De chinelo de dedo, camisa polo e bermuda, um homem de 38 anos, na beira da piscina, discute contratos e negociações. Depois de fazer aula de vôlei em frente ao condomínio na praia - onde também têm casa Romário e Minotauro - e dar uma saída rápida para malhar, é mais ou menos assim que começa o dia do empresário Regis Marques. Entre selfies, fotos do cachorro Thor e outras de mulheres por aí, o agente de 200 jogadores de futebol no mercado sul-americano leva a vida que mal imaginava quando foi tentar agarrar a chance no gol do Cerro Porteño no Paraguai.
Não imaginava que a ponte que raramente fazia com as luvas nos campos começaria com o titular do tradicional time paraguaio. Protagonista de um entrevero público com o técnico Celso Roth, quando estava no Vasco, Regis virou empresário da noite para o dia - ou sem querer, como define. O ex-goleiro "Gato" Fernandez, que defendeu o Palmeiras e o Internacional por aqui e era o titular absoluto nos tempos de Cerro, ligou para o amigo em São Paulo e lhe pediu para que o ajudasse a oferecer o arqueiro Ricardo Tavarelli, goleiro da seleção paraguaia, ao Grêmio.
- Foi a minha primeira negociação e quase a última né. Porque o Grêmio foi rebaixado naquele ano - lembra, hoje, aos risos o empresário.
As risadas e o bom humor são marcas hoje até registradas de Regis, seja nas postagens no Twitter ou, na ferramenta mais nova, nos vídeos curtos de Snapchat. Quando o GloboEsporte.com o procurou meses atrás para um perfil do empresário, ele respondeu no seu estilo, digamos, nada sutil:
- Vai tomar no c.... Sou empresário, não sou palhaço... KKKK - escreveu por mensagem.
Regis escreve no Twitter o que lhe dá na telha para alegria de alguns, raiva de outros e pouca indiferença dos mais de 30 mil seguidores - em maioria brasileiros e paraguaios. Fala bem e defende seus jogadores de críticas, mal da presidente Dilma Roussef - alvo nível de Celso Roth - e de modelos que ele considera aproveitadoras. Não foi por falta de aviso.
- Não gosto de internet, mas me falaram que Twitter era importante ter. Mas sei como sou, no meu primeiro tuíte eu digo: "tô abrindo isso, mas vai dar m..., porque eu me conheço" - lembra o empresário, que entrou no Twitter em outubro de 2011 e tem quase 30 mil tuitadas.
No Paraguai, as confusões começaram longe do teclado do celular, graças ao jeito espontâneo e nada politicamente correto, principalmente em três episódios. Quando Maxi Biancucchi - um dos jogadores que lhe abriram as portas no Brasil, quando o primo de Messi veio para o Flamengo em 2007, junto com Guiñazu no Internacional - fez o gol do título paraguaio em 2011 após 11 anos de seca do Olimpia, Regis brigou feio com o presidente do clube paraguaio para trazê-lo para o Vitória. Anos depois, ao retirar Victor Cáceres para o Flamengo e mais tarde com a saída de Martín Silva e Aranda para o Vasco e "70% a 80%" dos jogadores do time vice-campeão da Libertadores do Olimpia. Chegou a ser ameaçado por um dos presidentes e brigou com dois mandatários do Olimpia, Óscar Carísimo Netto e Marcelo Recanate.
- A pior foi com o presidente do Olimpia (Recanate), que era um doente mental. Disse que se eu passasse na frente do Olimpia me dava um tiro. Fui renovar o contrato do Maxi, já estava tudo certo, mas na hora de assinar os valores não são os combinados e não assinamos. Aí ele tentou nos jogar contra a torcida. Mas não me deixei pressionar - afirma Regis.
As discussões públicas, no Twitter e pela imprensa, geraram ação na Justiça de Óscar contra Regis - que o chamou de "maricón" - no Paraguai. O ex-presidente do Olimpia cobra US$ 100 mil do empresário. O outro presidente, hoje, é seu amigo, afirma o empresário.
- Essa multa não existe. Isso é só por ser estrangeiro no Paraguai. Sabia que como sou (o Twitter) ia dar problema. Tenho um humor que às vezes as pessoas não entendem, mas não devo nada a ninguém. Eu sou assim, eu falo o que eu acho. Não importa que não gostem. Por enquanto é o único processo, mas vou ter mais.
"Gol Show" e desmaio contra Maradona
Filho de um comerciante de origem arábe - os pais de Regis, retratados numa medalha que ele leva no pescoço, faleceram em 2005 -, o são-paulino tem uma história tão louca quanto as suas tiradas do Twitter. Muitas delas, por sinal, são piadas paraguaias que ele traduz - "ou história que aumento um pouco para ficar engraçado". Quando foi jogar no Paraguai, conheceu na primeira noite uma modelo que lhe tiraria do puro. Não era difícil, ainda mais aos 19 anos. "Boleirando" num desfile de moda, Regis ficou gamado na paraguaia e... casou três dias depois. Durou um ano e meio. Ele se separou da ex-mulher depois que foi encontrá-la nas férias em Miami. O sogro rico morava nos EUA e trabalhava fazendo clonagem de cartões. Convidado para entrar para o ramo, Regis "saiu fora" e quando voltou para o Paraguai sofreu lesão grave e decidiu retornar para São Paulo duro, solteiro e em depressão pelo fim do romance. Até que o telefonema de "Gato" Fernandez mudou sua vida.
