo que eu vivi dentro do clube. Eu também estava bem próximo dos torcedores e via muita gente chorando. Eu cheguei em São Januário com seis anos de idade, então foi uma dor muito grande ver o seu clube do coração passando por um momento difícil. Mas eu sempre digo que é como casamento: momentos bons e ruins. E eu estive presente em todos eles. Quando o Vasco foi vitorioso e também no momento da dificuldade. Eu acho que isso fez com que eu tivesse um elo muito maior de amor e carinho com o torcedor.

E como você está acompanhando esse momento do Vasco? Ainda acredita que pode escapar do rebaixamento?

O momento é difícil, mas com a chegada do Jorginho e as vitórias acontecendo, a gente percebe uma reação. Os jogadores também estão se entregando em todos os jogos. Isso ninguém pode falar deles. A missão é muito difícil, mas não é impossível. A gente já presenciou algumas coisas surpreendentes no futebol. Eu acredito sim, acredito que mesmo com tanta dificuldade, o Vasco vai conseguir sair dessa situação.

No domingo o Vasco encara o Flamengo. Qual a sua aposta?

Eu acredito na vitória do Vasco, apesar do resultado ruim na Copa do Brasil. Eu acredito que o Vasco sabe realmente que o seu principal objetivo é o Campeonato Brasileiro. Então, eu acredito que o momento do Vasco no campeonato é diferente e pode conseguir uma vitória para continuar vivo e escapar da Série B.

Você acredita que o clube está pagando pelos erros que cometeu no passado? Muitos clubes grandes já caíram e conseguiram se reestruturar, mas o Vasco parece que ainda não aprendeu a fórmula.

Que possa servir de lição para o clube se reestruturar. A torcida é muito grande, a gente precisa entender que o futebol hoje não é só o talento dos atletas dentro de campo. Hoje você precisa de toda uma estrutura por trás. Não só os salários em dia, mas um centro de treinamento, uma filosofia de trabalho, conceito de jogo. Identificar qual é a característica do clube, fazer o trabalho desde a base. É um trabalho a longo prazo, mas que precisa ter esse conhecimento e a credibilidade para pedir tempo ao torcedor e para a imprensa.

Veja outros pontos da entrevista:

Amor ao Vasco

Eu tenho um amor pelo clube porque eu passei a minha infância ali, tenho uma identificação enorme. Eu consigo diferenciar as pessoas que trabalham no clube, que estão fazendo uma gestão, da instituição. Muitas vezes falam: "ah, mas o clube errou com você..". Não, o clube nunca errou comigo. Algumas pessoas que estavam fazendo a gestão naquele momento, erraram comigo. A instituição nunca errou, o carinho que a torcida tem por mim é impressionante. E eu também tenho muito por ela. Então, é uma história construída.

Retorno ao Vasco em 2008 e problemas com o técnico Renato Gaúcho

Eu nunca tive problema com o Renato Gaúcho. Eu tinha acabado de chegar dos Emirados Árabes, e na realidade muitas coisas aconteceram antes de eu fechar o contrato. Eu me aborreci muito com algumas pessoas de dentro de São Januário porque eu estava fazendo de tudo para voltar, tinha até uma outra proposta, mas recusei porque eu queria voltar. Mas tinha muita gente ali que não queria. Eu joguei praticamente de graça por causa de algumas pessoas.

Depois que eu assinei o contrato, foi uma escolha do Renato que me entristeceu bastante, mas eu tinha que respeitar como treinador. Lembro que teve um momento que o Vasco estava perdendo de 4 a 0 para o Atlético-MG no Mineirão, e eu entrei faltando um minuto para acabar o jogo.... Mas eu sempre respeitei as decisões do treinador mesmo não concordando com algumas delas.

Passagem pelo Palmeiras e carinho da torcida

Eu tenho um carinho enorme pelo Palmeiras. Foram quase cinco anos e a sensação que eu tenho é que eu também poderia ter jogado muito mais. Não futebol em si, e sim mais partidas. Porque todas as vezes que eu joguei, eu fui muito bem. Tanto que, logo no começo, me chamaram de Reizinho. Mas eu sofri com muitos problemas e lesões. E eu achava que a culpa era minha. Em 2007 eu vi que eu não fazia um trabalho adequado de prevenção. Mas o carinho que eu tenho pelos palmeirenses é muito grande e a torcida do Palmeiras é amiga do Vasco e isso ajuda bastante. São dois clubes parecidos, de colônias. Fui muito bem tratado e recebido e eu tenho sim um carinho enorme pelo Palmeiras.