Com R$ 10 na carteira e sem crédito de celular, comprou uma revista Placar e ligou para o Grêmio de um orelhão - com a ajuda de um amigo que tinha a manha de conseguir fazer ligações mesmo sem cartão - oferecendo Tavarelli. Quinze minutos depois, o antigo dirigente do Grêmio Antonio Carlos Verardi entrou em contato, interessado no paraguaio. Regis não sabia nem qual proposta apresentar aos gremistas e ligou para "Gato", seu sócio. Na negociação - que teve pitadas de humor com instruções ao garçom do Sheraton, onde Regis fingia que se hospedara em Porto Alegre, para só oferecer água e café, no máximo, e ainda ligação para o pai para entender o que era FGTS -, levou US$ 60 mil de uma só vez. Muito mais do que os US$ 2 mil que recebia por mês no Cerro para ser o terceiro reserva.
Ser reserva, aliás, era um posto que não incomodava Regis Marques. Chegou a disputar a Taça São Paulo de juniores, com o Cerro como convidado em 1997, mas nem ligou de ficar no banco. Ele não sabe explicar a razão, mas diz que tinha pavor de jogar. Quando o treinador o elogiava pela aplicação durante uma semana ele não pensava duas vezes: "Na outra eu fazia tudo errado para não ter chance de jogar". Foram oito anos no Cerro e, nas suas contas, apenas 45 minutos em campo - um gol sofrido, de pênalti. Defendeu mais e ralou mesmo quando foi chamado para um programa do Silvio Santos. Um amigo produtor mandava passagem e ele vinha do Paraguai para ser um dos goleiros internacionais do "Gol Show" - atração do SBT em que um canhão lançava a bola com força para o goleiro, que na época defendia o River Plate, o Prudente Hayes e o Atlantida, times médios paraguaios.
- Nunca fiquei concentrado, não era relacionado nunca. Eu era jogador para sair na balada e dizer que era jogador - antes de lembrar cena hilária com um treinador que depois seria representado por ele na transação para o Internacional.
- O ano era 1997, o Fossati era o técnico do Cerro e o goleiro titular era o Gato, o reserva era o Aldo Bobadilla (que depois veio para o Corinthians), mas ele estava com febre. Era um amistoso contra o Boca na volta do Maradona e do Cannigia. Você imagina, um jogo desses no interior da Argentina, como não estava lotado. Empate por 0 a 0 até os 40 minutos do segundo tempo e na disputa em bola lançada, Gato e Cannigia trombam fora da área. O Gato fica sentindo e a falta é para o Maradona, já ajeitando a bola. Eu pensei: "Putz... vai entrar o babaca aqui, frio, vai levar o gol do Maradona e vai sair vilão disso aqui". O Fossati olha para mim e fala: “Aquece”. "Euuu??? Mesmo com febre o Bobadilla é melhor que eu". Sorte que o Gato levantou, senão já estava pronto para fingir um desmaio!
Cartilha para os seus atletas
A ascensão na carreira de empresário foi fulminante. No Rio Grande do Sul, onde morou por quase dois anos, aproximou-se de Jorge Machado e chegou a ter a base dos jogadores na campanha do retorno do Grêmio de volta para a Série A no ano da Batalha dos Aflitos. No Paraguai, onde já foi até chamado - e declinou - do convite para participar da Dança dos Famosos, ele calcula que representa até 80% dos jogadores mais importantes do país. Regis também representou Alessandro, ex-Flamengo e Corinthians, e o meia Conca. Ele lamenta a falta de paciência com nomes que vieram para o Brasil e depois viraram sucesso fora do país. Cita o atacante Pinilla, que passou pelo Vasco em 2008, e do meia Beausejour, ex-Grêmio. Dois jogadores que se valorizaram muito depois de passarem por aqui.
Pela rede de contatos que criou e porque também não liga muito para certas convenções sociais - "nunca vai me ver de terno, gravata, reunião de empresário. Não tem coisa mais chata...", Regis leva o estilo despojado da sua vida para as redes sociais. A brincadeira, que muitas vezes lhe rende xingamentos de mulheres o chamando de machista ("não tem problema, eu gosto de ser xingado"), não o afasta das atribuições que tem como empresário.
- Sou da época de Edmundo, do Romário. Um mandava o outro para aquele lugar, mas decidiam. Hoje é tudo triste, tudo politicamente correto. Sou empresário sem querer. Nunca pensei nisso, em ter 200 jogadores, por isso também não vou mudar o meu jeito de ser - diz o empresário.
Regis conta que não tem muita dor de cabeça com seus jogadores. Cita os casos de Martín, Julio dos Santos e Maxi como jogadores tranquilos, casados, sem problemas extracampo. Com os mais jovens, repete a todo momento para não fazerem "as cagadas" que ele fez.
- Casei com 19 anos. Fui burro, mas aprendi cedo. É uma das coisas que eu falo para jogador não fazer: casar cedo; achar que esposa é mais importante que os pais; fingir que tem dinheiro quando você não tem; gastar mais do que você ganha; querer aparecer mais do que você é. E sei do que estou falando porque a maioria dos jogadores é assim.
Com "Sorriso Maroto" no som, óculos escuros e carrão, ultimamente a maior preocupação de Regis está na academia. E não é a barriguinha de um quase quarentão que lhe incomoda.
- A cara já não ajuda. Ainda chego na academia e está o Cauã Reymond... Quem é que vai olhar para mim? Não dá para entrar de carro na academia... - brinca o empresário.
Fonte: GloboEsporte.com