Não quis receber salário no Palmeiras

A questão de ter pedido para não receber era particular. Quem soltou na mídia foi a assessoria de imprensa do Palmeiras.Eu não fiz isso para aparecer. Fiz porque me senti incomodado porque tinha um jornal esportivo que publicava o meu salário e o que as pessoas poderiam fazer com tanto dinheiro, enquanto eu ficava no departamento médico. Como se eu quisesse ficar ali, né? Isso foi me incomodando porque eu realmente tinha um problema. Foi quando cheguei no Mustafá [até então presidente do clube] e pedi para não receber até eu entrar em campo novamente. Mas prontamente ele falou que conhecia o meu caráter, que eu não tinha que me preocupar com isso e que ele ia continua me pagando. Ele pediu para eu me preocupar apenas com a minha recuperação. Foi uma demonstração de carinho também, mas me incomodava bastante, porque as pessoas falam muito.

Balanço da carreira

Minha carreira foi muito boa. Graças a Deus eu consegui realizar praticamente todos os meus sonhos. Fica sempre aquela sensação de que poderia ter ido mais longe, mas não tenho do que reclamar. Acredito que disputaria uma Copa do Mundo, que jogaria fora do Brasil. Mas não posso reclamar. Apesar de todos os problemas as coisas aconteceram de uma forma positiva.

Falta de identificação do jogador com o clube

Cada vez fica mais difícil até pelo momento, né? O futebol mudou muito. Eu cheguei no Vasco com seis anos de idade, meu pai trabalhou como motorista em São Januário. Agora, hoje em dia é muito difícil, porque o menino ainda está construindo um elo com o clube e o torcedor, e aí ele já recebe uma proposta milionária para ir embora. Isso é muito complicado. Mas ainda tem pessoas que não eram da base, mas que conseguem ter essa identificação. Acho que falta isso também, mas eu acho que a culpa também é da exposição da mídia, a crítica chega muito mais forte e mais rápido aos atletas. Na minha época foi mais tranquilo porque eu cheguei da base, sempre fui vascaíno, então esse amor verdadeiro é muito interessante. Você consegue jogar com a noção do que o torcedor está sentindo naquele momento.

Escândalo CBF e FIFA

Essa situação da CBF e da Fifa é muito ruim. A gente queria que tantas coisas acontecessem, não só para o nosso povo, mas também para os clubes. A CBF poderia ter uma participação maior nos clubes, não só ajudando os grandes, mas também os de menor porte para poder ter uma competição um pouco mais forte, com times mais competitivos. O investimento poderia ser feito com mais força, padronizar algumas coisas dentro do futebol. Muito dinheiro que o futebol arrecada e que poderia ser revertido em coisa boa. Infelizmente isso não acontece, mas as vezes alguma coisa ruim acontece para no futuro ganhar outro rumo. É nisso que a gente espera.

O que precisa mudar no futebol brasileiro?

Eu acho que essa questão de reformulação passa mais pelo calendário, porque além de ter uma sequência muito grande de jogos, o Brasil é um país muito grande. Falam que na Europa eles também jogam quarta e domingo. Sim, mas lá é tudo muito próximo. Aqui você joga no Sul, depois no Nordeste. A distância é enorme e o cansaço bate. A questão do calendário, e você ter algum regulamento para dar uma segurança maior para os treinadores são os pontos principais. A profissionalização dos árbitros eu acho muito interessante também, assim como outros pontos que podem ser discutidos.

Pensa em virar treinador?

Fiz o curso de treinador, mas para conhecimento amplo até para a área de comunicação, como comentarista. O aprendizado é sempre importante. Meu plano é ter um conceito, uma filosofia de trabalho, que o clube abrace essa ideia, que a gente treine de acordo com a forma que a gente vai jogar. É ter um planejamento e conceito de jogo, implementar desde a base.

Pedrinho

Fonte: Goal.com